Os efeitos das crescentes mudanças climáticas globais estão levando países sujeitos a inundações a reverem os sistemas de defesa contra o aumento no nível do mar. Projetos que deveriam ser praticamente eternos, como os grandes diques da Holanda e a barreira mecânica do Tâmisa, em Londres, estão sendo reavaliados muito antes do tempo previsto. O Japão e os Estados Unidos já se viram obrigados a reconstruir sistemas de barreiras que foram destruídos por tempestades marítimas recentes.
Muitos países ao redor do mundo estão no nível do mar ou abaixo dele, o que aumenta a preocupação com as mudanças do clima. A Organização Meteorológica Mundial, agência das Nações Unidas (ONU), apontou que o nível global do mar está subindo no dobro do ritmo registrado nas medições entre 1993 e 2002. Para os governos, o controle das inundações marítimas se torna uma questão relevante em suas políticas, na medida em que as populações começam a sofrer os efeitos do avanço do mar.
Desde 2019, o governo holandês empenha recursos no projeto de contenção da erosão no Afsluitdijk, uma barreira de 32 quilômetros construída entre 1927 e 1932 para segurar a força das águas que historicamente invadiam o país – mais da metade do território está abaixo do nível do mar.
O dique gigante, com 90 metros de largura, que sustenta uma das principais autoestradas dos Países Baixos, liga a província da Frísia ao norte da Holanda.
A barreira, fincada no fundo do mar, ultrapassa em 7,25 metros a linha d’água. O reforço será feito com 75 mil blocos geodesenhados, cada um com um chip que dará informações em tempo real sobre suas condições de resistência à água.
Os blocos serão instalados lateralmente, não influindo na altura do dique. Está prevista, ainda, a construção de duas estações de bombeamento que serão as maiores da Europa. A obra tem custo estimado em US$ 620 milhões e está em fase de contratação.
Os Países Baixos têm 523 quilômetros de costa, grande parte voltada para o turbulento Mar do Norte, e já foram devastados por enchentes e inundações.
Em 1953, uma onda gigantesca invadiu o sul do país e matou 1.835 pessoas, na província de Zeeland. A tragédia levou à construção do Oosterschelde, o maior dique com comportas do mundo, com 150 km de extensão. A barragem tem 66 pilares com mais de 50 metros de altura cada e comportas de aço entre estas colunas que regulam a entrada e saída de água. Inaugurada em 1986, a obra custou 2,5 bilhões de euros.
Barreira no Tâmisa e comportas em São Petersburgo
Outros países europeus também se defendem do avanço do mar. Londres, a capital da Inglaterra, é protegida de inundações por uma grande barreira mecânica no rio Tâmisa, que é levantada quando o nível da água atinge altura crítica. O dique com comportas mede 525 metros de largura e protege de inundações uma área de 129 km² no centro de Londres.
A barreira foi projetada para fechar ocasionalmente quando há tempestades, mas a ativação do sistema já se tornou mais frequente. O constante acionamento não previsto levou a agência ambiental do Reino Unido a antecipar os estudos para aumentar a defesa contra as marés, o que estava previsto apenas para 2050.
O Complexo de Prevenção de Inundações de São Petersburgo foi construído na Rússia para proteger São Petersburgo das tempestades do Mar Báltico.
O sistema também tem uma função de tráfego, pois completa uma estrada circular ao redor de São Petersburgo. Onze barragens se estendem por 25,4 quilômetros e estão oito metros acima do nível da água para proteger a cidade das tempestades marítimas.
Duas comportas curvas de aço com 106 metros cada podem ser fechadas. Concluída em 2011, a obra custou 6 bilhões de dólares, mas já está sendo revista. Em 2017, a água subiu quase 2 metros e inundou áreas urbanas.
Após o Katrina, obra de US$ 14 bilhões
Nos Estados Unidos, a área metropolitana de New Orleans, no Estado de Louisiana, com 35% de sua área abaixo do nível do mar, é protegida por uma muralha de concreto com quase 8 metros de altura e 550 quilômetros de extensão.
