O que há na lama da chuva perto das áreas de mineração? Cientistas e moradores pesquisam

Investigação inicial mostrou a presença de ferro, arsênio, manganês e chumbo e a necessidade de monitorar os locais

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Por Meghie Rodrigues

Usados na mineração e descartados em barragens de rejeitos, metais pesados como chumbo, arsênio e cádmio podem causar danos à saúde e ao meio ambiente. Mas qual é o risco desses metais entrarem em contato com as populações que vivem perto das áreas de extração de minério?

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Encontrar respostas a esta pergunta é o que motivou a criação do projeto “Que Lama é Essa?”, nascido no Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O foco principal é a análise química de amostras de água, solo, lama e sedimentos em diversos pontos das bacias dos rios das Velhas, Paraopeba e Doce, que passam pela região metropolitana de Belo Horizonte. O projeto conta com a colaboração de comunidades de moradores ao longo dessas bacias.

“Sempre nos vimos imbricados na questão da mineração e da água,” diz Lussandra Gianasi, professora de Geografia da UFMG e co-fundadora do Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território (EduMiTe), que abriga o projeto.

Enchentes de verão fazem parte da história de cidades de Minas Gerais, como Brumadinho, por onde passa o rio Paraopeba Foto: Prefeitura de Brumadinho - 08/01/2021

A exemplo da barragem da Vale que se rompeu em 2019 em Brumadinho, as barragens de rejeitos de mineração estão, em sua maioria, nas proximidades de BH.

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No início de janeiro do ano passado, as chuvas se intensificaram e deixaram quase 140 cidades em estado de alerta em Minas. Com as inundações, cerca de 14 mil pessoas foram desalojadas e mais de 3 mil ficaram desabrigadas.

As enchentes não são novidade no Quadrilátero Ferrífero, explica Luciano Corrêa, professor de Química e pesquisador voluntário do projeto. “Mas a lama que entrou nas casas era parecida com a de rejeitos de barragens de mineração: tinha odor diferente, era pegajosa, tinha brilho. Ficamos nos questionando sobre isso e vimos a possibilidade de fazer uma rede de coleta para entender a origem dessa lama,” conta Corrêa, morador de Rio Acima, município a cerca de 40 quilômetros a sudeste de Belo Horizonte.

Pesquisadores analisam lama que entrou nas casas após enchente Foto: EduMiTe - Grupo de Pesquisa Educação, Mineração e Território, UFMG

“Os moradores pediram ajuda e nos demandaram as análises,” conta Gianasi. A equipe se reuniu com moradores de municípios atingidos pelas enchentes nas bacias dos rios Doce, Paraopeba e das Velhas para definir como seria a coleta de amostras de água, solo e lama.

Gianasi conta que o grupo de pesquisa continua em contato com as comunidades para promover a capacitação na coleta de amostras para futuros testes. O papel dos moradores, no entanto, vai muito além das coletas. As comunidades são co-autoras do processo. “No processo há uma troca muito rica entre cientistas da academia e cientistas cidadãos. O conceito de ciência cidadã ainda é pouco trabalhado na universidade,” conta Gianasi.

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As primeiras amostras coletadas que tinham qualidade para análise foram enviadas para a Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Parte delas, segundo a investigação inicial, mostra a necessidade de monitorar os locais. Foram detectados níveis de ferro, arsênio, manganês e chumbo acima do recomendado por órgãos ambientais, segundo Ulisses Nascimento, chefe do Departamento de Tecnologia Química da instituição.

Gianasi conta que um dos maiores ganhos, segundo ela, é o envolvimento de pessoas que não estão na universidade e desejam usar a ciência para encontrar soluções para problemas concretos que enfrentam no seu dia-a-dia. “São eles que conhecem seu território, enviam fotos, vídeos, materiais. Queremos ajudar na qualificação das pessoas para termos mais e melhores amostras em coletas futuras,” completa.

A adesão de colaboradores teve volume e rapidez que surpreenderam Corrêa. O protagonismo das comunidades, segundo ele, ajuda os moradores a não dependerem somente dos órgãos públicos ou das as mineradoras como fontes de informação.

“A avaliação independente de impactos ambientais de atividades industriais é fundamental para garantir os direitos humanos dessas pessoas,” pondera Nascimento. “Vai ser interessante concluirmos o trabalho para que sirva de lastro para outros projetos de preservação ambiental pelo Brasil,” completa.

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