Presença humana é essencial para conservar os biomas

Entrevista com Lauren Cullen Jr, um restaurador da Mata Atlântica

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Por Maurício Oliveira

Descendente de norte-americanos que vieram para o Brasil depois da Guerra Civil dos Estados Unidos e fundaram a cidade de Americana (SP), Laury Cullen Jr., 56 anos, acompanhou de perto a evolução do conceito de bioeconomia. Ele era um jovem recém-egresso do curso de Engenharia Florestal quando conheceu o casal Cláudio e Suzana Pádua, que fazia pesquisas no Pontal do Paranapanema com o mico-leão-preto, espécie ameaçada de extinção. Passou a atuar no projeto como estagiário e, em 1992, tornou-se um dos fundadores do Instituto de Pesquisas Ecológicas, o IPÊ.

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Como o conceito de bioeconomia amadureceu dentro do IPÊ?

Quando o IPÊ surgiu, achamos que íamos salvar o mico-leão-preto sem olhar para o contexto, só cuidando do macaquinho. Logo percebemos que precisaríamos ser muito mais arrojados e promover a restauração da paisagem em larga escala, levando em conta o tripé clima, comunidade e biodiversidade. Isso implicaria considerar várias outras espécies e a presença humana. Essa é a visão que temos amadurecido desde então. Hoje fala-se muito em nature-based solutions, soluções baseadas na natureza, mas eu defendo mudar esse termo para people-based solutions, soluções baseadas nas pessoas. A maior parte do que a gente conseguiu, em termos de conservação em larga escala, foi pela parceria com as pessoas. São três décadas construindo relações de confiança, trabalho que exige muita presença no território.

Visão sistêmica vem recuperando a Mata Atlântica na região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo Foto: Instituto Ipê

O que causou essa mudança de visão?

Entrar em contato com a realidade. Quando os primeiros assentados da reforma agrária chegaram ao Pontal do Paranapanema, em meados da década de 1980, a gente, que morava na região e se preocupava com o meio ambiente, dizia uns aos outros: “Esse vai ser o golpe de misericórdia, não vai sobrar nada! Imagina só, adensamento urbano e reforma agrária bem ao lado dos últimos fragmentos da Mata Atlântica!” Que tontos, que ingênuos éramos! Muito da transformação que aconteceu desde então, incluindo quase todos os serviços de restauração que temos hoje, vieram dos empreendedores da agricultura familiar. Grande parte da geração de renda de base comunitária está sendo feita por meio desse processo que prefiro chamar de “soluções baseadas em pessoas”.

 Foto: Acervo

O IPÊ começou atuando na Mata Atlântica e depois expandiu seus projetos para a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Cada um desses biomas é um mundo à parte, mas o que eles têm em comum?

Insisto na resposta: são as pessoas. Essa é a liga do nosso trabalho nesses diferentes biomas. Cada um deles abriga espécies e características físicas peculiares, mas todos têm suas comunidades, conhecimentos tradicionais, ótimas lideranças e bons empreendedores, elementos para que ocorra uma transformação em larga escala. Bem orientadas e engajadas, as pessoas resolvem. Hoje temos ex-sem-terras dentro de grandes fazendas promovendo restauração, e não ocupação.

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Logo percebemos que precisaríamos ser muito mais arrojados e promover a restauração da paisagem em larga escala, levando em conta o tripé clima, comunidade e biodiversidade’, Laury Cullen Jr.

Você acredita que a bioeconomia vai cumprir todo o potencial que se espera dela aqui no Brasil?

Minha visão é enviesada para a restauração, mas essa segmentação já é mais do que suficiente para acreditar numa grande expansão da bioeconomia. A gente gera 200 empregos para cada 1.000 hectares que restaura, e hoje temos pelo menos 20 milhões de hectares que podem ser restaurados no país. São quatro milhões de empregos em potencial, portanto. Olhando para a mesma questão sob outro prisma: para cada US$ 1 milhão que a gente investe na bioeconomia baseada em restauração, 30 empregos são gerados – isso é cinco vezes mais que a indústria do gás e do petróleo.

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Como fazer esse trabalho ganhar escala rapidamente?

Outro dia fomos visitar a silvicultura. Eles conseguem plantar 1.000 hectares de eucalipto num só dia. A gente planta 1.000 hectares de espécies nativas em um ano. São coisas bem diferentes, mas certamente há um gap grande aí. Voltamos de lá convencidos de que é possível escalar a restauração. É só ter mais empresas envolvidas, mais gente, um pouco mais de tecnologia e inovação...

E o financiamento? Restauração não é um processo caro?

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Posso assegurar que recursos financeiros para bons projetos não faltam. Há financiamentos internacionais e ferramentas como o programa Nascentes, do governo de São Paulo, uma espécie de “tinder” da restauração, que coloca em contato quem sabe restaurar com quem precisa restaurar, para cumprir obrigações de licenciamento, de compensação, atenuante de multas. Há também muitas perspectivas decorrentes do mercado de carbono, que está com o olho afinado para bons projetos. O maior problema é a insegurança jurídica. Leis e regras que estão sempre sob ameaça de mudança e atrapalham o planejamento de longo prazo. Os fazendeiros ficam em dúvida: faço ou não faço? Quando a gente conseguir dar mais segurança a todas as partes, a bioeconomia vai deslanchar.

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