Por que usinas nucleares voltaram a ganhar força? Novos países anunciam expansão da tecnologia

Mais nações, incluindo algumas em desenvolvimento, assinam compromisso de triplicar produção até 2050; defensores apontam alternativa sustentável, mas críticos veem riscos e alto custo

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Foto do author Priscila Mengue
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ENVIADA ESPECIAL A BAKU - A energia nuclear tem se fortalecido por meio de anúncios e acordos bilaterais durante a Cúpula do Clima, a COP-29, em Baku, no Azerbaijão. Fala-se até em um “renascimento” após anos de estagnação. Estados Unidos, Reino Unido e Ucrânia estão entre as nações que têm defendido o avanço dessa tecnologia como opção sustentável em meio à transição energética para longe dos combustíveis fósseis.

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O tema tem ganhado mais espaço desde a COP-28, em Dubai, no ano passado, quando 25 países se comprometeram a triplicar a produção desse tipo de energia até 2050, em relação a 2020. Em Baku, mais seis nações anunciaram adesão.

Se cumprido, o compromisso significaria uma fatia de cerca de 25% da produção de energia mundial (hoje está perto de 10%). A COP-29 deve se estender ao menos até a sexta-feira, 22.

Em resposta, um grupo de cientistas e organizações não governamentais têm se reunido e criticado a expansão da energia nuclear. Uma das ressalvas é a necessidade de alto investimento em relação a opções eólicas e fotovoltaicas.

Os críticos também consideram a alternativa como insegura e de demorada implementação diante da emergência climática. Nesse cenário, algumas usinas chegaram a ser fechadas nos últimos anos no Japão e na Alemanha, por exemplo, assim como se decidiu pelo veto à abertura de novas, como na Suíça.

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Usina nuclear na França; país está entre os que se comprometeram a triplicar produção. Foto: Bertrand Guay/AFP

Os signatários desde o ano passado em expansão da energia nuclear são: Estados Unidos, Armênia, Bulgária, Canadá, Croácia, República Tcheca, Finlândia, França, Gana, Hungria, Jamaica, Japão, Coreia do Sul, Moldávia, Mongólia, Marrocos, Holanda, Polônia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Suécia, Ucrânia, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido.

Já os novos adeptos anunciados durante a COP-29 são Cazaquistão, El Salvador, Nigéria, Turquia, Quênia e Kosovo. Embora seja uma tecnologia principalmente adotada por países ricos, o modelo tem chamado a atenção também de nações em desenvolvimento. Não há sinalização de que o Brasil se tornará signatário.

No Brasil, a energia nuclear representa cerca de 1% da matriz energética, com as duas usinas em operação em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, onde o Ministério de Minas e Energia defende a conclusão de uma terceira após anos de obra parada. O país renovou o acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos em setembro, mantido desde 1976, o qual pode facilitar a manutenção das estações atuais e até uma expansão.

Também na COP-28, o mesmo balanço global que indicou o distanciamento gradual da exploração de combustíveis fósseis mencionou a energia nuclear como alternativa de energia limpa. Essa inclusão foi celebrada na época como um reconhecimento histórico, embora tenha obtido muito menos projeção do que o anúncio que envolvia reduzir o uso de carvão, petróleo e gás.

Isso ocorre anos após o desastre nuclear de Fukushima, em 2011, marco na tendência de enfraquecimento da tecnologia, após a liberação de radiação para o ambiente. Além disso, a guerra na Ucrânia trouxe novo temor de contaminações após ataques da Rússia próximos a usinas.

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Já os defensores apontam que modelos nucleares seriam necessários para dar mais segurança energética e estabilidade à cadeia de produção, por não estar ligada ao clima (como a eólica, a hidrelétrica e fotovoltaica). A Ucrânia tem, inclusive, defendido que ajudaria a enfraquecer as exportações de combustíveis fósseis pela Rússia.

Defesa da energia nuclear está até no discurso de presidentes durante COP

Na zona azul da COP, reservada aos participantes credenciados pela Organização das Nações Unidas (ONU), há ao menos dois pavilhões para promover a energia nuclear. Estão em meio a outros estandes, a maioria de governos.

Essa alternativa foi defendida até mesmo no discurso oficial de chefes de estado na COP-29. Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan disse, por exemplo, que as prioridades para se alcançar o carbono neutro até 2053 são investimento em energia renovável, eficiência energética e energia nuclear.

Pavilhão da Agência Internacional de Energia Atômica na zona azul da COP-29. Foto: Priscila Mengue/Estadão

Já o primeiro-ministro da República Tcheca, Petr Fiala, declarou que “acredita fortemente que a energia nuclear é essencial para atingir as metas climáticas”. “Me dá esperança que a energia nuclear está mais e mais popular pelo mundo”, completou.

