Os efeitos do fogo e da fumaça preocupam moradores de Autazes, no Amazonas, município com 41,5 mil habitantes que tem concentrado o registro de queimadas da região na última semana. Eles criticam o que chamam de inação do poder público frente aos incêndios e contabilizam prejuízos nos terrenos invadidos pelas chamas.
Desde julho, o Amazonas enfrenta um descontrole dos focos de incêndio, agravados pela seca histórica que esvazia os rios da região e favorece as queimadas. A capital Manaus ganhou os noticiários na última quarta-feira, 11, quando a cidade, tomada por uma densa fumaça, registrou a segunda pior qualidade do ar no mundo.
Naquele dia, o município de Autazes chegou a contabilizar 105 focos de incêndio, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e liderou o ranking de queimadas no País.
A situação permaneceu ao longo da semana. Na manhã desta sexta-feira, 13, a prefeitura ainda contabilizava 30 focos ativos. Em um grupo de mensagens, produtores rurais como Airton Arcos narraram para os colegas como têm sido os últimos meses.
“Isso preocupa muito. Eu vejo muitas propriedades se acabando em fogo sem os donos estarem perto e sem saber o que fazer. Eu participei de vários grupos para tentar apagar o fogo. Acredito que as autoridades deviam ter tomado uma atitude mais cedo, mas deixaram a situação chegar onde chegou”, contou Airton, que teme punições desnecessárias aos produtores alcançados pelo fogo iniciado nas grandes fazendas.
“Em todos os 90 quilômetros que andamos na estrada de Autazes não vimos ninguém do Corpo de Bombeiros, ninguém da prefeitura. Ausência total.” O relato é da jornalista Juliana Silva que acompanhou e divulgou nas redes sociais a angústia de moradores da comunidade indígena do Cuia para conter o fogo que se aproximava das casas. “São eles por eles.”
No pior dia de fogo do município havia apenas três bombeiros e um grupo com 30 brigadistas, a maioria recém-treinada e sem experiência, para atuar no combate às chamas, segundo a prefeitura local. Os próprios moradores precisaram agir para conter os incêndios. “Até o momento não chegou ajuda federal. Nós ainda estamos no aguardo. Há promessas, há gestos, mas nada concreto ainda”, declarou à reportagem o prefeito Andreson Cavalcante (União-AM).
O prefeito negou que o movimento pró-exploração mineral e agropecuária na região tenha efeito sobre as queimadas. Ela declara que, de fato, a maioria das queimadas são promovidas por pecuaristas que ao fazer a limpeza de propriedades, por conta da seca extrema, não conseguem conter as chamas. A maioria das chamas, no entanto, foram feitas em áreas próximas à rodovia AM-254 (que liga Autazes à capital) e vai até o quilômetro 39 da BR-319.
A fala do prefeito ocorreu pouco antes da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciar o envio de mais 149 brigadistas ao Amazonas, totalizando 289 em todo o Estado e a destinação de R$ 135 milhões do Fundo Amazônia para ações de monitoramento.
O reforço, no entanto, deve chegar somente na segunda-feira, 16. Tropas da Força Nacional também devem ser enviadas pelo Ministério da Segurança Pública. Na quinta-feira, o Batalhão Ambiental foi até a cidade com seis viaturas. O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) mandou duas viaturas com agentes.
Em nota, o governo do Amazonas disse que “vem trabalhando de forma permanente no monitoramento e combate aos incêndios”. “De 12 de julho até 10 de outubro, um total de 2.121 incêndios já foram combatidos pelos quase 600 agentes atuando no Estado, incluindo bombeiros, brigadistas e agentes da Força Nacional. Ação que se soma a outras, como envio de ajuda humanitária, também em andamento no Amazonas”, apontou.
A gestão estadual disse ainda que, nesta quinta-feira, 12, órgãos ambientais e forças de segurança realizaram fiscalização ao longo de parte do início da BR-319 e da AM-254, que leva a Autazes.
“Ao todo, 120 servidores, entre policiais militares, civis e técnicos do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaa), além de 16 viaturas e duas aeronaves, integram a equipe que atua na região. Desse quantitativo, 64 agentes foram enviados ontem (quarta-feira, 11) pelo governador Wilson Lima para o reforço no combate às queimadas.”
Seca e fogo
Assim como em outras regiões da Amazônia, Autazes vive uma severa combinação de seca e fogo. No dia 31 de agosto, o município entrou para a lista de emergência ambiental em decorrência das queimadas e no dia 29 de setembro foi decretada emergência por conta da seca.
Foi criado um gabinete de gestão integrada na prefeitura para lidar com a situação. Até o momento foram 32 autuações entre multas leves, graves e gravíssimas, sendo 3 na área rural e 28 na área urbana. Quatro pessoas foram detidas e uma foi presa em flagrante.
Um procedimento de investigação foi aberto no dia 24 de setembro pela Promotoria de Justiça de Autazes. “As queimadas estão sendo feitas no período da noite para fugir das fiscalizações”, afirma o promotor Carlos Firmino Dantas.
Mesmo onde o fogo foi controlado, ele declara que os rastros das chamas devem ajudar na responsabilização, por dano moral coletivo, dos culpados pelos incêndios criminosos.
O número de infrações, segundo o prefeito, não é maior por falta de denúncias da população. “É sempre um vizinho, um amigo, um parente ou conhecido. O fogo não nasce sozinho e a comunidade precisa ajudar nisso”.
Doenças respiratórias
As aulas estão suspensas e uma ala foi criada no Hospital Deodato Miranda, unidade hospitalar de maior porte no município, para atender pessoas com problemas respiratórios.
Conforme levantamento da Secretaria Municipal de Saúde de Autazes, desde o início do mês, 1.169 pessoas deram entrada na rede hospitalar por doenças respiratórias decorrentes da fumaça. Os principais sintomas são tosse, falta de ar, dor de garganta, dor de cabeça, tontura, náuseas, dor nos olhos e crises asmáticas.
Enquanto isso, agricultores como Jango Roldão contabilizam os prejuízos das chamas. Ele possui duas propriedades em Autazes, que ficam há quase 8 horas de distância uma da outra. Na quarta-feira, ele recebeu a notícia de que em um dos sítios, próximo ao Lago do Piranha, a plantação foi destruída. Em vídeo, é possível ver a vegetação carbonizada.
“Eu cheguei lá e tinha queimado tudo. Passou pela cerca e acabou com tudo lá. Agora vai saber quem foi que tocou fogo. Eu tenho suspeitos, mas não tenho certeza. Não posso acusar se eu não vi”, relatou Jango.
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