Uma série de incêndios florestais de grandes proporções atinge desde terça-feira, 7, a região de Los Angeles, no sul da Califórnia. Há pelo menos cinco mortes e mais de 130 mil pessoas foram evacuadas de suas casas. O fogo, impulsionado por rajadas de vento comparáveis à intensidade de um furacão, se espalhou rapidamente por vários bairros.
Especialistas apontam que combinações de fatores que impulsionaram as queimadas - seca prolongada e ventos quentes - antes eram raros e agora se tornarão cada vez mais comuns. Isso eleva o risco de eventos climáticos extremos, que serão mais frequentes e intensos.
Agências de meteorologia confirmaram nesta sexta-feira, 10, que em 2024 a Terra teve o ano mais quente da história. Para piorar, a previsão é um fenômeno La Niña, que ajuda a resfriar a temperatura do planeta, mais fraco neste ano.
Chamado de incêndio Palisades, a maior das queimadas na Califórnia começou perto do bairro de Pacific Palisades, nas montanhas de Santa Mônica, ocupadas por mansões luxuosas de celebridades, na costa oeste dos Estados Unidos, devastando cinco mil edificações.
A tempestade de vento, que deve durar dias e com rajadas que podem chegar a 160 km/h, castiga áreas que não recebem volume significativo de chuva há meses.
Embora a região tenha enfrentado outros incêndios devastadores no passado, como em 2017 e 2018, especialistas afirmam que esses fenômenos têm se tornado mais perigosos e frequentes.
Como o clima favoreceu o incêndio
Para meteorologistas, uma conjunção de três fatores principais têm favorecido a propagação dos incêndios na Califórnia:
- Ventos de Santa Ana, muito intensos e quentes;
- Vegetação seca altamente inflamável do bioma Chaparral;
- Seca prolongada no sul da Califórnia.
Secos e quentes, os ventos de Santa Ana são mais comuns nos meses mais frios. Ocorrem quando o ar de uma região de alta pressão, sobre a área seca e desértica do sudoeste dos EUA, flui em direção à região de baixa pressão na costa da Califórnia, de leste a oeste através das montanhas. Eles retiram umidade da vegetação, propiciando a ignição (início do fogo) de incêndios e fazem com que se espalhem mais rápido.
A Califórnia tem clima mediterrâneo, com verão seco e chuvas concentradas no inverno. Mas o volume é pouco: em Los Angeles, a precipitação média anual fica em torno de 350 mm (a média de precipitação anual na cidade de São Paulo é de cerca de 1,4 mil mm).
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Além disso, a região enfrenta seca prolongada desde outubro. Os incêndios atingem a Califórnia no auge do inverno local. Normalmente, o risco na região é maior no verão, em julho e setembro, mesma época em que o fogo aumenta na maior parte do Brasil.
A área em chamas na Califórnia é de Chaparral, bioma de vegetação arbustiva e esclerófila (com folhas duras, adaptadas ao clima seco), altamente inflamável no verão seco e suscetível a incêndios periódicos.
Apesar de o fogo não ser estranho ao bioma, a ocorrência natural de grandes incêndios florestais costumava ter intervalos de 30 a 150 anos ou mais. Para especialistas, isso está mudando: incêndios mais recorrentes e ameaçando a existência do Chaparral e sua biodiversidade.
Evento composto
Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ), define estes incêndios na Califórnia como um evento composto, que combinou estiagem persistente com ventos quentes e secos, espalhando fogo de modo muito rápido e intenso pela vegetação estressada pela falta d’água.
Ela explica que, com a ocorrência mais frequente, intensa e duradoura de eventos extremos devido às mudanças climáticas, eventos que antes aconteciam de forma isolada tendem a acontecer simultaneamente.
“O que observamos ao redor de todo o planeta, inclusive no Brasil e na Califórnia, é que esses eventos extremos agora começam a acontecer ao mesmo tempo, e isso faz com que seus impactos sejam muito maiores”, diz a meteorologista.
- No Brasil, a sobreposição entre seca prolongada e ondas de calor, somadas às fontes de ignição (algumas vezes de origem criminosa) levaram a uma temporada de fogo recorde em 2024;
- Na Amazônia, a fumaça das queimadas encobriram cidades, como Santarém, no Pará, e prejudicaram o transporte pelos rios secos. Regiões como o Pantanal, o Cerrado e o interior de São Paulo também viram as chamas se alastrarem, o que expôs falhas da gestão Luiz Inácio Lula da Silva na prevenção ao fogo;
- Esse problema pode virar dor de cabeça extra para o governo federal neste ano, em que o Brasil recebe a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém. O risco de queimadas às vésperas do evento pode prejudicar a imagem que o Brasil quer projetar de líder das negociações climáticas.
Ainda que não seja possível dizer que os incêndios na Califórnia apontam para mais fogo no Brasil e em outras partes do mundo em 2025, Renata afirma que eles evidenciam riscos.
“O que se pode dizer é que ano após ano novos recordes de temperatura média global têm sido observados, associados a ocorrências cada vez maiores de eventos extremos como secas e ondas de calor, os principais precursores de grandes épocas de fogo”.
Outro ponto de atenção para o Brasil em relação aos incêndios da Califórnia, segundo ela, é que a proximidade entre zona urbana e rural contribui para a maior frequência de incêndios florestais, por aumentar as fontes de ignição, e, também torna-os mais perigosos para a população, já que invadem áreas edificadas e fazem mais vítimas.
Prevenção
Incêndios florestais evidenciam a necessidade de diversificar e fortalecer a prevenção.
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Rick Anderson atuou durante décadas como gestor de incêndios da Área de Recreação Nacional das Montanhas de Santa Mônica, reserva na região que está em chamas. Hoje é consultor para as Nações Unidas no tema.
“É a mesma história de sempre. Anos de supressão de uso do fogo nos arredores de áreas urbanas criaram acúmulo de material combustível, tornando-as explosivas”, disse ao Estadão.
Anderson se refere a folhas secas, galhos e vegetação morta que, em meio ao tempo quente e à falta de chuvas, propiciam incêndios com a mínima fonte de ignição. Também cita a necessidade de realizar queimas prescritas desse material orgânico, estratégia para prevenir incêndios.
No Brasil, o governo federal sancionou em 2024 uma lei que define diretrizes para o uso do fogo em queimas prescritas e controladas para a prevenção de incêndios florestais.
Para Anderson, a nova política indica que o país está em “bom caminho”. A prática tem sido implementada em unidades de conservação com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), mas ainda precisa ser ampliada, segundo especialistas.
“A gestão do fogo no Brasil ainda é muito baseada no combate, e não na prevenção”, critica Renata Libonati.
Com o prolongamento da época de fogo, que começa cada vez mais cedo e termina mais tarde devido às mudanças climáticas, ela alerta que é preciso mudar a forma como essa gestão tem sido feita no Brasil.
“Isso nos dá um alerta. Se a época de fogo está cada vez mais duradoura, significa que as janelas de oportunidade para trabalhar em prevenção são cada vez menores. Uma política de fogo baseada na prevenção é a única alternativa para conter grandes incêndios no País, no contexto de mudança climática, desmatamento e cobertura de fogo cada vez mais intensa”, acrescenta.