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Onde a extração ilegal de madeira cresce na Amazônia?

Área de retirada sem aval dos órgãos responsáveis aumentou 19% em um ano, o equivalente a 350 campos de futebol por dia; procurado, o Ministério do Meio Ambiente não falou

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

A área com extração ilegal de madeira na Amazônia cresceu 19% em um ano, passando de 106 mil hectares entre agosto de 2021 e julho de 2022 para 126 mil hectares entre agosto de 2022 e julho do ano passado. O total equivale à retirada de madeira em 350 campos de futebol por dia sem autorização dos órgãos ambientais. De toda a madeira ilegal, 16% foram retirados em territórios indígenas, áreas sob proteção federal.

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A reportagem entrou em contato com os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Originários e aguarda retorno.

Os dados, apresentados nesta quarta-feira, 9, em Brasília, no 8.º Fórum de Soluções em Legalidade Florestal – O Futuro das Florestas na Amazônia, foram compilados pelo Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), a cargo de uma rede de organizações de pesquisa ambiental. As áreas de exploração madeireira foram identificadas e mapeadas por meio de imagens de satélite e contrapostas às autorizações de exploração emitidas pelos órgãos ambientais.

Polícia Rodoviária Federal apreendeu carreta com toras de madeira ilegal no Mato Grosso. Foto: PRF/Divulgação

O Simex é o principal indicador da atividade madeireira legal e ilegal na região amazônica. Os índices reúnem informações de sete Estados (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima). No total, a área de florestas nativas explorada para fins madeireiros foi de 366 mil hectares - 65% de forma legalizada. Mato Grosso liderou em extensão de área florestal dedicada à exploração madeireira.

Este ano, só na Amazônia, a Polícia Federal realizou 41 operações antidesmate, extração ilegal de madeira e outros crimes ambientais. Muitas dessas ações foram em conjunto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e com forças de segurança estaduais.

O governo do Mato Grosso informou que, só no primeiro semestre deste ano, foram deflagradas pela Delegacia Especializada de Meio Ambiente da Polícia Civil mais de 30 operações para proteção da flora e da fauna em 900 mil km2 de território mato-grossense. Foram abertas mais de 270 investigações, sendo instaurados 125 inquéritos. Em agosto, a Operação Madeira de Pedra apreendeu dez cargas de madeira retirada de unidade de preservação e prendeu seis pessoas no município de Comodoro, noroeste do Estado.

O governo do Pará informou que, de janeiro a julho, mais de 5 mil hectares foram embargados por atividade madeireira ilegal, a maioria no âmbito das operações “Curupira” e “Madeira Viva”, das polícias Civil, Militar e Cienfíca. Outras ações foram realizadas em apoio ao Ibama e Polícia Rodoviária Federal, como a que apreendeu dois caminhões que levavam 100 m3 de madeira ilegal, na BR-230, no Maranhão, no último dia 7. A carga saiu do Pará e informações trocadas com a PM paraense permitiram à PRF interceptar a madeira ilegal.

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Agentes do Ibama e da Marinha inspecionam madeira suspeita no Rio Amazonas. Foto: Ibama/Divulgação

No Amazonas, as forças estaduais trabalham de forma autônoma ou em cooperação com o Ibama e a PF para coibir a extração ilegal de madeira e outros crimes ambientais. No dia 7 de agosto, cinco homens foram presos em Manicoré (a 332 km de Manaus), em ação da Polícia Civil contra madeireiros clandestinos. Também foram realizadas operações com a Marinha do Brasil e Fundação Nacional do Índio (Funai) para fiscalizar e coibir o transporte ilegal de madeira em terras indígenas.

O governo de Rondônia informou que a Polícia Militar realiza operações conjuntas com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para combater crimes ambientais como o desmatamento e extração ilegal de madeira. Algumas ações, com foco em terras indígenas, tiveram participação do Ibama, da PRF e do Exército brasileiro.

Infrator com endereço

A maior parte da extração ilegal (71%) aconteceu em imóveis rurais privados. Os principais autores dessa prática criminosa estão identificados em cadastros públicos e são passíveis de responsabilização. ”O problema tem endereço bem conhecido e precisa ser combatido com eficácia”, aponta o coordenador de Inteligência Territorial do ICV, Vinícius Silgueiro.

Ele lembra ainda que a ilegalidade não apenas cresceu, como se disseminou. “No ciclo anterior, Mato Grosso concentrava nove de dez municípios e áreas protegidas nos respectivos rankings de devastação ilegal. Esses postos agora estão ocupados também por regiões do Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, o que mostra quão crônica é a atividade ilegal madeireira na Amazônia.”

