A dez meses do início da Cúpula das Nações Unidas (COP-30), entre 10 a 21 de novembro em Belém, a escassez de oferta e o consequente aumento dos preços das diárias de hospedagem têm preocupado participantes da conferência. Delegações estrangeiras têm enfrentado dificuldades para efetuar reservas já que casas para locação e hotéis têm fixado preços exorbitantes, de até R$2 milhões.
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A orientação dada pelo governo federal às embaixadas estrangeiras, conforme o Estadão apurou, é de que aguardem a plataforma oficial de gerenciamento de hospedagem que será lançada pelo Brasil. Membros de embaixadas já se reuniram entre si em pelo menos duas ocasiões para tratar da questão.
O governo federal anunciou, há 15 dias, o lançamento de uma plataforma para cadastrar casas, apartamentos e hotéis que serão disponibilizados para participantes credenciados para o evento.
Procurada pelo Estadão, a Secretaria Extraordinária da COP-30 (Secop), ligada ao Ministério da Casa Civil, afirmou que tem conduzido as tratativas com as delegações internacionais por meio do Itamaraty. A Secop disse ainda que está finalizando a contratação de plataforma para centralizar as reservas e garantir acomodação para as equipes negociadoras e demais participantes credenciados. Segundo a secretaria, em edições anteriores as reservas em plataformas oficiais foram abertos a partir de junho. “A busca antecipada por acomodações fora desses canais pode contribuir para a elevação dos preços no mercado”, disse a Secop.
O governo do Pará declarou, em nota, atuar em conjunto com União, prefeitura e a iniciativa privada para preparar a cidade: “uma série de soluções está em andamento para atender à demanda de hospedagem para o evento”, como novos hotéis, uso de navios e construções modulares (leia mais abaixo).
À reportagem, plataformas como Booking e AirBnB reforçaram que os preços são definidos pelos próprios anfitriões.
Devido aos altos preços, a delegação da Noruega, principal país doador do Fundo Amazônia, é uma das que ainda não conseguiram local e continua em processo de negociação. Orçamentos oferecidos pela rede hoteleira ao país escandinavo ultrapassaram a casa de R$ 1 milhão.
O Estadão apurou que funcionários da delegação da Dinamarca chegaram a ir a Belém para prospectar imóveis, mas retornaram sem sucesso. A questão também gerou preocupação na Embaixada do Reino Unido, que abordou o tema com o governo brasileiro.
A reportagem entrou em contato com as embaixadas dos países citados, mas somente a representação do Reino Unido respondeu. A embaixada disse que não comenta sobre arranjos de viagens oficiais de autoridades e funcionários do governo britânico e que tem “total confiança na capacidade do governo brasileiro de organizar uma Conferência do Clima da ONU bem-sucedida.”
Outro risco é para grupos da sociedade civil, como ONGs ou entidades acadêmicas que tradicionalmente participam da conferência climática, que podem ter dificuldade de arcar com os custos de deslocamento e hospedagem para o evento deste ano.
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Brasil realizará a “melhor COP já feita” e comentou sobre a questão das hospedagens:
“As pessoas vão dormir onde tiver que dormir. Eu posso dizer que ninguém vai ficar acordado por falta de um lugar para dormir”, afirmou.
A Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor afirma que, até o momento, não há registro de reclamações formais sobre o tema e diz que nenhum estabelecimento foi autuado até então. “No entanto, caso sejam identificadas irregularidades, a Senacon e os Procons competentes tomarão as medidas cabíveis, que podem incluir notificações, multas e até a interdição do estabelecimento, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor.”
A Senacon acrescenta que a orientação é que, caso identifiquem práticas abusivas, os consumidores denunciem o caso no site do governo. O Procon do Pará também afirma não ter recebido denúncias formais sobre o preço abusivo de hospedagem. O órgão pode notificar fornecedores por aumento injustificado de preços de produtos ou serviços.
Leitos para credenciados oficiais serão garantidos, segundo governo
Presidente da Conferência do Clima da ONU no Brasil (COP-30), o embaixador André Corrêa do Lago disse na terça-feira, 28, que a questão da hospedagem para a COP-30 está sendo tratada pela Casa Civil. O embaixador afirmou que esteve na capital paraense na semana passada e que ficou impressionado com os avanços já realizados, destacando que a equipe das Nações Unidas também ficou “bem tranquila” após missão na cidade para avaliar os preparativos.
A expectativa do governo federal é disponibilizar 50 mil leitos, considerando os já existentes e os em desenvolvimento, para acomodar os participantes. A Casa Civil afirma que a acomodação dos credenciados oficiais será garantida.
Segundo o levantamento mais recente feito pela prefeitura de Belém, a cidade tem hoje 18 mil leitos hoteleiros e precisará mais que dobrar essa capacidade para atender à demanda, ampliando também outros tipos de acomodação.
