Praia preservada de Ilhabela pode ganhar resort e ambientalistas criticam; veja onde fica

Prefeitura discutiu ideia com grupos empresariais estrangeiros; gestão afirma que estudos são preliminares e ouvirá comunidade caiçara da área. MPF investiga o projeto

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Foto do author José Maria Tomazela

A prefeitura de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, avalia ceder uma área pública para a construção de um resort em um território caiçara na Praia da Serraria, uma das mais preservadas do arquipélago. Segundo o município, grandes grupos hoteleiros portugueses se interessaram por um projeto nesse formato, ainda em caráter preliminar. A gestão afirmou que vai seguir as leis e os protocolos de consulta à população. O Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito civil para investigar o caso.

  • A Praia da Serraria fica no lado leste da ilha, de frente para o mar aberto, em um ponto ainda isolado, onde se chega só de barco ou por trilha na mata.
  • A faixa de areia branca e fina, com pouco mais de 400 metros, fica em cenário de mar calmo, com muitas árvores e, entre elas, casas de pescadores. Lá, 25 famílias, com cerca de 120 pessoas, vivem da pesca artesanal.

No fim do ano passado, apontando a necessidade de garantir o território para os caiçaras, a prefeitura desapropriou a área, equivalente a 90 campos de futebol, por valor aproximado de R$ 7 milhões. Em março deste ano, o prefeito Toninho Colucci (PL) esteve com comitiva do município na Bolsa de Turismo de Lisboa, em Portugal, e a proposta do resort na Praia da Serraria foi discutida com empresários.

Após a ideia vir à tona, ambientalistas e representantes dos caiçaras se mobilizaram. No dia 21, o MPF enviou ofício ao prefeito pedindo que esclareça se a desapropriação de quase 900 mil m² na Serraria para a “criação de área de compensação de reserva ambiental”, conforme a justificativa de decreto municipal, tem relação com o projeto do resort.

O documento pede ainda que o prefeito informe quais medidas foram adotadas para consultar a comunidade caiçara local, tanto sobre o decreto de desapropriação, quanto sobre o empreendimento hoteleiro.

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A Praia da Serraria fica no lado leste da ilha, de frente para o mar aberto, em um ponto ainda isolado, onde se chega só de barco ou por trilha na mata Foto: Turismo Ilhabela/Prefeitura de Ilhabela

“Nesse sentido, ressalto que o artigo 6.° da Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre Povos Indígenas e Tribais, assinado e ratificado pelo Brasil, define o direito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé e determina a obrigatoriedade de consulta também para as medidas legislativas e administrativas capazes de afetar os sujeitos da Convenção”, diz no documento a procuradora da República Walquiria Imamura Picoli.

O prefeito tem prazo de dez dias úteis, a contar do recebimento do ofício, para prestar as informações.

Além da representação ao MPF, há um abaixo assinado virtual com cerca de 1,6 mil assinaturas contra a proposta. Segundo a petição, o projeto pode destruir “o modo de vida do povo tradicional em nome do progresso”.

Prefeitura fala em regularização e diz que estudos são preliminares

Em nota, a prefeitura informou que desapropriou a área para garantir o território dos membros da comunidade tradicional local, que antes residiam na área por meio de contrato de comodato com o antigo proprietário. Agora que a área se tornou pública, segundo o município, haverá a regularização.

Ainda conforme a gestão, na feira de turismo de Portugal, representantes do município foram procurados por dois dos maiores grupos hoteleiros do mundo interessados em implementar um empreendimento ecológico em Ilhabela e a área da Serraria despertou interesse.

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“O tema não foi descartado tendo em vista a possibilidade, caso haja consulta prévia com a comunidade, sem prejuízo de estudos também na seara ambiental”, disse a prefeitura.

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A nota informa ainda serem apenas de intenção e estudos preliminares. Caso haja efetivo interesse, continua, a prefeitura “observará todas as formalidades legais, especialmente a consulta prévia da comunidade em audiências públicas, bem como procedimentos para licenciamento ambiental de praxe”.

Já sobre o pedido do MPF, afirma que todas as informações requeridas serão prestadas no prazo.

Em nota, a Vila Galé, uma das redes hoteleiras citadas pelo prefeito, informou que na Feira de Turismo de Lisboa foi procurada pela prefeitura de Ilhabela para questionar possível interesse em abrir um resort no arquipélago.

“Durante a conversa, não foi sugerida nenhuma área específica, tampouco foi formalizada qualquer proposta concreta. Apenas foi questionado informalmente se haveria interesse para uma conversa futura”, disse.

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A Vila Galé tem 44 hotéis em Portugal, Brasil, Cuba e Espanha. A empresa afirma ter compromisso com o desenvolvimento do turismo sustentável, “sempre respeitando o meio ambiente e a comunidade local, contribuindo para o seu desenvolvimento, preservação cultural e ambiental”.

Ilhabela já sofre com excesso de ocupação, diz ambientalista

Para a advogada e ambientalista Fernanda Carbonelli, do Instituto de Conservação Costeira (ICC), a proposta preocupa porque surge no momento em que mudança na legislação estadual permite que os próprios municípios do litoral norte licenciem alguns empreendimentos.

“Seria a ocupação de área extremamente frágil, em um dos biomas mais ameaçados do mundo, a Mata Atlântica. Ali tem fauna exuberante, totalmente preservada”, afirma Fernanda. “Somos partidários da ocupação e da preservação, desse binômio andar bem equilibrado. Não parece que o projeto tem essa mesma preocupação.”

Segundo ela, Ilhabela tem 85% de seu território em área de parque e já sofre com excesso de ocupação. “Ele (prefeito) insiste em entregá-las para uma ocupação desenfreada. O movimento que deveria ser feito é estudar as áreas, congelar essa ocupação e cuidar da ilha”, critica.

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