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O segundo território mais afetado pela extração criminosa, com 16%, foram as Terras Indígenas, categoria mais atingida entre as áreas protegidas. As TIs Kaxarari e Tenharim Marmelos lideram o ranking e ambas se situam em zona de influência da BR 319, a Rodovia Manaus-Porto Velho.

Silgueiro pontua que as TIs são áreas de proteção integral, apenas para utilização indireta dos recursos naturais, com o objetivo de preservar os modos de vida dos povos tradicionais e a biodiversidade. No entanto, viram alvo fácil do crime, que invade esses territórios, promove degradação e ameaça os indígenas.

André Vianna, diretor-técnico do Idesam, destaca que a exploração predatória afeta a oferta legal de madeira. “Há uma exposição a situações de risco para os trabalhadores que participam da atividade ilegal aliada a um impacto extremamente negativo para o mercado. O produto ilegal compete com a madeira licenciada, prejudicando todo o setor, tanto pelo achatamento do preço quanto em termos de reputação, o que dificulta o acesso a mercados que valorizam o produto legal e pagam por ele”, disse.

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Polícia Federal inutiliza caminhão e equipamentos usados para retirar madeira de terra indígena em RO. Foto: PF/Divulgação

No mesmo período em que aumento a extração ilegal de madeira, houve uma queda de 17% na exploração autorizada, que passou de 288 mil hectares para 239 mil.

Para Leonardo Sobral, diretor florestal do Imaflora, aumentar o manejo florestal responsável é o caminho para combater as ilegalidades e gerar benefícios para o planeta. “Com o acirramento das mudanças climáticas, o manejo florestal é fundamental para reduzir emissões e conservar a floresta em pé, enquanto gera renda e desenvolvimento social. A extração ilegal leva à degradação, aumentando os riscos de incêndios, perda da biodiversidade e conflitos fundiários.”

Pesquisador do Imazon, Dalton Cardoso defende que os governos criem mecanismos para incentivar a atividade legalizada e fiscalizá-la de forma efetiva. “O aumento da ilegalidade gera danos ambientais, ameaça povos e comunidades tradicionais e enfraquece o setor madeireiro, além de prejudicar a imagem do país no mercado internacional”, afirma.

Um mapeamento da plataforma Timberflow, mantida pelo Imaflora, apontou que, entre janeiro e dezembro de 2023, a extração de produtos madeireiros na região amazônica atingiu o mais baixo patamar desde 2010, passando de uma média entre 10 e 12 milhões de m³ de madeira em tora para 5,8 milhões de m³. Os dados se baseiam em documentos de emissão obrigatória que registram o transporte desses produtos.

Entre as hipóteses para explicar a queda está o crescimento dos estoques internos, que respondem por 92% do consumo. Outro fator, segundo o Imaflora, é a imagem da madeira nativa, já que poucos consumidores entendem a origem da madeira legal e temem se envolver com o consumo de madeira extraída clandestinamente.

Para Sobral, falta também uma estratégia para o setor envolvendo atores públicos e privados. “É preciso conectar as iniciativas públicas, como o impulso às concessões, a estratégia de valorização da atividade e de fomento do mercado, ou o futuro da atividade estará fortemente comprometido”, disse.

Ipê e cumaru em extinção

A retração no consumo, presente também no mercado externo, tem como agravante a concentração de 50% da demanda em oito das mil espécies madeireiras que a Amazônia oferece. As campeãs desse ranking são ipê, tawari e maçaranduba – as árvores ipê e cumaru foram incluídas na convenção do comércio internacional como espécies da flora selvagem em perigo de extinção.

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Elas podem ser exploradas em planos de manejo, mas os produtores temem uma reação do mercado semelhante ao do mogno brasileiro, que perdeu consumo após ser incluído na lista. O cumaru (Amburana cearensis) é uma madeira resistente e procurada para pisos e decks, mas a árvore não brota depois de cortada.

Conforme o diretor de Concessões Florestais e Monitoramento do Serviço Florestal Brasileiro, Renato Rosenberg, o país tem como meta expandir as concessões florestais de 1,3 milhão para cerca de 5 milhões de hectares nos próximos anos. A concessão permite o manejo da floresta por empresas e cooperativas e a extração legal de madeira para abastecer o mercado.

As organizações que abasteceram de dados o Simex são o Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

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