Pantanal, assim como Amazônia, vê explosão de queimadas e aumenta pressão sobre governo Lula

Incêndios e seca na floresta afetam bioma do Centro-Oeste; especialistas apontam El Niño e falha no planejamento do governo. Ministério diz já ter enviado mais brigadistas e promete reforço de aeronaves

PUBLICIDADE

Foto do author Paula Ferreira
Por Paula Ferreira e Rogério Júnior
Atualização:

Com as atenções voltadas para as queimadas na Amazônia, as chamas se alastram por outro bioma: o Pantanal. O número de focos de incêndio ativos no bioma do Centro-Oeste este mês já é cinco vezes maior do que o registrado em todo o novembro do ano passado. O fogo avança pela região, ainda não totalmente recuperada da onda recorde de queimadas de 2020, e ameaça unidades de conservação e refúgios de onças-pintadas.

22/10/2023 - Incêndio no Pantanal em área próxima a refúgio das onças. Foto: CBM-MT/DIVULGAÇÃO

PUBLICIDADE

A resposta da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à crise das queimadas na Amazônia tem sido alvo de críticas. O próprio governo federal admitiu que a estrutura de combate ao fogo é insuficiente, mas não apresentou nesta semana novos incrementos na força-tarefa para a floresta. Para o Pantanal, o Ministério do Meio Ambiente diz ter enviado mais brigadistas e promete reforço de aeronaves.

O agravamento da seca no 2º semestre por causa do El Niño já era projetado pela comunidade científica internacional. O governo, porém, não conseguiu estruturar um planejamento à altura do problema ao longo do ano.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, mostram que já foram registrados em novembro deste ano 1.244 focos, ante 201 no mesmo mês do ano passado. O fogo começou a se espalhar em outubro, quando foram identificados 1157 focos no bioma (ante 48 no mesmo período de 2022).

Os níveis ainda não estão próximos de 2020, quando havia 2.856 focos na região em outubro, mas acendem um alerta. Segundo estudiosos, o regime de chuvas na região é afetado pela combinação de El Niño e estiagem na Amazônia, fazendo com que a seca se prolongue e torne o bioma mais suscetível a incêndios. A prevenção falha e a estrutura frágil de combate a incêndios - que se divide entre floresta e Pantanal - deixam o bioma ainda mais vulnerável.

‘Pantanal segue em segundo plano’

“O fogo cresce de maneira assustadora. Tivemos fatores, como tempestade de raios, que agravaram o cenário, mas a verdade é que temos uma estrutura de combate a incêndios aquém do necessário. O combate a pé, a despeito da força e da coragem dos brigadistas, é humanamente impossível”, reclama Angelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro. “O Pantanal segue como segundo plano, lamentavelmente. Temos de ter uma agenda de equilíbrio dos biomas. Um não pode ser salvo em detrimento do outro”, critica.

O fogo já devastou área equivalente a quatro vezes o tamanho da cidade São Paulo, conforme o SOS Pantanal. A combinação de tempo seco, ventos fortes e poeira criaram ambiente propício para a queda de raios, o que desencadeia incêndios, segundo presidente do Conselho Nacional de Reserva Biosfera do Pantanal, Carolina Joana da Silva.

Publicidade

“Esse plano do governo não foi suficiente para a realidade de fato. Os tempos mudaram e estamos em um ciclo de mudança climática. O governo não fez nenhuma adaptação de políticas públicas para a prevenção”, afirma ela.

“O governo precisa de pontos de apoio nas áreas mais críticas. Passamos por um pandemônio em 2020 e ninguém aprendeu com os próprios erros. Não tem plano de manejo integrado para controlar o fogo durante o ano, com produção de aceiros e pontos de apoio. Não adianta restaurar se não tiver um plano de prevenção. Mais uma vez o poder público não se preparou”, aponta Carolina. Os aceiros são faixas de limpeza da vegetação, uma espécie de trincheira rasa, que delimita o poder de alcance do fogo

Bombeiros, brigadistas e militares combatem incêndios nas margens da Transpantaneira e em fazenda próxima ao Parque Estadual Encontro das Águas.  Foto: Christiano Antonucci / Secom MT

Análise feita pelo Instituto Centro de Vida (ICV), organização do terceiro setor que atua no Pantanal, a partir de dados do Inpe e da Nasa, agência espacial americana, mostra que o fogo tem atingido unidades de conservação importantes. Cerca de 68% da Reserva Particular do Patrimônio Natural Estância Dorochê, uma área de 18.254,2 hectares, já foi consumida. Segundo o governo federal, os incêndios no local foram causados por raios, que atingiram três pontos.

Outras unidades de conservação maiores também estão entre as afetadas. No Parque Estadual Encontro das Águas, 24.029,5 hectares já foram destruídos - 22% da área total. O local é um dos principais refúgios de onças-pintadas do mundo.

“Tem dois focos ativos no Encontro das Águas e outro no Parque Nacional que vão se encontrar, e a Rodovia Transpantaneira está bem no meio. Não vai ter área de escape aos bichos”, afirma o diretor do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa.

Ao Estadão, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que as ações de combate no local são coordenadas por equipes do Corpo de Bombeiros do Estado do Mato Grosso. “A região é de difícil acesso, e grande parte dos combates depende de aeronaves”, diz o ministério.

