O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, reconheceu nesta sexta-feira, 4, durante o evento Retomada Verde, do Estadão, dificuldades do governo na área ambiental em relação às queimadas e ao desmatamento na Amazônia. Ele lamentou que as Forças Armadas não tenham atuado antes no combate à devastação na floresta. "Não fizemos isso, fomos entrar tarde", afirmou à jornalista Eliane Cantanhêde. Mourão tem agido para tentar mudar a imagem da política ambiental do governo no exterior, onde a gestão Jair Bolsonaro é alvo de críticas. O vice-presidente ainda se comprometeu a reduzir as taxas de desmate e incêndios já em setembro para ficar abaixo da "média ou dos mínimos históricos".
"No ano passado, quando nós terminamos a Operação Verde Brasil 1, que foi de combate às queimadas (com apoio das Forças Armadas), deveríamos ter permanecido no terreno com aquela força constituída, para já entrar de imediato, entrar de cabeça no combate ao desmatamento. Não fizemos isso, fomos entrar tarde, e já com o óbice maior da pandemia. Se a gente tivesse permanecido no terreno desde o ano passado, hoje teríamos números muito melhores para apresentar. Essa é a mea culpa que eu faço", afirmou o vice-presidente. A atuação das Forças Armadas na Amazônia, na Operação Verde Brasil 2, foi autorizada em maio por Bolsonaro.
“O objetivo é chegarmos com o desmatamento e as queimadas abaixo da média ou dos mínimos históricos que já tivemos anteriormente ainda em setembro”, afirmou. Em agosto, o número de incêndios na Amazônia diminuiu 5% em relação a 2019, mas foi o segundo pior resultado nos último dez anos de queimadas no bioma. "Mais do que nunca, nós aqui no Brasil temos de deixar muito claro nosso compromisso de preservação da Amazônia, reduzindo ilegalidades, desmatamento e queimada aos mínimos históricos. Essa é uma meta factível de ser atingida. Ao mesmo tempo, temos de avançar com projetos de reflorestamento e de regeneração de áreas degradadas, e que permitam também o desenvolvimento sustentável."
Questionado sobre a ordem da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, para que o governo esclareça o emprego das Forças Armadas na região, ele disse que o pedido é “mais um uso político do STF”. “A presença das Forças Armadas na Amazônia é histórica e se confunde com a história do País. Um dos nossos grandes problemas é a ausência do Estado (na região).”
Ele também destacou que o papel dos militares no combate ao desmatamento é apoiar os órgãos ambientais na fiscalização. "O Exército não assumiu nada, mas (atua) dando apoio para que Ibama e ICMbio possam exercer suas atividades", disse ele, lembrando que os dois órgãos ligados ao Ministério do Meio Ambiente têm sofrido com equipes reduzidas nos últimos anos.
"É apoio logístico e de segurança ao trabalho das duas instituições, que não têm perna para cumprirem suas tarefas na Amazônia", disse. "Se essas agências estivessem com toda sua capacidade operacional plena, não haveria necessidade de aplicarmos as Forças Armadas", acrescentou. Só o Ibama perdeu 55% dos fiscais em uma década, como mostrou o Estadão em agosto.
Mouro ainda destacou que os dois órgãos estão submetidos ao Ministério do Meio Ambiente e negou haver atritos com o titular da pasta, Ricardo Salles. “O ministro tem sido parceiro constante nessa atividade.” Na última semana, houve uma divergência pública entre Mourão e Salles. O ministro afirmou que paralisaria 100% das ações de combate ao desmatamento, após a área econômica ter bloqueado R$ 60 milhões do orçamento do Ibama e do ICMBio. Mais tarde, porém, Mourão disse que houve "precipitação" de Salles e o governo decidiu liberar os recursos.
Ainda segundo ele, é preciso que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, aperfeiçoe suas ferramentas para monitorar o desmate. "O trabalho do Inpe não usa inteligência artificial." O monitoramento da perda de cobertura vegetal feita pelo instituto tem sido questionado por integrantes do governo Bolsonaro desde o ano passado. “Existe um desperdício de recursos dentro do governo”, afirmou Mourão, citando operações similares do Inpe e da Polícia Federal para monitorar imagens de desmate. Mourão defendeu ainda um sistema unificado que disponibilize os dados para todos os órgãos.
Questão ambiental não tem ideologia, diz vice-presidente
Sobre a pressão de fundos de investimento pelo combate ao desmatamento, Mourão disse que há "ruídos" e "desinformação" nas discussões sobre a Amazônia. "Questão ambiental não tem ideologia", disse ele, que ainda cobrou "equilíbrio" nas críticas e destacou a existência de "uma ala radical" entre os ambientalistas. Ele também reconheceu que o acordo União Europeia-Mercosul tem uma série de ruídos. "Pretendemos desmistificar a europeus o que acontece no Brasil."
O vice-presidente defendeu a participação das empresas na defesa da Amazônia. "É fundamental que o setor privado trabalhe lado a lado", disse. A tarefa do governo, acrescentou, "é criar um ambiente de negócios estável, amigável, desregulando, desburocratizando", além de dar "segurança política" aos investidores. E Mourão ainda afirmou que o governo trabalha para reprimir os crimes ambientais. "Toda empresa que não estiver obedecendo nossa legislação será multada. A Operação Verde Brasil já se pagou, em termos de multa aplicada."
Indígenas não podem viver de 'esmola'
Mourão afirmou também que os indígenas precisam de renda própria e não podem viver "de esmola" do Estado. A fala do vice-presidente está em sintonia com o a de Bolsonaro. Os dois são defensores da exploração das terras indígenas porque, segundo eles, os índígenas querem ter acesso à modernidade e não ficarem reféns das esmolas do poder público. “A gente tem que entender as ansiedades da comunidade indígena. Eles não podem continuar a viver segregados e afastados no século XXI. Eles precisam ter sua renda própria e não podem viver de esmola do Estado.”
Em fevereiro deste ano, Bolsonaro assinou um projeto de lei que regulariza a mineração, produção de petróleo, gás e geração de energia elétrica em terras indígenas. Para Mourão, essa exploração está alinhada à vontade de algumas tribos, apesar de ele reconhecer que outras comunidades não concordar com essa atividade.
“Esse projeto de exploração mineral é de acordo com o que prevê a Constituição e ouvindo a comunidade indígena”, afirmou. “Ela precisa ter o livre arbítrio sobre o território que a nação colocou nas mãos deles, e não ser eternamente tutelada. Tem que prevalecer a vontade do ser humano de origem indígena. É o que vamos explicar à ministra, uma vez que aparentemente ela desconhece isso.”
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