O Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação civil pública para o embargo imediato das obras de um empreendimento imobiliário de alto padrão. A alegação é de que colocaria em risco o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses.
O condomínio de luxo é o Terra Ville Residence, que teve as obras iniciadas no município de Santo Amaro, no Maranhão, a 200 metros de parte das dunas. O entendimento do MPF é de que teria invadido a zona de amortecimento da unidade de conservação. Entidades e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se opuseram à construção do empreendimento.
O projeto oferece 232 lotes de 300 m² a 523 m², com mais de 20 equipamentos de lazer, como salão de festas, piscinas e quadras de tênis e beach tênis, além de quiosques com churrasqueiras. As casas podem ter até dois pavimentos e áreas construídas entre 120 m² e 420 m². Há, ainda, a previsão de um heliponto e portaria com controle de entrada.
Responsável pelo empreendimento, a CAT Construções Ltda afirma que não há irregularidades e que detém todas as licenças ambientais. Também diz que, para não prejudicar consumidores e trabalhadores, busca entender as exigências do ICMBio e realizar mudanças no projeto. A ação, com pedido de liminar, está em análise pela Justiça Federal.
Em suas redes sociais, a construtora apresenta o residencial como “o paraíso no paraíso”. “O Terra Ville Residence está saindo do papel e ganhando vida em Santo Amaro do Maranhão. Prepare-se para viver o sonho de ter um refúgio exclusivo nos Lençóis Maranhenses, com infraestrutura completa, lazer para toda a família e arquitetura integrada à natureza”, diz, em vídeo. “Imagine acordar todos os dias com a vista deslumbrante dos Lençóis Maranhenses”, acrescenta.
Em julho de 2024, o Parque dos Lençóis Maranhenses foi declarado patrimônio natural mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O reconhecimento é de incentivo à preservação cultural e natural de bens considerados significativos para a humanidade.
Zona de amortecimento da unidade de conservação
A ação foi proposta no final de outubro do ano passado contra o Estado do Maranhão, o município de Santo Amaro e a empresa CAT Construções Ltda, responsável pelas obras. De acordo com o MPF, o plano de controle ambiental do loteamento apresentado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) omitiu que está inserido na zona de amortecimento da unidade de conservação.
A zona de amortecimento é um anel de proteção da unidade. Nesse tipo de local, as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições para minimizar os impactos negativos sobre o parque.
Além disso, o MPF aponta que o empreendimento é de grande porte, mas foi licenciado pela Sema sem a necessária Autorização de Licenciamento Ambiental (ALA). Esse aval deveria ter sido solicitado ao ICMBio (responsável pela unidade de conservação).
A ação afirma que houve irregularidade no licenciamento pelo fato de a prefeitura ter autorizado loteamento em área rural, na qual não é permitida expansão urbana devido à proximidade com o parque.
As obras são realizadas a apenas 200 metros do campo de dunas dos Lençóis Maranhenses, com estrada de acesso de 2 km de extensão sobre a zona de amortecimento, contrariando a legislação local e federal, segundo o procurador da República Alexandre Soares. “Tem-se uma obra de grande porte com uma verdadeira urbanização do entorno do Parque dos Lençóis Maranhenses”, diz.
Situação foi denunciada à Unesco
O MPF iniciou a apuração a partir de denúncias encaminhadas pelo ICMBio e pelo Conselho Municipal de Turismo de Santo Amaro. Em nota técnica, o Instituto enfatiza que o empreendimento pode afetar diretamente o ecossistema e a integridade do parque, com o acréscimo de grande quantidade de residências em torno da área protegida e o acesso descontrolado à unidade de conservação.
Em outubro, o conselho enviou carta denúncia à Unesco alertando que a pavimentação da via de acesso pode ampliar o impacto do turismo, causando intervenção na paisagem e drástico aumento na circulação de veículos na região das dunas.
