ENVIADA ESPECIAL A BAKU - Na capital do mais importante evento sobre mudanças climáticas do mundo deste ano, a palavra Nobel está em nome de praça, prédio, bairro, hotel e de uma grande mansão transformada em museu. A referência tão evidente em Baku, sede da COP-29, no Azerbaijão, não se refere, contudo, aos mais importantes prêmios mundiais, mas a outra realização (hoje controversa) da mesma família: o pioneirismo na indústria petroleira. A Cúpula do Clima ocorre até a sexta-feira, 22.
Em um contexto em que as grandes reservas de combustíveis são parte intrínseca da história do Azerbaijão, os suecos Robert e Ludvig Nobel foram considerados os maiores “barões do petróleo” enquanto estiveram à frente da Branobel (Petroleum Production Company Nobel Brothers Limited). A companhia desenvolveu inovações que ampliaram o potencial de exploração e transporte do produto (inicialmente feito por carroças, por exemplo), no fim do século 19 e início do 20. Entre as invenções, estão os primeiros oleoduto e navio-petroleiro do mundo (o “Zoroaster”).
Hoje, esse passado é lembrado na Villa Petrolea, a grande mansão da família transformada, nos anos 2000, na Casa Museu dos Irmãos Nobel. Além de Robert e Ludwig, outro sócio da empreitada foi o irmão mais famoso: Alfred Nobel, o inventor da dinamite e idealizador dos prêmios que levam o sobrenome da família até hoje.
Embora Alfred não tenha sido tão diretamente atuante em Baku quanto seus irmãos, essa ligação é abordada pela própria página do Prêmio Nobel como uma das origens da fortuna que garante a continuidade da premiação. O site também exalta as “inovações técnicas e comerciais” da família no desenvolvimento da indústria petroleira no entorno de Baku, então parte do Império Russo (o país se tornou definitivamente independente apenas em 1991).
No museu, o inventor da dinamite é o único a contar com uma grande estátua, enquanto os demais irmãos são representados em pinturas e esculturas de menor porte. O acervo também reúne diversos registros da família e da exploração petroleira.
A Branobel esteve à frente do desenvolvimento petroleiro do Azerbaijão por mais de 40 anos, desde por volta de 1875 até a estatização pela União Soviética, nos anos 1920. Os irmãos teriam começado a desbravar aquele entorno primeiramente atrás de madeira para a produção de rifles, mas a grande concentração de gás e petróleo chamou a atenção de Robert, que contou com as invenções do irmão engenheiro, Ludvig, para o desenvolvimento da empreitada ao longo dos anos.
Os negócios tiveram prosseguimento, depois, pelos filhos dos fundadores. Nesse período, a companhia foi uma das maiores do setor em todo o globo. Por volta de 1901, segundo fontes diversas, o Azerbaijão teria chegado a concentrar cerca de metade da produção mundial, a maior parte ligada à Branobel.
Mais recentemente, décadas após o fechamento da Branobel, a família voltou a atuar nesse setor em Baku, com a Nobel Oil, em 2005. Há três anos, em 2021, foi rebatizada como Nobel Energy.
Um dos integrantes da diretoria é Qustaf Nobel, bisneto de Ludvig Nobel, um dos fundadores da Branobel. “A Nobel Energy adotou o nome histórico da família Nobel e, ciente do que representa, faz o máximo de esforços para seguir a herança, a experiência, os padrões e as crenças dos irmãos Nobel”, descreve a página do grupo.
No mesmo período, foi iniciado o processo de restauro e reconstrução da então arruinada Villa Petrolea, de acordo com informações da Fundação do Patrimônio Nobel de Baku. Hoje, recuperado, o local abriga um museu, um centro de convenções e um clube de negócios (o Baku Nobel Oil Club).
O espaço está, inclusive, entre as atrações turísticas da cidade selecionadas para tours temáticos oficiais da COP-29. O passeio está em um roteiro batizado de “Green City”, em conjunto com iniciativas de energia eólica e transformação do porto local. Entre as críticas à sede da conferência, está de que estaria tentando fazer um “greenwashing”.
