Dia de Iemanjá é renovado com preocupação ambiental: como celebrar sem agredir a natureza?

Nova geração de pais-de-santo, babalorixás e ialorixás pedee que sejam evitadas flores de plástico e perfumes que agridem a vida marinha

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Por Beatriz Bulhões
Atualização:

Rituais de religiões africanas fazem parte do cotidiano brasileiro. Alguns exemplos são usar branco na virada do ano, pular sete ondas e jogar flores para Iemanjá, cujo dia é celebrado nesta sexta-feira, 2, em várias cidades do País.

Uma nova geração de representantes de terreiros, pais e mães de santo, babalorixás e ialorixás quer preservar a tradição, mas com preocupação ambiental. Flores de plástico que não se dissolvem, barcos que demorar anos para se decompor e perfumes que alteram a vida marinha são presentes à senhora das águas, mas riscos para a natureza.

Centenas de fiéis celebram Iemanjá nas ruas de Salvador Foto: Rafael Martins/EFE

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As lendas de Iemanjá variam: em uma, após ter se separado dos filhos, ela chorou tanto que se desfez em rios e mares. Em outra, seus seios fartos deram o leite que serviu de alimento aos orixás e acabou se tornando a água repleta de peixes. Uma terceira é mais direta e diz que a mãe da divindade era a responsável pelas águas calmas e deu à filha o poder das ondas para afastar toda a sujeira que vinha dos homens.

“O orixá não está na natureza, ele é a natureza de fato”, explica Rodrigo Queiroz, fundador do Instituto Cultural Aruanda e autor de Umbanda para iniciantes (Citadel Grupo Editorial).

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Uma das saídas utilizadas para fazer o ritual de entrega sem atrapalhar o meio ambiente é o uso de materiais biodegradáveis.

O babalorixá e antropólogo Rodney William já fez campanha nas redes sociais sugerindo mudanças. Ele dá o exemplo do barquinho de madeira comumente usado para acomodar as oferendas: costuma ser pintado ou com verniz, fazendo sua decomposição ser concluída apenas após 15 anos.

As joias e bijuterias (50 a 200 anos, a depender) enviadas à orixá da beleza, junto com o perfume em embalagem de vidro (5 mil anos) e imagens de louça (tempo indeterminado), encaixadas com isopor para não caírem (400 anos), caem como uma bomba na fauna e flora marinha.

“A festa de Iemanjá tomou outra proporção, cresceu e virou uma festividade cultural e turística.”, opina o babalorixá da casa Ilê Obá Ketu Axé Omi Nlá, localizado na Serra da Cantareira, em que também é antropólogo.

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Para ele, essa lógica de consumo “acabou virando barganha ao invés de troca: quanto mais eu dou, mais irei receber”, esquecendo que “a força viva da natureza é o orixá”.

O que dar de presente a Iemanjá?

Uma sugestão do babalorixá, por mais estranho que pareça, é retirar algumas oferendas da água. “Se vir um vidro de perfume ou um pedaço de plástico boiando, retire. Tenho certeza que Iemanjá vai ficar muito mais feliz com isso do que o seu presente. Não vai ofendê-la, eu, uma autoridade religiosa, te asseguro”, garante.

Ainda assim, caso não se atreva a retirar a oferenda de outras pessoas, há uma lista de produtos biodegradáveis que podem ser usados. As flores naturais, por exemplo, são boa pedida.

Para os religiosos mais tradicionais, Queiroz tem uma saída. “Pode fazer esse ritual em duas etapas: dentro do terreiro fazemos a grande oferenda com os elementos simbólicos, que pode ser feito no assentamento (local sagrado onde é colocada a representação do orixá) e depois sai em comitiva para a beira do mar para oferecer a presença, o canto de fé, a oração”.

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Outras opções são ervas aromáticas, conchas encontradas na própria praia e batuques. “No lugar de comprar algo, sugiro que pegue esse dinheiro e faça doação à casa de Iemanjá. Em uma busca rápida na internet, você encontra associações que cuidam do presente de Iemanjá ou terreiros dela, que fazem projetos sociais e as doações são sempre vindas”, aconselha o babalorixá Rodney Willian.

Essas associações costumam estar em cidades litorâneas. No Estado de São Paulo, a mais conhecida fica em Santos. No Rio de Janeiro, um presente sustentável é entregue todo dia 2 de Fevereiro no Arpoador. Em Salvador, a Casa de Yemanjá, no bairro do Rio Vermelho, é aberta inclusive para visitação de turistas.

Os mais novos candomblecistas e umbandistas costumam ser mais interessados na conservação do planeta, mas há praticantes mais velhos que se recusam a aceitar novas práticas.

“É preciso entender que essas pessoas praticam a tradição há 50 anos. As discussões de sustentabilidade só chegaram para nós, de verdade, há no máximo 30 anos”, resume o fundador do Instituto Cultural Aruanda.

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O problema principal é que essas pessoas mais velhas costumam ter cargos mais altos na hierarquia, como os pais e mães-de-santo. E, com a voz da entidade, são quem decide o que é ou não praticado em suas casas.

Desde 2012, Salvador faz a campanha “Balaio Verde”, por meio da Secretaria da Cidade Sustentável e Inovação (Secis),, aconselhando a entrega de oferendas sustentáveis. Entretanto, tanto Rodney quanto Rodrigo enfatizam que as leis não funcionam nesse caso. A mudança precisa ser espiritual.

Mãe Stella de Oxóssi, uma das religiosas mais famosas da capital baiana, escreveu em sua coluna no jornal A Tarde de 2015 o artigo “Presença sim, presente não”. “Meus filhos serão orientados a oferecer Iemanjá com harmoniosos cânticos. Quem for consciente e corajoso entenderá que os ritos podem e devem ser adaptados às transformações do planeta e da sociedade”, escreveu a mãe-de-santo.

Por se tratar de uma autoridade, diversos religiosos trataram de obedecer. Hoje, o presente oficial de Salvador e do Rio, entre outros locais, já é 100% sustentável.

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*Este conteúdo foi produzido em parceria com o Instituto Cultural Aruanda

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