Governo diz aumentar nº de brigadistas e pedir helicóptero à PRF

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, uma operação de combate a incêndios começou em 29 de outubro no Parque Nacional Pantanal Matogrossense. Após um reforço esta semana, diz a pasta, 53 brigadistas atuam para conter as chamas na região e aeronaves serão deslocadas. O Ibama diz que uma aeronave do instituto já opera no Pantanal e que, neste sábado, outro helicóptero do ICMBio reforçará a operação. O órgão ainda diz negociar um helicóptero com a Polícia Rodoviária Federal.

Publicidade

“Quando perde a floresta, perde o pacote completo, perde sementes e plantas. De maneira geral, estamos em um déficit de natureza e as onças estão indo juntas”, afirma o guia de turismo Aílton Lara, que ainda sofre om o trauma de 2020. “A perda é grande.”

Na Parna do Pantanal Matogrossense cerca de 16% do território já queimaram. O ministério afirma que o Ibama e o ICMBio estão atuando em conjunto com o Corpo de Bombeiros do Mato Grosso para definir estratégias de combate e impedir o avanço de uma frente de fogo no entorno da Transpantaneira.

“É fundamental ter ação de prevenção a partir dos aceiros, isso vai ser cada vez mais importante”, afirma Ana Paula Valdiones, coordenadora do Programa de Transparência Ambiental do ICV.

Além dessa medida, o biólogo Fernando Tortato, coordenador de Projetos da organização Panthera, sugere o mapeamento das áreas mais suscetíveis a incêndios para atuar de forma rápida. Outro ponto importante, segundo ele, é aumentar a fiscalização para coibir uso irregular do fogo. Ele defende ações com os fazendeiros locais para limpeza das áreas, facilitando a logística de acesso ao pontos de incêndio.

“No atual cenário, onde a maior parte dos incêndios são provocados por por raios, é preciso ter uma equipe preparada, com equipamento, e em número suficiente, para agir de imediato. O fogo de raio vai começar exatamente num pontinho onde o raio cai. Se isso é detectado em menos de 24 horas, a chance de controlar esse incêndio é muito grande. É uma ação preventiva de facilitar a logística e orientar a população do entorno dos parques e reservas em relação à questão do fogo”, afirma Tortato.

O pesquisador explica que a contenção do fogo no Pantanal envolve dinâmica complexa, devido às características do bioma. Como é uma área alagada, o solo do local tem grande acúmulo de biomassa, fazendo com que, além da superfície, o fogo atinja esse material, causando o fogo subterrâneo, de difícil combate.

“O trabalho que o governo vem fazendo a nível estadual e federal é, de certa maneira insuficiente, para essa nova realidade, que é a reincidência de incêndios no pantanal. A prevenção é a palavra mais importante, porque o incêndio florestal, quando atinge uma área protegida no Pantanal, por uma questão logística, de acesso, de dificuldade de combater incêndio, é muito limitante. Por mais que bote efetivo grande, helicópteros, aviões, quando o fogo ganha escala muito grande no Pantanal, é complexo”, diz.

Publicidade

Em nota, o governo de Mato Grosso afirmou ter investido R$ 105,6 milhões no Corpo de Bombeiros Militar desde 2019, para reforçar o combate a incêndios florestais. Para a região do Pantanal, diz o Estado, foram entregues unidades em Poconé e Santo Antônio do Leverger, em 2021.

“É importante ressaltar que a Sema-MT e o Corpo de Bombeiros já desenvolvem atividades relacionadas aos incêndios florestais durante todo o ano, que são estabelecer as ações de prevenção, preparação, resposta e responsabilização dos infratores pelos incêndios criminosos”, continuou.

Já o governo de Mato Grosso do Sul disse atuar “de forma intensa para garantir rápida resposta e mitigar possíveis danos causados pelas queimadas florestais”. Desde o dia 17 de julho, diz a nota, o Corpo de Bombeiros Militar do Estado está em alerta para atuar em caso de incêndios florestais no Pantanal, no Cerrado e na Mata Atlântica.

Ainda segundo o governo, é feito uso de tecnologia - como drones, satélites e inteligência artificial - e estão á disposição quatro aeronaves para ajudar no combate em áreas de acesso difícil.

Crise na Amazônia agrava situação no Pantanal

O período de estiagem no Pantanal é agravado pela situação que ocorre na Amazônia. Segundo o pesquisador, para que a planície pantaneira seja alagada, o bioma depende de chuvas que ocorrem no Cerrado e que são fruto do regime de chuvas da Amazônia. Assim, a seca e os incêndios que agridem a Floresta Amazônica geram um efeito dominó em outros biomas.

“Todo o regime hídrico do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil é influenciado pela Amazônia. Ela tem papel muito relevante para manter esse ciclo de chuvas. Não há chuva suficiente dentro da planície do Pantanal para alagar o Pantanal. Há uma dependência forte com a Amazônia pela questão do regime de chuvas. Se a Amazônia está seca, o Pantanal também vai ser prejudicado”, reforça Tortato.

A situação de catástrofe ambiental na Amazônia se arrasta há cerca de dois meses. O aumento no número de queimadas na floresta agrava a falta de chuvas na região, fazendo com que cidades fiquem encobertas por fumaça, interrompendo a navegabilidade dos rios e causando desabastecimento.

Publicidade

A gravidade da situação fez com que o Ministério Público Federal (MPF) cobrasse os órgãos ambientais federais a explicarem o que está sendo feito para conter a crise na Amazônia. Até agora, o governo federal repassou quase R$ 700 milhões para ações de emergência. Segundo o Ibama, há 1356 agentes estão na região da Amazônia Legal.

Publicidade