O partido político Podemos ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão de norma que impede o acesso de religiosos à Terra Indígena Yanomami, na Amazônia. O veto foi estabelecido, em fevereiro, em portaria conjunta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de liminar, foi distribuída ao ministro Dias Toffoli.
De acordo com a portaria, o proselitismo religioso (a tentativa de conquistar fiéis) “é terminantemente proibido o exercício de quaisquer atividades religiosas junto aos povos indígenas, bem como o uso de roupas com imagens ou expressões religiosas.” O texto também recomenda aos não indígenas “evitar o uso de roupas, objetos ou mídias de conotação pornográfica, racista ou religiosa.”
Segundo o partido, a portaria desrespeita direitos constitucionais relacionados às liberdades religiosa e de manifestação, além de ferir a laicidade estatal. Na ação, o Podemos cita entendimento confirmado em ação anterior, no STF, que trata de rádios comunitárias, a liberdade de expressão religiosa e o direito de tentar convencer pessoas, por meio do ensinamento, a mudar de religião.
A presença de não indígenas no local se transformou em um problema. O garimpo é uma das consequências históricas na região, mas recentemente foi um dos principais fatores que levaram a uma crise humanitária sem precedentes no Território Indígena Yanomami.
Nos últimos quatro anos, cerca de 570 crianças morreram vítimas de doenças levadas por esses mineradores ilegais, segundo o governo federal. Outro efeito colateral é a destruição do bioma, com a poluição dos rios por mercúrio e a fuga de animais que servem como caça. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, chamou a crise indígena de de “farsa da esquerda”.
No início do ano, o Ministério da Saúde declarou emergência em saúde pública de importância nacional diante da necessidade de combate à desassistência sanitária dos povos que vivem no território. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, foram à Roraima acompanhar a situação,
A ação do governo federal resultou na retirada dos garimpeiros e, no início de maio, esse processo levou ao aumento da tensão e da violência na região. Em apenas uma semana, houve 13 mortos em emboscadas e embates com a Polícia Federal.
PCC é ‘síndico’ do garimpo ilegal
O Primeiro Comando da Capital (PCC) atua no Território Indígena Yanomami ao menos desde 2019. A ação dos criminosos alterou radicalmente a vida no local, com os garimpeiros passando a andar armados com fuzis e não mais armas de caça e alterando até a forma como se vestem - eles passaram a andar com roupas pretas-, diz o relatório “Yanomami Sob Ataque” -produzido pela Hutukara Associação Yanomami, Associação Wanasseduume Ye’kwana e Instituto Socioambiental (ISA).
Pesquisadores e de equipes de investigação apontam a ação dos criminosos como “síndicos” da mineração irregular na região. Ali, a facção atua em lógica menos hierarquizada e mais em associação com outros agentes ilegais. São os membros da facção os gestores do garimpo, responsáveis pelo fornecimento de insumos e máquinas para a atividade, pelo domínio do tráfico de drogas e da prostituição nas pequenas vilas, chamadas de “currutelas”.
Gestão Bolsonaro ignorou hábitos yanomami e enviou sardinha na crise
Os problemas na região se estenderam ao auxílio federal nos últimos anos. Durante a escalada da grave crise humanitária que atingiu os Yanomami, o governo Jair Bolsonaro pagou R$ 4,4 milhões para enviar ao Território Yanomami alimentos que não são consumidos pelos indígenas. Desprezando recomendação técnica, a Funai assinou o contrato milionário para comprar cestas básicas contendo sardinha e linguiça calabresa. O peixe enlatado e o embutido não fazem parte da dieta local. Também não há registros de que os produtos foram entregues integralmente.
A área técnica já havia alertado o governo e o Ministério Público a respeito dos hábitos alimentares dos indígenas. “Os yanomamis não comem sardinha nem calabresa”, informou a coordenadora da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami, Elayne Rodrigues Maciel, responsável pelo órgão da Funai com atribuição exclusiva sobre a Terra Indígena Yanomami, em depoimento ao MP.
Na ação que ouviu a servidora, de 2021, o MP pediu a condenação da União para considerar estudos antropológicos e nutricionais na composição das cestas. A Justiça acatou o pedido. O Estadão apurou que, mesmo depois da condenação, o governo Bolsonaro não só voltou a adquirir os alimentos como assinou a maior compra já realizada para a terra indígena de linguiça e sardinha em lata.
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