Pandemia muda hábitos de consumo e descarte do lixo

Prática do ambientalismo ganha fôlego novo e adeptos passam a reciclar mais os resíduos

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Foto do author Gonçalo Junior
Atualização:

Na quarentena, estamos repensando a vida. Refletimos sobre trabalho, relacionamentos e o consumo. Para muitas pessoas, essa reflexão está motivando hábitos mais positivos (ou menos negativos) nas outras pessoas, na economia e no planeta. A retomada verde não é um movimento apenas macroeconômico, mas também particular e individual, da soleira da porta de casa para dentro. 

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Crises têm esse poder de mudança. Foi assim, por exemplo, na crise hídrica de São Paulo entre 2014 e 2016, que levou a uma mudança de comportamentos no consumo de água. Alguns viraram hábitos praticados até hoje. Chacoalhão. Esse foi o termo utilizado pela psicóloga e empreendedora Flavia Cunha, idealizadora do movimento Casa Causa e Lixo Zero, para resumir o efeito que ela espera dessa quarentena sobre as pessoas.

Nesse contexto, o Estadão lançou a pergunta “O que você tem feito para ajudar o planeta?” em forma de desafio para os leitores no Tik Tok e Instagram. No #DesafioVerde, os seguidores do Estadão podem mandar vídeos com a hashtag da campanha mostrando boas ações pelo meio ambiente. Também é possível usar o áudio oficial da campanha e responder as 10 etapas do desafio marcando nos dedos aquilo que você já faz, como apagar as luzes dos cômodos vazios, preferir o transporte público ou bicicleta para me locomover, entre outros hábitos.

Todo mundo parou para olhar como vive e como produz lixo nesses cinco meses. Isso pode gerar uma mudança positiva

Flavia Cunha, Idealizadora do movimento Casa Causa e Lixo Zero

Esse chacoalhão é necessário. Passados dez anos da promulgação da lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em agosto de 2010, o Brasil avançou pouco nas ações previstas, principalmente quanto à geração de lixo. Em uma década, a produção de resíduos sólidos urbanos cresceu 11%, de 71,2 milhões de toneladas por ano em 2010 para 79 milhões de toneladas agora. Cada cidadão gera 380 quilos de lixo por ano, esse número também aumentou.  Os dados são da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), responsável pelo estudo Panorama dos Resíduos Sólidos, produzido há 15 anos.

Essa mudança é para ontem. Dados da ONU estimam que nosso modo linear de compra, consumo e descarte levará o mundo a um colapso até 2050. No Brasil, 6,3 milhões de toneladas de lixo continuam abandonadas no meio ambiente a cada ano. O foco não é apenas reciclagem dos resíduos. É mudar o nosso modo de consumir, reduzindo, reutilizando e reciclando.

A estudante de Eventos Maria Heloiza Saraiva, de 21 anos, traz essa discussão para nossa vida real. Em alguns meses, ela começou a reciclar os resíduos de sua casa e influenciou diretamente outras seis pessoas a reduzir a produção de lixo. O segredo são pequenas mudanças de hábito, que vão desde produzir a própria maionese em casa até trocar o absorvente descartável por um coletor menstrual. “Tento levar esse assunto para outros lugares, porque a gente aprende que o plástico é prejudicial ao meio ambiente, mas a gente não aprende a maneira de substituir. Não temos ideia de como gerar menos lixo.”

Maria Heloíza Saraiva, estudante de Eventos,começou a reciclar os resíduos de sua casa e influenciou diretamente outras seis pessoas a reduzir a produção de lixo. Foto: Felipe Rau/ Estadão

Tudo começou em janeiro, com a descoberta de um ponto de coleta do projeto Ecoenel a 10 minutos de distância a pé. “Achei que seria difícil reciclar porque moro com outras três pessoas,  mas todo mundo já estava engajado depois de dois meses. Comecei a comprar frutas e verduras em sacolão porque vinham sem isopor nem plástico. Fui optando por fazer maionese em casa ou dou preferência para produtos em pote de vidro.”

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Com a pandemia do novo coronavírus, as atividades da Ecoenel foram suspensas. Para não parar seu projeto, ela conta com a colaboração do namorado, que busca os materiais para o recolhimento da Prefeitura. 

