BRASÍLIA - O Palácio do Planalto informou na noite desta segunda-feira, 26, que rejeitará a ajuda de US$ 20 milhões, equivalente a R$ 83 milhões, prometida nesta segunda pelo G-7, o grupo de países mais ricos do mundo, para auxiliar no combate a incêndios na Amazônia. A decisão foi tomada após o presidente da França, Emmanuel Macron, dizer que não descarta a possibilidade de conferir um status internacional à floresta, caso líderes da região tomem decisões prejudiciais ao planeta.
Interlocutores do presidente Jair Bolsonaro afirmam que qualquer anúncio de apoio feito sem diálogo direto com o Brasil será rejeitado. “Acreditamos que o assunto deve ser encapsulado como uma questão sul-americana, dos países amazônicos, e não como um tema global”, disse um aliado do presidente. A intenção do Planalto é recusar a ajuda capitaneada por Macron, restringindo a cooperação a países da região amazônica e aliados do presidente, como Israel e Estados Unidos.
Segundo pessoas próximas, o presidente não conversou com o presidente francês, Emmanuel Macron. Caso ele queira ajudar o Brasil, afirmam que terá de pedir para falar com Bolsonaro. Mais cedo, o titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a dizer que a verba seria “excelente” e “bem-vinda”. Mas cobrou autonomia do País na utilização do dinheiro.
“Quem vai decidir como usar recursos para o Brasil é o povo brasileiro e o governo brasileiro”, disse, em um evento em São Paulo. O ministro ainda cobrou de países desenvolvidos um crédito de US$ 2,5 bilhões (o equivalente a R$ 10 bilhões) que o País teria, segundo ele, de acordo com os termos do Protocolo de Kyoto. “Desde 2005, o Brasil tem cerca de 200 milhões de toneladas de gás carbônico em MDL, mecanismo de desenvolvimento limpo, para receber. Pedimos para que os países desenvolvidos, incluindo o G-7, nos ajudem a quitar a fatura.”
O anúncio de recursos para a Amazônia foi feito pela manhã, na França, por Macron e pelo presidente do Chile, Sebastián Piñera – que apesar de não integrar a cúpula agiu na condição de observador. A verba seria usada principalmente para o envio de aviões para apagar o fogo na região. Além disso, o G-7 estaria elaborando um plano de ajuda a médio prazo destinado ao reflorestamento, que seria apresentado na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas no fim do mês que vem. Hoje, no âmbito do Acordo de Paris, o Brasil se propõe a reduzir as emissões de gás carbônico em 37% em relação a 2005, e prevê restaurar 12 milhões de hectares de florestas e alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira até 2030.
Soberania
A decisão do presidente francês, de trabalhar o assunto no G-7 mesmo contra a vontade do governo brasileiro, motivou desde o princípio dúvidas se não haveria um enfrentamento à soberania brasileira. “Este não é o quadro da iniciativa que estamos tomando, mas é uma questão real que se impõe, se um Estado soberano tomar medidas concretas que obviamente se opõem ao interesse de todo o planeta”, disse Macron. “As conversas entre (Sebastián) Piñera (presidente do Chile) e Bolsonaro não vão nessa direção, acho que ele está ciente desse assunto”. “Em qualquer caso, quero viver com essa esperança.”
Há dúvidas sobre qual seria o grau de interferência sugerido. Em francês, a palavra “statut” é utilizada tanto para definir status como estatuto (no caso uma regulamentação). A questão também não é nova: em 1983, a premiê britânica Margaret Thatcher sugeriu que “os países subdesenvolvidos que não pudessem pagar suas dívidas vendessem seus territórios”. Já o ex-presidente Francês François Miterrand sugeriu que o Brasil admitisse “soberania relativa” sobre a área. Em 2000, o americano Al Gore, famoso pela ação ambientalista, chegou a dizer que a Amazônia “pertence a todos”.
Macron se limitou a dizer agora que essa intervenção internacional “é um caminho que permanece aberto e continuará a florescer nos próximos meses e anos”. “A questão é tal no plano climático que não podemos dizer ‘este é um problema só meu’. É o mesmo para aqueles que têm espaços glaciais em seu território ou que afetam o mundo inteiro.”
Ele garantiu, no entanto, que construiu a iniciativa que será proposta às Nações Unidas “para respeitar a soberania de cada país”. A fala do francês veio após o presidente Bolsonaro acusá-lo de ter uma “mentalidade colonialista” por exigir ação internacional a respeito da região. À noite, o porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, rebateu as declarações. “Sobre a Amazônia falam brasileiros e as Forças Armadas.”
Nos bastidores, o governo brasileiro se mantém em oposição ao francês e tenta impedir que Macron ganhe algum lucro político com o episódio. A avaliação é de que Macron fracassou na reunião de países do G-7 ao tentar responsabilizar Bolsonaro pelas queimadas na região amazônica e discutir o tema sem a presença dos principais atores envolvidos. Um dos sinais disso é a declaração final do encontro, que não incluiu a Amazônia, mostrando que não houve consenso sobre o tema entre os líderes de Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha, Japão, Itália e Canadá.
No Twitter, o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, disse que “o bom senso e o respeito à soberania brasileira prevaleceram”. Mais cedo, Bolsonaro voltou a questionar o interesse de alguns países por trás do apoio ao Brasil. “Será que alguém ajuda alguém, a não ser uma pessoa pobre, sem retorno? O que ele está de olho na Amazônia?”, indagou Bolsonaro em conversa com jornalistas, no Palácio da Alvorada.
Nesta quarta-feira, 28, o presidente prometeu fazer uma gravação online da reunião que terá com governadores da região amazônica para contar “a verdade sobre o que os outros querem com essa rica região”. Ele fez o anúncio ao compartilhar a notícia de que Macron afirmou que espera que os brasileiros “tenham logo um presidente à altura do cargo”. Um interlocutor de Bolsonaro diz que ele tentará mostrar amanhã que o presidente francês está “descolado da realidade” e “não faz ideia do que é a Amazônia”.
Outras doações
O governo brasileiro não se pronunciou sobre outras promessas de verbas. Houve anúncios pontuais de envio de recursos para o combate às queimadas. O presidente do grupo francês LVMH, Davide Marcovitch, afirmou que o conglomerado doará cerca de R$ 50 milhões para isso. Trata-se de praticamente o mesmo valor prometido pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. Há ainda iniciativas particulares, como a da fundação do ator Leonardo DiCaprio, que prometeu um aporte de cerca de R$ 21 milhões, e da Apple, que ainda não divulgou valores.
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