Rajadas de vento superiores a 100 km/h derrubaram centenas de árvores na sexta-feira, 3, em São Paulo e os efeitos na rede de energia elétrica ainda são sentidos neste domingo, 5, com cerca de 1 milhão de endereços sem luz na cidade. A previsão é de que o serviço seja totalmente restabelecido até terça-feira, 7, de acordo com a concessionária Enel.
Hoje, poucas vias da cidade têm fios enterrados, a exemplo do que ocorre na Avenida Paulista. O mais comum é um emaranhado de cabos, alguns deles entrelaçados a galhos de árvores.
Temporais como o de sexta-feira estão associados às mudanças climáticas e demandam adaptação de instalações urbanas, alerta o professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da USP Pedro Luis Côrtes. “Para se adaptar a essas novas condições impostas, uma das questões básicas é cuidar intensamente da manutenção das áreas verdes, verificando se as árvores estão saudáveis, a necessidade de podas corretivas para que elas possam resistir a eventos climáticos mais extremos”, diz.
Côrtes sugere ainda priorizar plantas nativas da Mata Atlântica em canteiros de calçadas. Essas espécies são mais resistentes ao clima tropical e menos suscetíveis a quedas em chuvas. Em diversos pontos da cidade há árvores exóticas. “Embora possam ter um belo efeito paisagístico, promover uma boa cobertura, com sombra e preservação da umidade, espécies exóticas nem sempre estão adaptadas a climas mais extremos.”
Ele também recomenda que seja feito um mapeamento de áreas mais vulneráveis às chuvas. Nesses locais, diz, seria necessário transferir a fiação aérea para debaixo do solo. Assim, eventuais quedas de árvores e postes não causariam a falta de luz. “Não é um empreendimento fácil nem barato. Há inclusive uma discussão de quem arcaria com esses custos. Mas isso precisa ser feito, porque o que temos visto é uma repercussão muito ruim, com regiões há mais de 24 horas sem energia.”
O prefeito Ricardo Nunes (MDB) destacou que os ventos superiores a 100 km/h chegaram à maior velocidade já registrada pelo Centro de Gerenciamento da Metrópole (CGE), desde 1995, quando esses dados começaram a ser computados. “Foi uma situação excepcional. Muito fora do contexto”, disse.
Especialistas apontam que ventos acima de 80 km/h podem arrancar até mesmo árvores sadias. O impacto das rajadas, porém, poderia ser reduzido com massa arbórea mais densa, já que o vento entra pela rua e, às vezes, até aumenta de velocidade.
O prefeito salientou as cerca de 1,4 mil ocorrências de quedas de árvore na sexta-feira. Foram registradas quedas de árvores por inteiro (com as raízes) e também com o rompimento na base do tronco. Somente nos parques da cidade foram 346 árvores derrubadas.
Em julho, em outro evento extremo após a passagem de um ciclone pela região sul, outros 300 chamados foram abertos. Como comparação, durante todo o ano de 2022 a Defesa Civil municipal atendeu a 3,8 mil ocorrências de queda de árvore.
Nunes afirmou que cerca de 1,4 mil pessoas trabalham na dinâmica de corte de árvores e outras 1,9 mil na limpeza. “Estamos trabalhando para restabelecer a cidade o quanto antes. Esperamos que, até terça, tenha essa situação resolvida. Pode ter algum ponto ou outro para corrigir depois.”
El Niño
A proximidade do verão, época do ano em que a ocorrência de chuvas fortes é mais recorrente, exige ações de zeladoria emergenciais para evitar a repetição destes acidentes. Em 2024, haverá um agravante: o El Niño, fenômeno climático que acentua as precipitações.
“O verão sob o efeito do El Niño, em São Paulo, é um verão com tendência de aumento de chuvas. Essas chuvas não se distribuem de maneira homogênea. Elas ocorrem de maneira muito concentrada. Isso gera demanda ainda maior do sistema de drenagem urbana”, explica o professor Pedro Luis Côrtes.
No fim de 2021, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou um projeto de lei, de autoria da Prefeitura, que prevê acelerar a remoção e a poda de árvores na cidade. A proposta é permitir que o próprio cidadão contrate um engenheiro ou biólogo para avaliar que tipo de medida deve ser tomada. Como o Estadão mostrou, a queda de árvores não é algo novo em São Paulo, mas aumentou a recorrência.
“Uma cidade do tamanho de São Paulo é muito complexa, é preciso uma melhor articulação e uma política de manutenção do espaço urbano. Não só zeladoria, mas renovação e inovação. Ainda usamos as mesmas técnicas do começo do século 20″, disse o arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, professor do Instituto da Cidade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Falta, por exemplo, uma política de arborização, tanto de plantio como de manutenção.”
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