OSLO - O governo da Noruega, depois de reduzir em 50% o dinheiro destinado ao Brasil em 2017 para ajudar na preservação ambiental, alerta que pode simplesmente suspender qualquer repasse em 2018 ou 2019 se o País não atingir as metas de redução de desmatamento.
O alerta foi feito pela primeira-ministra, Erna Solberg, depois de uma reunião na manhã desta sexta-feira, 23, com o presidente Michel Temer (PMDB).
"Se eles (brasileiros) não atingirem as metas, ele (o repasse) será reduzido ou não haverá pagamentos", disse a chefe de governo em Oslo à agência local NTB.
Solberg e Temer fizeram uma declaração à imprensa após o encontro. Mas perguntas dos jornalistas não foram autorizadas. A norueguesa, porém, atendeu aos meios de comunicação do país, de forma separada e aceitando perguntas. Segundo ela, o acordo de cooperação ambiental com o Brasil vai até 2020 e não vê motivos para renegociar os termos do contrato.
O Estado apurou que, dentro do governo norueguês, a possibilidade de um corte total de recursos é considerada. Mas isso dependerá das taxas de desmatamento. Nesta sexta-feira, o governo da Noruega anunciou que, para 2017, dará no máximo US$ 35 milhões ao Brasil. Em média, Oslo destinou US$ 110 milhões por ano ao País. Se confirmado, o corte será ainda mais profundo que havia sido anunciado pelo governo na quinta-feira, que indicou que a redução seria de 50%. Se a situação não for revertida, o risco é de que em 2018 a suspensão completa possa já ocorrer.
Por um acordo de 2008, a Noruega destinou já US$ 1,1 bilhão ao Brasil, para um fundo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas outros US$ 500 milhões ainda seriam enviados até 2020.
Em dois anos, o Brasil já perdeu R$ 196 milhões e, se o ritmo de desmatamento continuar, o dinheiro pode secar. No início da semana, ao Estado, o BNDES indicou que os programas de preservação poderiam ser mantidos por um ano, mesmo que houvesse uma interrupção total da liberação de novas verbas.
Para a imprensa dos dois países, Solberg foi clara sobre o que ocorreu às portas fechadas com Temer.
"Expressei minha preocupação de que o desmatamento no Brasil uma vez mais aumentou e que existem forças no País que querem enfraquecer as leis ambientais e reduzir áreas sob proteção", disse.
Ela confirmou que, diante da situação, haverá um corte do envio de dinheiro de Oslo ao Fundo da Amazônia, no valor de quase R$ 200 milhões. "Haverá um menor pagamento em 2017", disse.
Solberg afirmou que Temer "escutou" as preocupações do governo norueguês. "Esperamos que ele possa atuar."
Temer, por sua vez, voltou a insistir nas medidas tomadas pelo governo. Mas precisou de ajuda dos ministros para se lembrar do nome do parque nacional que foi ampliado em seu governo. Segundo ele, medidas que reduziriam áreas de proteção foram vetadas.
Depois, aos jornalistas brasileiros, ele minimizou o corte de recursos para a proteção ambiental. "Eles colaboram enormemente para o Fundo da Amazônia. As explicações dadas por mim e pelo ministro (do Meio Ambiente, José Sarney Filho), ficou muito claro uma revisão desses aspectos", completou.
Sarney Filho, durante a reunião com a primeira-ministra, disse que a culpa era do governo de Dilma Rousseff (PT), que estava repondo o dinheiro retirado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e que os dados de desmatamento já davam sinais positivos.
Para o governo brasileiro, a questão ambiental no País e o desembolso de dinheiro de Oslo entraram na agenda da campanha eleitoral na Noruega. O país realiza eleições gerais nos próximos meses e Solberg estaria, na avaliação do Brasil, usando um tom duro com o País para ganhar apoio da opinião pública.
Apesar do mal-estar sobre os temas ambientais, a Noruega aceitou receber Temer e até promover um almoço com a família real por conta dos interesses no setor do petróleo. Solberg chegou a "agradecer" ao presidente pelas modificações nas leis do pré-sal, dando mais abertura para que empresas estrangeiras se transformem em operadoras sem a presença da Petrobrás.
Em uma reunião com Temer, as empresas de petróleo garantiram que vão continuar a investir no Brasil no longo prazo e que o País se transformou em uma das prioridades, mesmo com a crise. A Statoil, por exemplo, indicou que vai destinar "bilhões em investimentos" no Brasil nos próximos anos. Mais de cem empresas que fornecem serviços ao setor também poderiam aumentar seus negócios.
Protestos
Da sala de onde falavam, os dois líderes podiam ver pelas janelas a manifestação que ocorria ao outro lado da rua. Com cartazes e um coro de "Fora Temer", cerca de 40 ativistas das principais organizações não governamentais (ONGs) ambientais da Noruega denunciavam a política ambiental do governo e o avançado da bancada ruralista no Congresso.
"Vemos um constante e sistemático ataque ao meio ambiente neste governo", disse Sonia Guajajara, que comanda a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
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