A emissão de gases do efeito estufa, e de outros poluentes que afetam a qualidade do ar, voltou a crescer no setor elétrico brasileiro. Com menos água nos reservatórios das hidrelétricas, a produção de energia por meio da queima de combustíveis mais do que dobrou de janeiro a agosto deste ano – foi de 5,9 mil a 12,6 mil gigawatts/hora (GWh) em oito meses, acumulando 67,5 mil Gwh nesse período. Entre 2015 e 2016, houve diminuição de 27% por causa da crise econômica, passando de 139 mil GWh para 101,5 mil GWh.
Na semana passada, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), ligado ao Ministério de Minas e Energia, decidiu retomar a operação de três usinas termelétricas que estavam paradas – Araucária, no Paraná; Cuiabá, no Mato Grosso; e Termonorte II, em Rondônia. Ao mesmo tempo, o comitê também anunciou que pode ampliar a importação de energia da Argentina e Uruguai “como medida alternativa”, e que usinas mais caras não devem ser reativadas por enquanto. A importação dependerá das avaliações semanais do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O aumento na produção das termelétricas, em sua maioria movidas a gás natural, não é resultado apenas da estiagem. Atrasos em obras de geração hidrelétrica, usinas eólicas, linhas de transmissão e a alta no consumo durante as últimas duas décadas fizeram com que o combustível fóssil se tornasse a nova “bateria” do sistema elétrico brasileiro, ou seja, um backup, no lugar das reservas de água em barragens.
As usinas hidráulicas eram responsáveis por 93% da geração de energia no País em 1990, mas hoje produzem só cerca de 62% do total. No mesmo período, a geração térmica cresceu de 4% a 23%, acompanhada pelo crescimento da demanda. Segundo especialistas, no começo da década de 90 os reservatórios tinham água suficiente para iluminar o Brasil por cinco anos. Hoje, o estoque equivale a apenas cinco meses de consumo.
“Essa realidade vem mudando historicamente por vários motivos”, diz o coordenador da iniviativa de energia elétrica do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), Munir Soares. “Em primeiro lugar porque construir hidrelétrica com reservatório custa muito caro, e em segundo por causa das pressões sociais e ambientais. Não é possível mais manter essa prática, dados os anseios que a sociedade tem hoje.”
Poluição. O impacto ambiental das termelétricas interfere tanto na qualidade do ar quanto da água. As chaminés expelem gás carbônico ou equivalentes – que contribuem para o efeito estufa –, fumaça com partículas sólidas que podem causar doenças respiratórias e gases que aumentam a acidez da chuva. As quantidades variam de acordo com o tipo de combustível utilizado na usina. Além disso, as instalações também utilizam água do mar, de rios e de lençóis freáticos para resfriar as caldeiras. A água é devolvida ao meio ambiente a temperaturas mais elevadas, o que afeta a vida marinha e o ecossistema de rios.
“A questão é a escolha do combustível”, explica a analista de projetos do Iema, Aline Silva. “O carvão emite muito mais gás de efeito estufa para gerar a mesma energia que o gás natural.”
Em 2016, a geração de energia com a queima de gás natural, petróleo e carvão mineral gerou cerca de 42 milhões de toneladas de CO2 ou equivalente. Para cada GWh gerado, foram cerca de 49 toneladas, segundo levantamento do Observatório do Clima.
De acordo com o último relatório nacional da entidade, as termelétricas foram responsáveis por 15% das emissões de todo o setor de Energia – que inclui transportes, indústria e produção de combustíveis. O valor corresponde a cerca de 3% das emissões totais do País em 2015, segundo a Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia.
As usinas têm equipamentos que diminuem as emissões de óxidos de enxofre e nitrogênio, que causam chuva ácida, e de partículas sólidas no ar. Para os gases de efeito estufa, no entanto, não há mecanismos de controle implementados no mercado.
Em agosto deste ano, a produção das termelétricas atingiu o maior valor já registrado desde que a série histórica teve início, em 1990, segundo dados do ONS. O resultado (12.655 GWh) é ligeiramente maior que o patamar de junho de 2015, o maior até então (12.612 GWh).
Futuro. Apesar da participação relativamente baixa no total de emissões de CO2, as termelétricas devem manter sua participação significativa na matriz energética, segundo todos os especialistas consultados pela reportagem. As opiniões divergem sobre o tempo em que essa situação deve se manter, e qual será a configuração final do sistema ao fim desse período com altas taxas de emissões atmosféricas.
Para o presidente da Associação Brasileira de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), Alexandre Moana, o Brasil deve ficar cada vez mais dependente da queima de combustíveis nos próximos anos. Isso deve ocorrer, segundo ele, mesmo com o aumento da geração eólica e solar.
“Como nós não temos ‘bateria’, algum tipo de energia precisa ficar de backup para quando o sol se pôr, ou quando o vento parar de soprar”, diz Moana, que defende mais eficiência e economia no uso de energia. Ele diz que o desperdício é ainda mais prejudicial quando a geração é feita por fontes poluentes, porque representa emissões atmosféricas que poderiam ser evitadas.“A eficiência repercute diretamente na questão ambiental, porque hoje acaba em uma fonte suja”, afirma.
Entre os mais otimistas, há quem aposte no crescimento das usinas movidas a biomassa, que poderiam ocupar parte do espaço do gás natural, carvão mineral e petróleo. “No planejamento de médio prazo, ainda vislumbramos que as termelétricas terão papel importante na matriz”, diz o superintendente de Planejamento da Geração da EPE, Jorge Trinkenreich. “Não podemos deixar de citar o importante papel das PCH (pequenas centrais hidrelétricas) e das termelétricas movidas à biomassa, tanto a bagaço de cana quanto das florestas energéticas.”
Especialistas do Iema concordam, mas ressaltam que é necessário aumentar o investimento na geração de energia renovável logo. Para eles, é preciso criar condições para que o sistema de energia receba quantidades maiores de energia solar e eólica, além de explorar o potencial das térmicas movidas a biomassa. Nesse cenário, os reservatórios das hidrelétricas poderiam voltar a trabalhar como a “bateria” do sistema.
“A crise econômica trouxe um respiro, uma possibilidade de o Brasil repensar o desenvolvimento da sua matriz elétrica”, diz Munir Soares, do Iema. “A entrada da energia eólica já mitigou o impacto que a gente teria. Sem ela, a gente teria um aumento maior ainda das emissões.”
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