A obra, que custou US$ 14,5 bilhões, foi projetada depois que o furacão Katrina destruiu a barreira existente na época e varreu a cidade, em 2005, deixando 1.600 mortos. A megaobra foi projetada em 2006 e concluída em 2015, dez anos após a tragédia. A barreira tem 73 estações de bombeamento, quatro comportas e três canais extravasores.
A muralha americana, inspirada nos diques da Holanda, tem vida útil mínima de 100 anos. O custo da obra foi criticado na época, quando a infraestrutura da cidade ainda não tinha sido recuperada.
New Orleans tem a segunda maior taxa de disparidade de renda dos Estados Unidos e a expectativa de vida em suas zonas mais desfavorecidas é de apenas 54 anos, ou 25 anos menos do que em bairros ricos.
Sistema tenta conter marés em Veneza
Em Veneza, na Itália, a solução para reduzir o impacto das marés na cidade considerada patrimônio da humanidade foi construir um complexo sistema de barreiras mecânicas no Mar Adriático.
O conjunto de 78 barricadas retangulares de metal fica submerso e é acionado por bombas pneumáticas toda vez que a maré alta ameaça inundar a cidade turística. A obra demorou quase 20 anos para ser concluída, já custou US$ 6 bilhões e só ficará totalmente funcional em 2025.
O chamado Modulo Sperimentale Elettromeccanico (Mose) retém as marés de mais de 110 centímetros, isolando a Lagoa de Veneza do Adriático, protegendo as partes baixas da cidade histórica, especialmente a Praça São Marcos.
Apesar do alto custo, o sistema não é totalmente confiável. Depois de uma inundação em dezembro de 2022, a Procuradoria da Basílica de São Marcos e a prefeitura de Veneza decidiram instalar barreiras de vidro ao redor da basílica. A estrutura temporária deve segurar as águas até o funcionamento pleno do sistema Mose.
Japão tem desafio contra tsunamis
O Japão foi obrigado a rever as barreiras contra o avanço do mar depois que um tsunami devastou a costa do país em março de 2011, atingindo a usina nuclear de Fukushima.
Ao menos 16 mil pessoas morreram no terremoto Tohoku, que provocou ondas de até 40 metros, destruindo completamente as linhas de defesa contra o mar. No lugar delas, foi construída uma muralha de concreto de 400 quilômetros com até 15 metros de altura. O muro gigantesco já resistiu a um terremoto de magnitude 7,4, em março de 2022.
A grande muralha japonesa, que custou US$ 12 bilhões, é criticada por ambientalistas porque, embora construída para defender a população dos efeitos das mudanças climáticas, acaba contribuindo para esse fenômeno.
Estima-se que as emissões geradas pela construção dos quebra-mares de concreto atinjam seis milhões de toneladas de CO2, levando em consideração o gigantismo da obra. A produção de cimento, usado para fazer o concreto, responde por 7% das emissões anuais de gases de efeito estufa no planeta.
No Brasil, muros e barreiras
Reportagem do Estadão mostrou que municípios do litoral de São Paulo e de outros Estados têm investido em obras de contenção para evitar o avanço do mar sobre áreas urbanas. Entre as medidas, estão muros para segurar ressacas, barreiras submersas para amenizar as ondas e o alargamento de praias, com a colocação de areia do próprio mar.
Especialistas afirmam que as medidas são paliativas, já que o aquecimento global vai tornar as ressacas mais frequentes e severas. Para eles, o mais importante é reduzir a ocupação da orla, que geralmente ocorre sem planejamento.
“Paredes de concreto, como o muro de Mongaguá, não vão parar o mar. Se não forem feitas com soluções baseadas na eco engenharia, a gente pode beneficiar a chegada de espécies invasoras, que terão impacto na atividade pesqueira”, disse na oportunidade Ronaldo Christofoletti, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Ciência do Mar.
A engenheira ambiental Luiza Amancio, com formação em Ciência e Tecnologia do Mar, também não vê efetividade em barreiras físicas. “Algumas são medidas de curto prazo e planejadas sem apoio de especialistas. Ao tentar corrigir um problema, causam-se outros que podem fomentar mudanças climáticas a nível local, regional e até global.”
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