Por que Rio Pinheiros segue com qualidade ‘péssima’, segundo estudo? ‘Tem coragem de colocar a mão?’

Governo do Estado promete ‘salto’ de qualidade dos rios em 2029, com universalização do saneamento pela Sabesp

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Por Juliana Domingos de Lima
Atualização:

Após projetos de despoluição mais recentes do governo de São Paulo - o Novo Rio Pinheiros, lançado em 2019, e o IntegraTietê, lançado em 2023 na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) -, os principais rios da capital mantêm, respectivamente, pontos de qualidade de água péssima e ruim, segundo o estudo Observando os Rios 2025. O levantamento foi lançado nesta sexta-feira, 21, pela SOS Mata Atlântica.

Acúmulo de lixo à beira do rio Tietê, em São Paulo, na região do Complexo Cebolão, onde ele encontra o rio Pinheiros Foto: Daniel Teixeira/Estadão

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No Pinheiros, houve melhora no cheiro e os paulistanos têm se aproximado mais do rio nos últimos anos, mas ele segue com odor forte em determinadas épocas.

“Ele era extremamente péssimo, péssimo ao quadrado. Agora está péssimo”, diz o coordenador do estudo da SOS Mata Atlântica, Gustavo Veronesi. “Um rio com qualidade péssima significa que não tem nenhum tipo de possibilidade de a gente chegar perto. (O Pinheiros) melhorou mesmo, mas alguém tem coragem de ir lá e colocar a mão na água?”.

Segundo a secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, o “grande salto” na qualidade da água do Tietê e do Pinheiros virá a partir da universalização do saneamento básico, projetada para 2029 no novo contrato da Sabesp, privatizada em 2024.

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“Até 2029 temos a meta de tanto o Pinheiros quanto o Tietê serem rios mais límpidos. São rios urbanos, não vai dar para beber água e nadar, mas a convivência será muito melhor”, afirma.

Conforme o estudo da SOS Mata Atlântica, todos os cinco pontos que atingiram a pior classificação, péssima, de Índice de Qualidade da Água (IQA) estão na região metropolitana de São Paulo, no Rio Pinheiros e no Ribeirão dos Meninos, em São Caetano do Sul, no ABC paulista.

“O Rio Pinheiros, na cidade mais rica do País, está numa condição dessa. Como paulistano, sinto vergonha. Quem chega em São Paulo dá de cara com um rio ou com o outro. É o nosso cartão de visita”, afirma o geógrafo.

Fazer com que as pessoas sintam “orgulho” do rio, hoje poluído, é um dos objetivos do programa IntegraTietê citados pela secretária Natália Resende, mas ainda parece distante.

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Segundo Veronesi, além da impossibilidade de encostar ou mesmo chegar perto do rio, o IQA péssimo indica que a água não é apropriada para nenhum uso e não tem qualquer tipo de vida, a não ser os micro-organismos que decompõem a matéria orgânica presente na água. O fedor característico dos rios paulistanos, aliás, resulta desse processo e da liberação do gás sulfídrico, que é tóxico.

No estudo, o ponto de monitoramento do Rio Tietê na capital se manteve com qualidade “ruim”, de 2023 para 2024, que também implica que a água não possa ter uso pela população. Nos outros, no interior paulista, vai de “regular” a “ruim”, com exceção do ponto monitorado em Botucatu, onde a qualidade é boa.

O resultado “mostra que a gente precisa avançar muito ainda no saneamento. Cidades das cabeceiras do Tietê, como Suzano, Itaquaquecetuba, ainda estão com qualidade muito aquém do almejado”, diz Veronesi.

O governo do Estado afirma que dois milhões de conexões de água e esgoto serão realizadas na região do Alto Tietê até 2029. Acrescenta que irá acelerar neste ano medidas de recuperação e preservação das áreas de várzea na mesma região.

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O estudo coletou dados de janeiro a dezembro de 2024 em 112 rios e corpos d’água da Mata Atlântica, e nenhum ponto atingiu a classificação de qualidade “ótimo”. É realizado por mais de 100 grupos de voluntários em 14 Estados que realizam coletas mensais.

De 2023 para 2024, houve aumento do número de rios com qualidade “ruim” em todo o bioma (que inclui São Paulo e mais 13 Estados). Esse número subiu de doze para 16 (eram 9,4% dos rios e agora representam 12,6%). Quatro pontos permaneceram com qualidade péssima: três no Pinheiros, e o Ribeirão dos Meninos, em São Caetano do Sul (SP).

Mais de 75% dos pontos monitorados foram classificados como de qualidade regular, o que significa que a água foi muito impactada pela poluição e precisa de tratamento para o consumo humano.

Por que é tão difícil avançar?

Segundo Veronesi, o principal fator de degradação dos rios da Mata Atlântica, no geral, e da cidade de São Paulo, em particular, é a falta de coleta e tratamento de esgoto, que é lançado nos rios.

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Mas há outros, como o uso intensivo de agrotóxicos, que elevam a quantidade de fosfato e nitrato na água, a falta de proteção das nascentes e das matas ciliares, e o problema do lixo, que também vai parar nos rios.

“A falta de floresta é um fator importante. Ainda temos processos de desmatamento na Mata Atlântica e isso impacta diretamente a qualidade da água. Sem a floresta, não tem absorção da água pelo solo, não tem filtragem da água pelas raízes”, aponta o coordenador do estudo.

A cobertura vegetal também ajuda a frear o assoreamento, carreamento de sedimentos para o leito dos rios, que diminui sua vazão e aumenta o risco de enchentes. O aumento do clima extremo tem contribuído para acelerar processos erosivos e também para a piora da qualidade da água dos rios em determinadas épocas em função das secas e cheias mais intensas.

O governo do Estado iniciou nesta semana uma nova etapa de desassoreamento do Tietê, incluindo o trecho de Pirapora, que tem um passivo histórico de desassoreamento, e afirma ter retirado um volume recorde de sedimentos desde 2016.

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Na avaliação de Veronesi, a gestão estadual tem dado maior ênfase ao desassoreamento - retirada dos sedimentos - do que à proteção das nascentes e florestas.

Ele chama atenção para o fato de que poluir um rio é muito mais rápido do que despoluir, processo que leva anos, mas não é impossível, a exemplo do Rio Sena, em Paris, que melhorou significativamente a qualidade da água na última década. E defende que as pessoas possam cada vez mais se aproximar das margens, frequentando ciclovias, como a do Pinheiros, e parques lineares.

“Pensar nos parques lineares é importante, porque traz as pessoas de volta para perto do rio. O que fizemos ao longo do século 20 foi distanciar as pessoas do rio. Quanto menos chegássemos perto e soubéssemos da existência dos rios, era melhor para os gestores. Só que no contexto de mudanças climáticas, esses rios estão vindo à tona mais rápido. É uma questão natural. A gente não respeitou o meio na hora de de planejar a cidade. E as consequências estão vindo”, diz.