Conforme o presidente do conselho, Guilherme Cajueiro, a construção está localizada em área de ligação com o povoado de Betânia. “Este povoado foi habitado pelos tremembés (povo étnico indígena) ou seja, é um território que deve ser preservado a todo custo devido à sua importância histórica”, disse.
Além da suspensão da licença para a obra, incluindo o acesso, o MPF pede que seja proibida qualquer construção ou nova intervenção no local. Requer ainda a suspensão de atividades de comercialização e publicidade do empreendimento, assim como que o empreendedor e a prefeitura informem sobre a existência da demanda judicial com placas no local e em suas páginas na internet.
Ademais, pede que a Justiça reconheça a inviabilidade do empreendimento e que, além de demolir as obras já realizadas, os responsáveis apresentem um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) ao ICMBio. Por fim, defende que os réus sejam condenados ao pagamento de indenização por danos que não possam ser reparados. A Justiça mandou intimar as partes para apresentar defesa.
O que diz a construtora
A advogada Luciana Melo Madruga Fernandes, que defende a CAT Construções, disse que não há qualquer irregularidade quanto ao empreendimento, que detém todas as licenças ambientais.
“O empreendimento está fora do parque nacional, a 3.787 metros, não sendo de alçada do ICMBio qualquer apontamento, especialmente, porque o empreendimento é considerado de pequeno porte por deter menos de 10 hectares, sequer exigindo o EIA (Estudo de Impacto Ambiental). Do contrário, as licenças não teriam sido deferidas”, disse.
Ela também alega que o empreendimento está nas proximidades do Parque Municipal dos Lençóis Maranhenses, cujo limite é distinto do nacional. “O parque que se encontra nas proximidades do Terra Ville é apenas o municipal. E, nesse contexto, a própria Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Maranhão apenas exigiu que o empreendimento distasse 100 metros de áreas de APP (área de preservação permanente)”, afirmou.
Conforme a advogada, mesmo sendo penalizada por condutas “que, inclusive, têm forte interesse midiático”, a empresa está buscando entender as exigências do ICMBio para propor alterações de projeto, “apenas com o intuito de não prejudicar as centenas de pessoas envolvidas, desde os consumidores até os colaboradores que trabalham na obra”.
O Governo do Maranhão, por meio da Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema), diz que o processo de licenciamento ambiental do empreendimento foi conduzido com rigor. “Em total conformidade com as legislações ambientais federais e estaduais, de forma que evite qualquer interpretação equivocada das normas”, destacou.
A prefeitura de Santo Amaro foi procurada, mas não deu retorno. Sobre a defesa da construtora, o MPF reiterou que o projeto interfere na área de amortecimento do parque nacional, conforme apontado pelo ICMBio. Procurado, o Instituto ainda não se manifestou. A prefeitura e o prefeito reeleito de Santo Amaro também foram acionados.
Segundo parque nacional mais bonito do mundo
Com uma área de 155 mil hectares, os Lençóis estão inseridos em zona de transição dos biomas do Cerrado, da Caatinga e da Amazônia. O Parque dos Lençóis Maranhenses foi considerado o segundo parque nacional mais bonito do mundo, de acordo com levantamento da empresa Bounce, especializada em viagens, divulgado em janeiro de 2024. Ficou atrás apenas do Parque Nacional Kruger, na África do Sul.
Conforme o ICMBio, o parque abriga ecossistemas diversos e frágeis, como a restinga e o manguezal, e um campo de dunas que ocupa dois terços da área total – o maior do país. As dunas atraem turistas devido às lagoas que se formam no período chuvoso. O parque está inserido nos municípios maranhenses de Barreirinhas, Santo Amaro e Primeira Cruz.
O melhor período para visita aos Lençóis Maranhenses vai de maio a agosto, mas a unidade está aberta à visitação o ano inteiro. Atualmente, não há cobrança de ingresso pelo ICMBio, mas as agências e operadoras de turismo credenciadas cobram valores referentes aos seus serviços.