Até que ponto vai a resiliência dos seres vivos diante das mudanças climáticas? Cientistas brasileiros, em parceria com colegas canadenses, utilizaram pela primeira vez o sequenciamento genético para estudar como esses fenômenos afetaram a população de um grupo de aves endêmicas da Floresta Amazônica.
Em artigo publicado na revista científica Ecology and Evolution, eles mostram como linhagens de aves do gênero Willisornis, residentes no sul, sudeste e leste da Amazônia, têm menor diversidade genética e padrões de flutuação populacional mais variados em relação a grupos de outras regiões do bioma. Isto indica reduções bruscas no tamanho da população e fortes eventos de migração nos últimos milênios. Por outro lado, mesmo com baixa variabilidade genética, as populações do sul e sudeste da Amazônia foram capazes de resistir às perturbações climáticas na floresta tropical.
Os pesquisadores sequenciaram o genoma completo de nove indivíduos pertencentes a diferentes grupos do Willisornis, um passarinho considerado bioindicador natural da floresta, endêmico da região amazônica, também conhecido como “rendadinhos” ou “formigueiros”.
E encontraram marcações nos genomas desses animais que, como se fossem uma “cápsula do tempo”, foram associadas aos períodos de expansão e retração natural da cobertura vegetal da Floresta Amazônica, num intervalo de 400 mil anos. “Esse estudo foi o comecinho. Temos mais de 150 genomas dessa mesma espécie ainda para estudar. Precisamos descobrir quais são os genes responsáveis pela resiliência, entender o que causa, tendo agora esse conhecimento de como a resiliência opera em nível genômico”, disse ao Estadão Alexandre Aleixo, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV-DS) e autor líder do estudo.
Ele afirma que, concomitantemente, a equipe está começando a trabalhar com espécies de valor bioeconômico na Amazônia, como a castanha do Pará, o cacau e o açaí. “Assim como as aves, são espécies muito sensíveis a essas questões de diminuição de chuvas na Amazônia e redução do tamanho da floresta, que nunca foi tão intensa.”
Alexandre Aleixo explica que a Amazônia é como uma “sanfona”, que se expande e contrai dependendo do clima, especialmente as regiões sul e sudeste da floresta. Essa “faixa de sanfona” passa por mudanças significativas durante períodos secos, quando a floresta úmida se converte em ambientes abertos, como cerrados. “Quando tem floresta, as populações dessa ave se instalam e, quando não tem, desaparecem ou diminuem bastante”, completa.
Além do Instituto Tecnológico Vale – Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), participaram do projeto o Laboratório Nacional de Computação Científica e de universidades como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a Universidade Federal do Pará (UFPA) em colaboração com a Universidade de Toronto, no Canadá.
O artigo contextualiza que a floresta tropical no sul e no leste da Amazônia está, atualmente, próxima de seus limites climáticos e que um aquecimento global de 3 a 4°C poderia representar uma nova mudança para um ambiente de vegetação aberta, fenômeno batizado de “ponto de não retorno” (ou tipping point) da floresta. Aleixo explica que as pesquisas genéticas também podem contribuir para estratégias de conservação.
”Podemos encontrar no genoma das populações que sobreviveram às mudanças climáticas passadas características que permitam que elas resistam às mudanças futuras, assim como identificar grupos mais diversos que podem ser matrizes para reintrodução em outros locais”, diz o autor.
Assim, o estudo ainda abre caminho para novas investigações sobre o efeito das mudanças climáticas e da cobertura vegetal na história genética dos seres vivos. O pesquisador pontua que o grupo já está em contato com outras instituições de pesquisa para desenvolver trabalhos mais amplos, levando em conta também outras espécies como répteis e plantas, por exemplo.
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Uma grande questão é: com o sequenciamento de DNA, será possível identificar se os seres humanos também serão resilientes às mudanças climáticas atuais, que têm como agravante a poluição e os impactos gerados pela ação humana no pós-revolução industrial? Os cientistas acreditam que sim.
“Sobre transportar essa técnica para o futuro, existe como sim. A gente já tem técnicas para saber como vai ser a diversidade genética dos seres vivos no futuro e como elas estarão adaptadas ou não para as mudanças climáticas. Mas, para isso, precisamos de centenas de indivíduos e muito mais dados de genomas, que estamos ainda produzindo esses dados”, disse ao Estadão o professor da Universidade Federal da Paraíba e coautor da pesquisa, Jeronymo Dalapicolla.
Segundo ele, que é pós-doutor em Biologia, trabalhos como esse funcionam como uma referência, uma régua de como as mudanças climáticas no passado, sem a interferência do homem ocidental industrial, afetaram a biodiversidade. “Com isso a gente consegue dizer se o que estamos vendo hoje em dia, por exemplo, espécies sendo extintas, diminuição do tamanho das populações (número de indivíduos), perda da diversidade genética seria um processo similar aos demais do passado, ou se o ser humano está acelerando essas mudanças”, disse.
Dalapicolla explica ainda que as mudanças climáticas atuais começaram a ser sentidas apenas no pós segunda guerra mundial, mas são de bem antes, com a Revolução Industrial. E as mudanças nessa região do arco de desmatamento são mais recentes ainda. “Até que nível de perda de habitat e perturbações esses seres vivos aguentam, como se fosse um limiar e um limite de tolerância e em um espaço de tempo longo, estamos falando de centenas de milhares de anos.”
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