BARCARENA (PA) - Antes mesmo de entrar em Barcarena, na região metropolitana de Belém, a mineração já é uma figura onipresente. No caminho até a cidade, caminhões carregados de minério transitam sem parar pela estrada de mão única, indicando a intensa atividade no polo industrial da cidade. A força do setor é evidente não só na paisagem, com crateras de barro para acolher rejeitos da produção de bauxita e alumínio, mas também no boca a boca da população.
“A gente sabe viver com cobra, tatu. Mas a gente não consegue viver com soda cáustica, alumínio, benzeno, chumbo”, diz Maria do Socorro Costa, moradora de Barcarena e a principal voz contra a mineração no território, um dos principais motores do Produto Interno Bruto (PIB) paraense.
No ano passado, segundo a Fundação Amazônia de Estudos e Pesquisas (Fapespa), a produção mineral do Estado rendeu R$ 145 bilhões - 42,3% da produção do País. De 2000 a 2020, representou, em média, 11,5% do PIB paraense.
Ao menos 16 incidentes atribuídos a mineradoras desde 2002 são citados no relatório feito por uma Comissão Externa da Câmara dos Deputados, criada em 2018 para investigar vazamento de rejeitos da empresa Hydro, que atua na cadeia de alumínio.
A Hydro nega danos ambientais em Barcarena e afirma que as atividades da empresa são devidamente licenciadas, monitoradas e auditadas pelas autoridades competentes.
A prefeitura de Barcarena e o Estado dizem monitorar a qualidade da água e as atividades das mineradoras. A gestão municipal afirma que não há laudo que comprove contaminação (leia mais abaixo).
Moradores que antes tomavam a água retirada de poços subterrâneos sem medo, agora hesitam antes de utilizar o recurso. Ribeirinhos lidam ainda com as redes de pesca vazias. Belém, capital do Pará, será a sede da Cúpula do Clima de 2025, a COP-30, principal evento global para discutir como frear o aquecimento global.
Dentro de 14 grades, colocadas em sua casa para protegê-la das constantes ameaças, Socorro do Burajuba, como Maria do Socorro é conhecida na região, é uma ativista local. Em maio, a Justiça holandesa reconheceu a legitimidade da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), presidida por ela, para representar em processo judicial as populações tradicionais atingidas pelas atividades da mineradora Hydro na região.
Uma pesquisa de Simone Pereira, do Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará, identificou pelo menos 20 substâncias tóxicas presentes no cabelo de moradores de Barcarena.
O estudo mostrou, por exemplo, exposição 806% maior ao cromo do que a média de outras cidades. O cromo é um elemento químico cancerígeno, que também está ligado a outros problemas como aumento da pressão arterial, doenças de pele, entre outras.
O estudo conclui que a exposição a esses elementos é mais alta nas populações que vivem próximo às bacias de rejeitos das mineradoras. Um ponto de atenção exposto na pesquisa é que a concentração de níquel, chumbo e zinco é maior na população de até 11 anos, o que, segundo a pesquisa, pode contribuir para o desenvolvimento de doenças associadas à presença de elementos tóxicos.
A análise comparou os resultados obtidos na população de Barcarena com um grupo de controle de Altamira, também no Pará, que não tem atividade industrial intensa. A análise evidenciou o risco ao qual a população de Barcarena está exposta.
“Os resultados em relação a essa população deram muito acima aos níveis que encontramos em Altamira. O alumínio teve 27 vezes acima do grupo controle. É um nível de alumínio muito alto”, afirma Simone.
O Burajuba, território de Socorro, foi diretamente atingido por desastres ambientais, mas não é o único local de Barcarena a temer a contaminação da água.
Moradora do bairro Vila Rica, Liduína Almeida reclama da falta de acesso à água potável. Ela relata que a água do poço utilizado pela família é amarela e tem forte odor. Para evitar ingerir e cozinhar com a água disponível, ela caminha para captar o recurso na casa de um vizinho.
Liduína vive com duas filhas e o marido, que em 2019 teve um AVC. Para ter uma alternativa ao cano emprestado pelo vizinho, ela colocou um balde ao ar livre para captar água da chuva. A prática é seguida por outros moradores da Rua da Paz.
“Tenho uma filha especial que só vive com vômito. Eu não tenho dinheiro para comprar água mineral. Nessa região, a água não presta, a gente pega lá na frente”, conta ela.
Assim como Liduína, a dona de casa Francineide Leal depende da torneira do vizinho. Além do cheiro e da cor, também reclama da viscosidade da água, que suja as louças quando deveria limpá-las.
Ela evita utilizar a água retirada do poço no quintal desde que a filha passou a apresentar problemas de pele. “A água não presta para lavar roupa, não presta para fazer uma comida, dá dor na barriga. Não presta para nada. Até para banho, quando está muito suja, dá coceira”, relata.
