ENVIADA ESPECIAL A SANTA MARIA DO ACARÁ (PA)- Rodeadas por pés de buriti, açaí, castanha e outras árvores da floresta, centenas de abelhas fazem um trabalho silencioso de polinização da vegetação amazônica, ao mesmo tempo em que produzem o mel que complementará a renda de famílias da comunidade de Santa Maria do Acará, a quinze minutos de barco de Belém, no Pará.
Às margens da metrópole amazônica, que receberá a Cúpula do Clima (COP-30) no ano que vem, o projeto “Amigo das Abelhas da Amazônia” mira um objetivo ainda maior do que os impactos diretos gerados nas famílias da zona rural do município de Acará. A ideia é criar um cinturão de abelhas que contribuam para proteger o clima na região.
“Essas abelhas nativas da Amazônia são as principais polinizadoras de uma série de frutas. Elas são importantes para a flora como um todo e todo desdobramento que isso impacta em termos de alimentação para uma série de espécies. Isso faz as comunidades se preocuparem com queimadas, porque pasto de abelha é floresta em pé. E é importante que esse pasto seja diverso”, explica Hermógenes Sá de Oliveira, diretor executivo do Instituto Peabiru, que desenvolve o projeto.
A iniciativa trabalha com três espécies de abelha sem ferrão, chamadas de “melíponas”: a uruçu cinzenta, a uruçu-amarela e a seminigra. Para criar o cinturão, o projeto selecionou 20 famílias em Santa Maria do Acará que criarão as abelhas. O Peabiru forneceu às famílias 15 caixas “matrizes” com os insetos, que foram divididas e formaram 30 colmeias. Elas rendem até 40 quilos de mel por ano. As caixas para criação das abelhas utilizam materiais de fácil acesso como madeiras e canos de PVC, facilitando a ampliação do cultivo.
No quintal de Ana Carla Telles e Telles, 32 anos, e Alessandro Telles e Telles, 41 anos, a criação de abelhas convive com mais de dez tipos de árvores frutíferas da Amazônia. Essa diversidade confere uma característica única ao mel coletado pelas famílias de Santa Maria do Acará, já que as abelhas o produzem a partir do néctar de diferentes flores.
Em geral, a criação das abelhas demanda pouco tempo de trabalho, necessitando apenas verificar se algo caiu sobre as colmeias, se algum bicho subiu nas caixas, além de fornecer alimentação artificial para as abelhas por meio de pequenos potes de água com açúcar. O trabalho é facilmente conciliável com outros afazeres da família.
Meu marido coloca a alimentação e eu tiro os vasilhames para lavar e secar. Quando ele não está, vejo se elas se alimentaram”, descreve Ana Carla. “Lavo roupa, louça, limpo casa, faço comida. Faço tudo isso enquanto meus filhos estão dormindo.”
A facilidade de adaptar o trabalho à rotina das famílias locais foi justamente um dos principais pontos levados em conta ao desenhar a iniciativa. “A gente pensou esse projeto lá atrás, porque permitia facilmente a inclusão de mulheres na produção. Como a abelha não tem ferrão, as colmeias ficam ao lado da casa”, afirma Hermógenes Sá de Oliveira.
Com quase tudo o que precisa fornecido pelo próprio quintal, além do mel, a família tira o sustento de pequenos trabalhos de poda feitos por Alessandro nas propriedades vizinhas e também da colheita do açaí. O aumento nas temperaturas e a mudança do clima, no entanto, tem dificultado a produção.
“Com esse calor, a gente colhe menos. Esse ano a safra do açaí não deu o que costuma dar”, lamenta Alessandro.
O início do projeto das abelhas, no entanto, promete transformar em parte essa realidade. As famílias acreditam que o cenário pode melhorar devido à intensificação da polinização na floresta, contribuindo para o aumento da vegetação. “Quando tem flores, observamos as abelhas sobrevoando. Agora podemos não perceber, porque estão recentes, mas sabemos que vão contribuir muito”, diz Ana Carla.
Além de fornecer as colmeias, o Instituto Peabiru oferece assistência técnica às famílias, que passam por um curso inicial e depois recebem visitas dos técnicos. A criação de abelhas já era feita pelo Instituto Peabiru desde 2007, mas a partir do financiamento via Fundo Amazônia, de 2014 a 2017, ganhou escala e chegou a comunidades tradicionais do bioma. Na época, o projeto recebeu R$ 2,3 milhões do fundo. Criado em 2008 pelo governo federal, o fundo capta recursos estrangeiros para financiar ações de proteção da floresta. Hoje, o projeto tem o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
“Antes do Fundo Amazônia, uma comunidade começava com uma ou duas caixas. Levava anos para ter uma quantidade suficiente para repartir entre as famílias. O que o Fundo Amazônia permitiu foi terminar o projeto com 4,5 mil colmeias. Em locais como este aqui, a gente consegue começar o projeto já dando 15 caixas para as famílias”, afirma Oliveira.
A ampliação da iniciativa garantiu outros impactos nas comunidades de Acará. Um dos irmãos de Ana Carla, por exemplo, foi contratado pelo instituto para prestar assistência técnica aos criadores de abelhas. Abimael Telles e Telles, 28 anos, trocou de profissão, deixando a roça de mandioca da família, para atuar nas colmeias. “Vim aqui um dia para fazer uma diária de trabalho, fui aprendendo com os técnicos e acabei ficando. Agora tenho trabalho fixo”, conta.
O jovem aprendeu com os especialistas como cuidar das colmeias e ensinar as famílias locais a administrarem suas criações. Ele faz visitas diárias para acompanhar o desenvolvimento das abelhas na região. O sonho dele agora é cursar Zootecnia ou Agronomia.
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