Prefeito quer acabar com trólebus em SP: vale a pena abandonar ônibus ligados à rede elétrica?

Para, Nunes sistema é antigo e custa R$ 30 milhões por ano em manutenção; especialistas fazem ressalvas, dizem que modelo não é obsoleto e veem desafio na eletrificação da frota

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Atualização:

Modelo septuagenário e ainda na ativa, o trólebus pode estar perto do ponto final nas ruas de São Paulo. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que pretende eliminar os ônibus com hastes ligadas à rede elétrica porque o sistema é antigo e tem gastos de manutenção altos.

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O sistema trólebus é composto por uma frota de 201 veículos divididos em dez linhas. Com uma extensão da rede elétrica de contato de 168,42 km, o moda transporta 8 milhões de passageiros por mês. “Quero tirar aquilo lá. A gente gasta R$30 milhões de manutenção por ano porque é velho, é antigo”, disse Nunes, em entrevista à Rádio CBN.

Para os que veem nisso uma medida acertada, ficam a lembrança dos ônibus parados com motoristas tentando reconectar o veículo à fiação cada vez que as hastes se soltam. Mesmo nos trólebus mais novos, isso ainda pode ocorrer e até causar acidentes, além de custarem até o dobro de um ônibus normal.

Para os que pensam o oposto, vale lembrar que os trólebus, que começaram a rodar em 1949 em São Paulo, ainda são mantidos em países da Europa e nos Estados Unidos. E que os modelos mais novos que rodam em São Paulo têm baterias que garantem aos veículos trafegar mesmo fora da rede.

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Menores do que as baterias dos ônibus 100% elétricos, as dos veículos ligados à fiação representam também menores problemas de descarte final da vida útil. O preço, apesar de maior, pode ser abatido com a economia de combustível.

Trólebus em São Paulo começaram a rodar na cidade em 1949 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O ponto principal, no entanto, é mesmo a adequação à questão ambiental. Segundo o prefeito, que promete colocar nas ruas cerca de 2 mil novos veículos elétricos até o final do ano que vem, 62% das emissões de gases de efeito estufa, principalmente dióxido de carbono (CO2) na cidade vêm dos cerca de 7 milhões de veículos que circulam por São Paulo. Metade disso é resultado da queima de combustível fóssil dos ônibus movidos à diesel.

Em novembro de 2021, em Glasgow, na Cúpula do Clima, a COP-26, o governo federal se comprometeu a cortar 50% das emissões até 2030, mas avançou pouco no cumprimento dessa meta. No mesmo ano, no entanto, o Brasil bateu recorde de emissões em 19 anos.

As concessionárias de transporte coletivo de São Paulo já encomendaram 2.292 novos ônibus 100% elétricos. O objetivo é cumprir a lei que determina que a frota da capital tenha ao menos 2,6 mil ônibus elétricos até 2024. A medida foi anunciada em outubro de 2022.

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E, apesar da intenção de Nunes de colocar um ponto final na história dos trólebus em São Paulo, a Prefeitura abriu uma licitação para escolher empresa responsável pela manutenção e melhorias na rede de alimentação dos veículos. O sistema é composto por 24 Estações Transformadoras Retificadoras (ETR) instaladas ao longo das vias. Nelas a energia é transformada e retificada para que possa ser utilizada na alimentação dos trólebus. Entre outras obrigações, a empresa vencedora ficará responsável pelos cuidados com essa rede e com o Centro de Controle de Energia, 24 horas por dia.

“Precisamos avaliar os motivos. Qual o impacto desse modal hoje? É usado, por exemplo, de forma alternativa ao metrô, de forma complementar?”, diz Max Filipe Silva Gonçalves, professor da Escola de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “O que ele traz de resultados?”

Um dos efeitos pode parecer menos importante, mas tem impacto evidente. “Uma grande vantagem é o ruído que os veículos à diesel fazem e o trólebus, não. Isso traz conforto para os moradores da cidade”, diz o professor.

Há ainda outra questão. Se as concessionárias - que operam as linhas por onde trafegam os cerca de 12 mil ônibus de São Paulo - devem eletrificar a frota gradativamente, por que não manter os trólebus? Diferentemente dos ônibus elétricos, que utilizam baterias maiores, o trólebus usa uma bateria pequena, mais fácil de carregar e mais barata e que permite ao veículo rodar fora da rede em caso de necessidade.

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Recarga de ônibus elétricos é desafio

Para Luiz Carlos Néspoli, Superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), os trólebus estão longe de ser um tecnologia superada. “Não é possível dizer que é obsoleto. É um modelo totalmente equacionado e de conhecimento dominado”, afirma.

A ANTP, diz Néspoli, apoia a eletrificação da frota, mas não descarta os trólebus do cardápio de opções para isso. Segundo ele, o processo de substituição de veículos de transporte coletivo a diesel por elétricos é um processo em marcha, mas que ainda terá grandes desafios e respostas a dar.

“Não é fácil fazer a recarga de uma frota de ônibus elétricos em uma garagem na periferia da cidade. As concessionárias terão suas subestações, linhões diretos? Há uma infraestrutura que precisa ser instalada”, afirma ele. “Um ônibus a diesel é reabastecido em 15 minutos. Um elétrico pode levar três, quatro horas.”

Há também outros pontos operacionais e de financiamento. Segundo ele, os ônibus movidos a bateria podem ter menor rendimento quando são obrigados a rodar em velocidades muito menores, como as do trânsito paulistano. “Não é um sistema de operação ainda totalmente conhecido”, afirma.

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De acordo com Gonçalves, também é preciso analisar os diferentes fatores e aspectos para que as decisões sejam tomadas. “O custo da operação, o impacto disso na saúde dos cidadãos, no meio ambiente, o valor contratual, tudo isso tem que ser pesado”, diz.

Não só isso, a comunicação do que e como foi decidido para a população é também fundamental. “Um trólebus não tem combustão, mas quanto preciso gerar de energia, quais as emissões necessárias para isso? E tem também a questão do resíduo, da bateria, em quanto tempo fica obsoleta, o que é feito com ela?”

Prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), quer acabar com trólebus em São Paulo; eles começaram a rodar na cidade em 1949 Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO  Foto: Tiago Queiroz

Prioridade é substituir ônibus a diesel, diz Prefeitura

Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirma, por meio da SPTrans, que “a prioridade e o que está sendo feito no momento é a substituição dos ônibus a diesel.”

Segundo o Executivo paulistano, até agora as empresas concessionárias apresentaram pedidos para a produção de 2.292 ônibus elétricos. “A previsão atualizada considera a capacidade produtiva do mercado em atender a demanda existente. A meta da gestão é que 20% da frota seja composta por ônibus elétricos até o fim de 2024″, afirma.

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“A frota de trólebus é composta por 201 veículos que serão substituídos, conforme a idade útil do veículo, por ônibus mais modernos. Cada veículo elétrico deixa de emitir anualmente 106 toneladas de CO2”, diz em nota.

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