As iniciativas previstas para aumentar a oferta de leitos na capital incluem:
- navios cruzeiros contratados pelo governo federal;
- reforma de 17 escolas que serão usadas como alternativa de hospedagem no padrão de hostel;
- quatro novos empreendimentos hoteleiros de alto padrão em construção por grupos internacionais, com apoio dos governos. Um deles irá ocupar três galpões em área próxima ao Porto Futuro II, uoutro será instalado em um antigo prédio da Receita Federal, o terceiro no bairro do Reduto, em Belém, e o quarto em Castanhal, na região metropolitana;
- aluguel de curta temporada e parcerias com plataformas de hospedagem, entre outras ações detalhadas mais abaixo.
Valor segue oferta e demanda, mas alta abusiva pode ser considerada ilegal
Em alguns casos, o valor do aluguel de curta duração para o período da COP chega a ultrapassar custos de compra de um imóvel na cidade. No fim de janeiro, as ofertas mais caras estão na casa dos milhões e muitas chegam a centenas de milhares de reais.
Os anúncios com preços mais altos chegam ao patamar de R$ 2 milhões - para um imóvel grande acomodando três pessoas em um bairro de alto padrão. Dezenas de superam as centenas de milhares de reais, para o aluguel temporário de casas ou apartamentos inteiros, próximos ao centro, com padrão variado de conforto.
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Em nota, o Airbnb afirmou que os valores das acomodações anunciadas “são definidos pelos próprios anfitriões, que possuem total autonomia para gerenciar e personalizar seus anúncios, como a definição da disponibilidade da acomodação e a fixação do preço por noite”.
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Já a Booking.com informou não interferir nos preços das reservas feitas na plataforma e afirmou que são os parceiros de acomodação - hotéis, pousadas e pessoas físicas - “quem define e controla todas as políticas de preços, como tarifas, quantidade de quartos e outras políticas de check-in e check-out”.
Segundo o diretor executivo do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Igor Britto, ainda que os preços sejam livres e sigam as regras de oferta e demanda, o aumento exagerado e desproporcional em situações de alta demanda é considerado ilegal conforme a lei.
A conduta é proibida pela regra de crimes e contravenções contra a economia popular, pela Lei de Defesa da Concorrência e também pelo Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, como a maioria das ofertas desse tipo dentro das plataformas é feita por proprietários de imóveis, e não por empresas, a resolução do problema é mais complexa. Além disso, a dispersão em diferentes aplicativos torna mais difícil a a fiscalização, embora o órgão não precise esperar denúncia formal para fazê-lo.
“Enquanto as plataformas negarem sempre suas responsabilidades, não vai ter controle nenhum. Só vai haver oferta de preços mais justa e equilibrada (pelas plataformas) se as autoridades locais considerarem que elas são corresponsáveis pelas ofertas”, afirmou Britto.
Para ele, a plataforma “deveria ter mecanismos para inibir esse tipo de situação”. Ainda assim, responsabilizar o site pode não ser suficiente, já que os usuários podem levar a oferta para outros serviços.
Mesmo no caso dos hotéis e pousadas, segundo o jurista, pode ser complicado chegar a uma interpretação jurídica sobre qual deve ser o limite do aumento o preço da hospedagem durante um evento como a COP.
Ele ressalta que muitos dos anfitriões e imóveis são novos na plataforma e não têm nenhuma avaliação, o que indica tratar-se de pessoas que estão aproveitando a oportunidade para colocar seus imóveis para aluguel temporário pela primeira vez.
Segundo Britto, esta pode ser uma situação propícia para golpes, e é recomendável ter atenção aos mecanismos de checagem das plataformas para identificar anúncios fraudulentos e manter registros para facilitar a responsabilização delas caso haja problemas.
A conta vai fechar?
Segundo o governo do Estado, a estratégia de ampliar a oferta de hospedagem contará ainda com “tendas climatizadas, vilas militares, espaço para comunidades indígenas e construções modulares de alto padrão, que serão transformadas em centro administrativo depois da COP”.
O governo federal afirma em canais oficiais estar criando mais de 26 mil novas acomodações para o evento.
O cálculo é de que os cruzeiros comportem cerca de 4,5 mil leitos, os novos hotéis mais de mil, as acomodações das Forças Armadas aproximadamente 2,3 mil e que as escolas adaptadas abriguem mais de 5 mil pessoas. Mas a previsão da oferta gerada pelo aluguel de casas e apartamentos por temporada ainda é expressiva, com expectativa de 11,5 mil leitos disponibilizados nesse formato.
A administração estadual cita ainda incentivos à modernização das instalações da rede hoteleira com a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) ao segmento nas compras de equipamentos como frigobar, televisão, ar-condicionado e mobiliário e linha de crédito em parceria com o Banpará para toda a cadeia do turismo, incluindo bares e restaurantes, para investir na requalificação dos negócios.
Já o governo federal afirma ter destinado R$ 172 milhões do Fundo Geral de Turismo (Fungetur) para qualificar e ampliar a rede hoteleira de Belém, além dos serviços turísticos.