Também ressaltou os 50 anos de experiência do país com a tecnologia, o qual estaria preparado para dar assistência a nações interessadas. Chegou a dizer que se trata de alternativa “extremamente segura”. No setor privado, gigantes mundiais têm sinalizado interesse, como a Microsoft.

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O tema foi o principal de diversos painéis e outras atividades na conferência climática, realizados por associações do setor, governos e até um evento da presidência da COP com a Agência Internacional de Energia Atômica (ligada à ONU).

Entre os anúncios nesta conferência, estão novas usinas na Ucrânia, com apoio americano, e um acordo entre Estados Unidos e Reino Unido. “A tecnologia nuclear avançada ajudará a descarbonizar a indústria ao fornecer calor e energia de baixo carbono, apoiando novos empregos e investimentos aqui”, declarou Ed Miliband, secretário de Energia britânico nesta semana.

Chamam a atenção novas tecnologias de menor porte e modulares, o que tende a interessar também ao setor privado. A própria sede da COP, o Azerbaijão, sinalizou interesse durante a conferência, dentre outros.

Pavilhão da Associação Nuclear Mundial na COP-29. Foto: Priscila Mengue/Estadão

Neste mês, o governo de Joe Biden publicou um relatório com orientações gerais sobre a expansão de energia nuclear, com a afirmação de que a tecnologia chegou a uma “nova era”. “Expandir a energia nuclear é um ponto chave para evitar os piores impactos das mudanças climáticas e ajudar o país a chegar ao carbono neutro”, diz o documento.

Em Cingapura, um estudo de viabilidade do governo de 2012 apontava que não era ideal naquele momento, pelo tamanho das zonas de emergência no entorno das usinas, o que tornava o modelo de difícil aplicação em cidades pequenas e medianas, por exemplo.

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Neste ano, contudo, um relatório federal apontou que se deveria “manter as opções abertas”, com a continuidade de estudos sobre o desenvolvimento de tecnologias de energia nuclear seguras. “Tem potencial de ser muito mais segura do que a operação atual”, diz trecho do documento, o qual ressalta que decisões nesses sentidos somente devem ser tomadas com estudos sobre segurança, confiabilidade, custo e sustentabilidade.

Segundo relatório anual da Agência Internacional de Energia Atômica, ao menos 413 estações de energia nuclear operam atualmente em pelo menos 31 países. A organização tem defendido na COP que a ampliação de usinas reduziria significativamente as emissões de carbono.

O que dizem defensores e críticos na COP?

O Estadão compareceu a alguns painéis sobre o tema na COP-29. A maioria das atividades tem sido em defesa da expansão, mas o assunto também é criticado em eventos e protestos, embora manifestações tenham ocorrido em menor porte este ano (diante do histórico de prisões de ativistas no Azerbaijão).

Defensores da energia nuclear durante a COP-29. Foto: Sergei Grits/AP

Para o Vladimir Slivak, da Ecodefense, a difusão da energia nuclear é uma armadilha especialmente para países em desenvolvimento, pois é cara, com retorno demorado (pode ultrapassar 10 anos) e dependente de uma pequena cadeia de fornecedores. “Depende de tecnologias muito específicas daquelas companhias que fizeram aqueles reatores”, justificou. O físico Bimal Khadka ressaltou que coloca as comunidades do entorno em risco.

Diretora da Earthlife Africa, Makoma Lekalakala também criticou. “Não é um combustível de transição. E não pode ser parte do que vemos como solução”, resumiu. Já Deve Sweeney, da Federação Australiana de Conservação, argumentou que os países têm melhores alternativas, renováveis e limpas. “Somos abençoados com diversas fontes naturais”, apontou.

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Em outro painel, Michael Goff, vice-secretário adjunto de Energia Nuclear dos Estados Unidos, defendeu parcerias internacionais para a expansão da tecnologia. “Precisamos de mais países”, afirmou.

Vice-ministro de Clima e Energia da Holanda, Michel Hejidra, argumentou que não há motivo para rivalizar a energia nuclear com as fontes renováveis. “As renováveis são baratas e fáceis de instalar, mas precisamos de algo estável. E a energia nuclear é uma opção certa para descarbonizar o sistema”, concluiu.

Já o secretário do Ministério do Clima e Ambiente da Suécia, Daniel Westlen, salientou que há uma tendência mundial após “décadas de luta”. “Não há por que a energia nuclear ser excluída”, disse, embora admita “desafios”, especialmente em relação a riscos financeiros por causa dos investimentos necessários para implementação e manutenção.

* A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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