Quem já pratica o ambientalismo ganhou um fôlego novo. A engenheira civil Luana Garcia comprou uma composteira de madeira – normalmente elas são feitas de plástico – que vai ficar na sala de estar. O lugar mais comum é um cantinho da casa. Agora, o modelo em madeira com torneira de inox fica ao lado da TV, decorando o ambiente que já tem um rack feito com pallet e uma mesa de centro também de material reciclado. “A composteira não precisa ficar apenas no jardim, na varanda ou lavandeira. Ela vai também se encaixa em apartamentos pequenos. Ela pode ser um móvel na sala”, diz a empresária.

A engenheira Luana Garcia transformou acomposteira em móvel de decoração da sala de estar. Foto: Daniel Teixeira / Estadão

Composteira é uma caixa para reciclagem dos resíduos orgânicos. Ali, minhocas e microorganismos transformam restos de alimentos em adubo. Ela resolve o destino de uma parte expressiva do lixo que geramos. Apesar de ser um passo um pouquinho mais avançado, ele é simples, que não gera bichinhos (quando bem cuidada), precisa de um investimento só e dura bastante. As composteiras custam por volta de R$ 400

O professor Erick Schulz foi ainda mais longe. Literalmente. Ele se mudou para uma ecovila localizada em Piracaia, distante 92 km de São Paulo. A ideia é viver em comunidade, valorizando o comércio local e intensificando o que já fazia. “A pandemia acelerou nosso processo de vinda para cá. Tudo está mais próximo e é mais saudável. Sustentabilidade também é buscar o equilíbrio mental. O equilíbrio exterior começa com o interior, de dentro para fora também”, diz o especialista em medicina hindu.

O professor Erick Schulz aproveitou a pandemia para se mudar para uma ecovila, distante 92 km de capital paulista. Foto: Arquivo pessoal

Envolvimento dos catadores

Além de contribuir com a redução de resíduos, a mobilização em torno da reciclagem tem um efeito prático na sociedade: a possibilidade de emprego e renda para cerca de 2,1 mil catadores que atuam hoje em toda cidade de São Paulo, de acordo com a prefeitura.

Maria Aparecida Rodrigues preparou cartilhas de conscientização e facilita a separação dos materiais, passando de casa em casa com seu carrinho de metal. Foto: Werther Santana

Uma delas é a pensionista Ana Lucia Martins, de 69 anos. Hoje, a viúva mora em uma casa própria no Jardim Carolina, zona leste da capital paulista. Nos últimos 15 anos, ela coleta materiais recicláveis. “Eu ganhei uma camiseta com a frase 'eu tenho orgulho de ser catadora'. É isso o que eu sinto. Tudo o que eu consegui foi recolhendo materiais”, diz Ana Lucia.

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Antes da pandemia, ela costumava arrecadar R$ 900 por mês recolhendo todo o tipo de material pelas ruas. Embora a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) estime que as medidas de quarentena e isolamento social tenham gerado aumento de 15% a 25% na quantidade lixo residencial, os catadores praticamente não têm para onde vender o que recolhem.

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As cooperativas de reciclagem e as unidades de triagem estão fechadas pela pandemia. Com isso, Ana Lúcia passou a vender para uma empresa de reciclagem no Parque Jaraguá, também na zona leste. A renda caiu pela metade, mas ela acredita que as coisas vão melhorar. “Essa situação vai passar e tenho fé que as pessoas vão pensar mais nos outros."

No outro lado da cidade, a aposentada Maria Aparecida Rodrigues, de 66 anos, também está otimista. Ela mobilizou 82 casas no Grajaú, zona sul, em torno da reciclagem. Ela própria preparou cartilhas de conscientização e facilita a separação dos materiais, passando de casa em casa com seu carrinho de metal. “Eu gosto de contribuir com o meio ambiente. É um trabalho de formiguinha, mas faço minha parte”, diz.

Além de contribuir com a redução de resíduos, a mobilização em torno da reciclagem tem um efeito prático na sociedade: a possibilidade de emprego. Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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