Originalmente, no entorno da Villa Petrolea, haviam casas de funcionários, escola, salão e outras construções, como uma grande vizinhança de trabalhadores da indústria. A Fundação do Patrimônio Nobel de Baku descreve o local como se fosse um “oásis” em meio à poluição da antiga “Black City”. Outra das maiores famílias de “barões do petróleo” da época eram os Rothschild.
Hoje, aquela vizinhança passou por diversas alterações. Isso porque é parte de um grande projeto de transformação urbana e criação de dez bairros (um é o Nobel Strip District), batizado de White City (em referência ao território antes conhecido como “Black City”). As novas construções são inspiradas na arquitetura de Paris, mas o museu não teve alterações significativas.
Embora a memória da indústria petroleira seja forte no Azerbaijão, diversos estudos (até do próprio governo) reconhecem os danos ambientais dessa atividade à biodiversidade e à saúde da população. Essa situação se soma às consequências das mudanças climáticas vividas localmente, como secas, ondas de calor e erosão.
‘Berço’ da indústria também tem navio petroleiro transformado em museu
Na estatal petrolífera do Azerbaijão, a Socar, também são exaltados os séculos de uso e exportação de petróleo, antes mesmo da industrialização. Heydar Aliyev, que esteve na presidência por uma década, até 2003 — quando foi sucedido por seu filho, Ilham Aliyev, que segue até hoje no poder —, chamava as vastas reservas de óleo e gás de a “fortuna do povo” do Azerbaijão.
O Ministério de Energia também costuma classificar o país do Cáucaso como a “pátria histórica do petróleo no mundo”. Antes mesmo da indústria petroleira moderna, por lá, já havia exploração (e até exportação), com diversos registros datados da Idade Média, por exemplo, como do uso para a navegação, por exemplo.
Hoje, segundo os indicadores macroeconômicos do governo, o petróleo e o gás representam cerca de 1/3 do PIB do País. Por isso, é convencionado que se trata de um “petroestado”.
O Azerbaijão também é descrito como o “lugar de nascimento” da indústria petroleira pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). “É o berço da indústria, a cidade dos ‘primeiros’: o lugar do primeiro poço de petróleo perfurado, em 1846; a primeira torre de petróleo (de madeira), erguida em 1871; o primeiro refino completo, em 1876; e o primeiro navio petroleiro, o Zoroaster, construído em 1877″, destaca.
Além de mencionar a Villa Petrolea, a Opep também indica o Museu do Navio Surakhani, um petroleiro transformado em museu, aberto em 2021. O navio está localizado no Baku Boulevard, às margens do Mar Cáspio.
Relatório do governo admite impactos ambientais do petróleo no país
Um relatório veiculado neste ano pelo Ministério da Ecologia e dos Recursos Naturais do Azerbaijão em conjunto com o Centro Regional de Meio Ambiente do Cáucaso aponta a uma estimativa de 14 mil hectares de terras contaminadas com óleo e derivados no País. “Nos últimos 150 anos, o Azerbaijão foi um dos principais produtores e refinadores de petróleo no mundo sem adequadas práticas de gestão ambiental”, diz o documento.
“Embora diversas medidas tenham sido tomadas recentemente para a despoluição, particularmente em Baku e na península Absheron, muita poluição é encontrada em várias áreas do país”, acrescenta.
O relatório indica que poluentes tóxicos têm impactado negativamente a saúde da população e, também, aumentado o custo de vida. Estudos têm confirmado, por exemplo, um alto nível de poluição de derivados de petróleo, metais pesados, benzeno e outros químicos nos lagos do País, em grande parte próximos de áreas de exploração petroleira.
“A poluição desses lagos tem muitos efeitos negativos no meio ambiente dessas áreas, como degradação do solo, salinização e emissões de substâncias nocivas na atmosfera (resultantes da evaporação desses poluentes)”, ressalta o relatório.
*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade
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