O quebra-cabeças na bioeconomia

Especialistas discutem como Brasil pode virar uma superpotência da sustentabilidade

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Por Maurício Oliveira

Consolidou-se, ao longo da última década, o entendimento de que é possível manter a floresta em pé e, ao mesmo tempo, viabilizar processos econômicos que geram renda às comunidades locais, tornando-as aliadas na missão de conservar a infraestrutura natural. Essa é a essência da bioeconomia – uma teoria perfeita, mas que, na prática, enfrenta muitas dificuldades para ganhar escala no Brasil.

'Cada atividade e cada região tem gargalos específicos. Não há a possibilidade de soluções únicas, de amplo espectro', diz Salo Coslovsky Foto: Acervo

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“Todas as peças necessárias já estão sobre a mesa. Só falta montar o quebra-cabeça”, diz Salo Coslovsky, integrante do projeto Amazônia 2030, iniciativa de um grupo de pesquisadores para criar um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia brasileira. “Temos florestas, áreas desmatadas que podem ser recuperadas, comunidades com conhecimentos tradicionais, produtos relevantes, empresas que querem investir e interesse internacional por produtos da nossa bioeconomia”, descreve o professor da Universidade de Nova York (NYU), onde leciona disciplinas de planejamento urbano e desenvolvimento econômico.

Coslovsky considera que a diversidade, característica mais importante do patrimônio natural brasileiro, representa também a maior dificuldade quando se pensa no processo de organização da bioeconomia. “Cada atividade e cada região tem gargalos específicos. Não há a possibilidade de soluções únicas, de amplo espectro.” Práticas aparentemente semelhantes numa mesma região, como a pesca de pirarucu e de tambaqui, podem envolver circunstâncias tão específicas que inviabilizam o planejamento e a operação integrada, assim como muitas vezes ocorre, também, com um mesmo produto oriundo de diferentes regiões – o cacau do Pará, da Bahia e do Espírito Santo, por exemplo.


Lívia Pagotto, secretária executiva da iniciativa Uma Concertação para a Amazônia Foto: Dri Galuppo

‘Um dos grandes desafios é reequilibrar essa distribuição da cadeia para que uma parcela maior do valor fique com quem está na ponta, com os guardiões da floresta’, diz Pagotto.

Para Lívia Pagotto, secretária executiva da iniciativa Uma Concertação para a Amazônia – rede de pessoas, instituições e empresas que buscam soluções para a conservação do bioma –, há dois grandes blocos de gargalos para a expansão da bioeconomia na região. O primeiro está relacionado à infraestrutura – transporte, energia, acesso à internet. “Esses problemas limitam as possibilidades de agregar valor localmente, o que faz com que o processamento ocorra em locais muito distantes dos polos produtores de matéria-prima”, ela descreve. “Um dos grandes desafios é reequilibrar essa distribuição da cadeia para que uma parcela maior do valor fique com quem está na ponta, com os guardiões da floresta.”

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Outro tipo de gargalo, observa Pagotto, está na governança sobre a bioeconomia. “Falta um arcabouço legal, um marco regulatório que funcione como referência nacional para coordenar todas as frentes envolvidas, com diretrizes inclusivas, abrangentes e integradoras”, ela avalia. A Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia (2016- 2022) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) foi o primeiro documento oficial do governo brasileiro a abordar oficialmente o tema da bioeconomia. Desde então, a pasta tem feito uma série de estudos técnicos para subsidiar a formulação de políticas públicas, mas o ritmo de evolução desse processo tem sido acanhado.

Diante do cenário, Coslovsky considera que o caminho para que as peças do quebra-cabeça comecem a se encaixar com maior facilidade é reunir as pessoas e as instituições em torno dos problemas em comum. Esses pontos de convergência não necessariamente são definidos pela atividade ou pela região. “Conseguir que um produto seja aceito por autoridades da União Europeia é um processo complexo, normalmente realizado de forma independente pelos interessados naquele produto”, exemplifica o professor. “Se o conhecimento sobre esse processo fosse compartilhado, poderia facilitar muito o caminho de quem vem depois.”

Ele ressalta que o trabalho de organização depende, basicamente, da mobilização dos próprios interessados, sem esperar diretrizes governamentais ou financiamentos externos. Um bom exemplo, para Coslovsky, vem do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), criado na década de 1970 para combater a ameaça representada pelo cancro cítrico, uma praga que ameaçava a produção de laranjas no interior paulista e precisava de pesquisas para ser combatida. Hoje, voltado ao enfrentamento de vários outros problemas do setor, o Fundecitrus tem um orçamento anual de R$ 30 milhões, originado da dedução de apenas 16 centavos por caixa de laranja, o que representa menos de meio por cento do valor do produto.

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