Ao Estadão, a prefeitura de Barcarena afirmou que a comunidade Vila Rica está no seu plano de monitoramento e diz estar comprometida com o acompanhamento da qualidade da água. Informou ainda que não há laudo que comprove contaminação e afirma que “distribui hipoclorito para a população, visando a garantir a segurança no consumo.”
O hipoclorito, no entanto, segundo a pesquisadora Simone Pereira, é eficiente apenas para eliminar coliformes fecais, mas não teria poder sobre eventuais metais presentes na água.
Em fevereiro de 2018, após fortes chuvas, moradores denunciaram um possível vazamento de bacias de rejeitos da Hydro. Após a denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) iniciou força-tarefa para investigar o caso e solicitou laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), ligado à Fiocruz, sobre a possível contaminação pelo transbordamento da bacia de rejeitos da empresa. Na época, a empresa rebateu o laudo e disse que o IEC não tinha acreditação válida para fazer a análise.
O MPF moveu ação contra a empresa e atualmente há um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em vigor. Em reunião recente do comitê que acompanha a implementação do TAC, em novembro, foi discutido um sistema alternativo de tratamento e distribuição de água potável. Ainda não houve decisão sobre a implementação do modelo.
Os desastres ambientais atribuídos à Hydro, remontam ao final dos anos 2000. Em julho deste ano, a empresa foi condenada pela justiça a pagar R$ 100 milhões em indenizações pelo transbordamento de uma bacia de rejeitos que contaminou a bacia do Rio Pará.
A Alunorte, empresa do grupo Hydro acusada do crime ambiental, recorreu. A companhia “nega veementemente que o evento tenha resultado no dano alegado.” No processo, a empresa apresentou provas técnicas ao tribunal afirmando que não houve danos causados ao rio Pará. A Hydro também refuta as acusações apresentadas à justiça holandesa.
A atividade mineradora também impacta no ar da cidade. Em dezembro de 2021, um incêndio em um dos depósitos da empresa Imerys, que atua na produção de caulim, lançou elementos tóxicos no ar. Na ocasião, a empresa foi alvo do Ministério Público.
O episódio foi o mais recente de uma série de registros de desastres com envolvimento da Imerys. Segundo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Pará, de 2018, a empresa esteve envolvida em pelo menos outros oito episódios de dano ambiental.
Ao Estadão, a Imerys, que agora opera com o nome Artemyn, diz que segue a lei sobre tratamento de efluentes. Afirma ser vistoriada pela agência ambiental regularmente e monitorar as bacias de rejeitos 24 horas por dia. Acrescenta que deu assistência à população atingida pelos episódios e oferece projetos sociais voltados à geração de renda, educação ambiental, comunicação social, educação básica e capacitação de mão de obra às comunidades vizinhas.
Autor do laudo que demonstrou a contaminação das águas de Barcarena, o pesquisador Marcelo Lima, que na época comandava a seção de meio ambiente no IEC, diz que embora tenham se passado seis anos desde o desastre de 2018, os impactos da mineração precisam de monitoramento constante.
“O risco de contaminação das águas e das pessoas existe. Sempre defendi um biomonitoramento constante, mas em Barcarena nunca houve”, afirma Lima. “Deveria ser feito acompanhamento das pessoas por amostragem, das águas, um sistema de monitoramento da poluição do ar. É preciso fazer um estudo epidemiológico mais preciso.”
Questionado sobre a fiscalização de mineradoras em Barcarena, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério do Meio Ambiente, afirmou que “a obrigação de monitorar e fiscalizar danos ambientais causados por empresas de mineração é do Estado do Pará”.
A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado afirmou que hoje monitora 10 pontos de qualidade da água em Barcarena. Segundo a pasta, as coletas são feitas com frequência trimestral e semestral, dependendo do ponto, e os dados servem de base para a execução de políticas de recursos hídricos e aplicação de legislações pertinentes. O órgão diz ainda acompanhar o cumprimento das exigências para o licenciamento das mineradoras e vistoria as atividades regularmente.
O Ministérios da Saúde afirmou que monitora os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Sistema de Informação de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Solo Contaminado (Sissolo) e do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua). A pasta afirma que não há registro de alerta para surto de doenças relacionadas ao trabalho em Barcarena. A pasta não deu informações, no entanto, sobre a população em geral.
No âmbito de doenças de trabalho, o Ministério afirmou que monitora nove tipos de enfermidades relacionados ao ao ofício no município, “devido à intensa atividade de mineração e ao histórico de contaminação na região, reconhecendo o perfil de exposição”.
A pasta disse ainda que tem o compromisso de “ampliar a rede laboratorial, melhorar o monitoramento de substâncias químicas na água e fortalecer a identificação e notificação de casos, bem como a investigação de intoxicações exógenas.”
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