Qual foi a reação à nova meta climática do Brasil?

País foi um dos primeiros a apresentarem novos objetivos durante a COP-29, no Azerbaijão

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ENVIADAS ESPECIAIS A BAKU - A nova meta de redução de emissões de gases do efeito estufa (NDC na sigla em inglês) teve recepção mista após ser entregue à Organização das Nações Unidas (ONU) nesta quarta-feira, 13, na Cúpula do Clima (COP-29), em Baku, no Azerbaijão. Parte dos especialistas avalia que a base da meta seria razoável, mas não ao ponto de ser “revolucionária”, considerando o amplo uso do termo “ambicioso” por representantes do governo nos últimos dias, Além disso, foi vista por grande parcela dos analistas como insuficiente diante do desejo do Brasil de protagonismo na agenda climática internacional.

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Uma das ressalvas é de que o documento daria margem para que o País não cumpra o desejado desmatamento zero até 2030, que é o prazo definido da NDC, por exemplo.

A nova meta é de redução da emissão líquida dos gases do efeito estufa de 59% a 67%. Essa margem também motivou controvérsia, por ser considerada ampla, enquanto o governo entende que é prudente diante do cenário de incertezas (político, econômico, tecnológico, ambiental) mundial.

Na ONU, o principal chefe de clima, Simon Stiell, elogiou a proposta nas redes sociais. “Com esse novo plano nacional, o Brasil está à frente na entrega de ações climáticas, como o país que se prepara para sediar a COP-30, no ano que vem”, disse ele em postagem nas redes sociais.

Vista aérea de área desmatada na Amazônia Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 24/10/2023

Secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini considera que a NDC brasileira foi veiculada em uma velocidade ótima, mas que poderia ser melhor. “O Brasil quer ser líder. Não igual a todo mundo”, diz.

Para ele, ficará mais claro o tamanho da ambição quando mais nações entregarem suas novas metas. Por enquanto, foram Reino Unido e Emirados Árabes Unidos. “Pode estar ligeiramente na média, pode ser melhor do que a dos outros, mas não é revolucionária”, avalia.

Além disso, considera que o discurso brasileiro está mais otimista do que o previsto de fato no documento, pois se tem salientado os 67%, embora o compromisso, no papel, possa ser entendido como de 59%, na prática. “É a mesma coisa que pagar um boleto. Se estiver escrito que é de R$ 200 a R$ 300 de dívida. O que pagar entre isso está pago”, compara.

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O Observatório também tem considerado que a meta dá uma margem significativa para a continuidade de uma parte do desmatamento, mesmo que com queda, enquanto se deseja zerar esse índice. Por outro lado, o Instituto Talanoa avalia que a meta mostra que o “Brasil está pronto para se posicionar como um líder climático entre as nações produtoras de petróleo, gás e carvão”, mas que é preciso resolver algumas ambiguidades (como o intervalo de 59% a 67%).

Para a instituição, o Brasil acertou por ter incluído todos os gases do efeito estufa, o que não é feito na atual NDC de diversos países. Avalia, contudo, que “faltam compromissos mensuráveis com prazos e mecanismos específicos para monitoramento independente”.

Já o movimento 350 chamou de “louvável” a linguagem utilizada pelo País em direção ao afastamento dos combustíveis fósseis. Mas também destacou que “ações muito maiores em direção à eliminação gradual dos combustíveis fósseis são necessárias para que ela esteja alinhada ao aquecimento global de 1,5 °C.”

Para a organização, a meta de 67% é “aceitável”, enquanto a de 59% “carece de ambição” e não se alinharia com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos padrões pré-industriais. Já o governo tem destacado que não é um padrão único de mensuração de quais metas se encaixam ou não dentro desse objetivo e que a nova NDC estaria sim dentro dessa margem.

Além disso, essa margem daria mais segurança diante do cenário de incerteza e, também, para mecanismos de obtenção de recursos, como o “mercado de carbono”, em que esse “excedente” acima da meta poderia ser vendido no mercado e reaplicado em políticas voltadas ao ambiente, por exemplo. “O Brasil quer e consegue uma meta mais ambiciosa, mas tem incertezas (no cenário futuro mundial) e seria irresponsável não computar (em parte)”, justifica a secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni.

Já a WRI Brasil definiu que a nova meta vai de “razoável” a “insuficiente”, no caso de 59%. “O anúncio do intervalo com tanta margem de impacto sobre a contribuição do País lança incertezas sobre a real trajetória a ser buscada pelo governo”, avaliou em comunicado veiculado logo após o anúncio.

O que diz o documento da nova meta

No documento, o País menciona extremos climáticos neste ano e no ano passado, como as enchentes e enxurradas no Rio Grande do Sul e a seca extrema na Amazônia, além de citar incêndios florestais na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. “Os mais afetados nesses tristes episódios têm sido segmentos vulneráveis da população, o que reforça a necessidade de resposta do Estado brasileiro via aceleração da implementação do projeto de país consagrado na Constituição”, diz o documento.

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O Brasil defende que “embora coerente com suas circunstâncias e capacidades nacionais”, o nível de ambição da NDC seria “muito mais elevado do que o que corresponderia à capacidade socioeconômica e à responsabilidade relativa marginal do Brasil pelo aumento da temperatura média global”, ressaltando o papel histórico das nações ricas para a crise climática.

Nesse aspecto, diz que um dos principais instrumentos será a restauração em larga escala da vegetação nativa. “A restauração florestal tem o potencial imediato de permitir a remoção maciça de gases de efeito estufa da atmosfera, contribuindo assim para a estabilização de suas concentrações”, diz em trecho, no qual chama recursos estrangeiros e fala que, para restaurar mais de 24 milhões de hectares, são estimados cerca de R$ 200 bilhões.

Por outro lado, aponta que o cumprimento depende de fatores externos, inclusive da própria cooperação mundial. “Em cenário internacional favorável, de crescimento exponencial da cooperação e difusão tecnológicas, o Brasil poderá alcançar o nível mais alto de suas ambições climáticas. Cenário de fragmentação da cooperação internacional, por outro lado, poderia se impor como limitação ao potencial brasileiro de contribuir com os objetivos da UNFCCC e do seu Acordo de Paris”, pondera.

Fala-se na urgência na superação da desigualdade socioeconômica e na importância de desenvolvimento da “resiliência e ambição climática”. Também é destacado que se trata de um esforço não só do governo, mas que também precisa envolver toda a sociedade e economia brasileiras. “Nossa visão de país para 2035 é de ‘Justiça Climática’”, salienta.

O documento fala de uma aproximação das transformações digitais e da bioeconomia com a transformação ecológica, “em uma só revolução”. “Ao regenerarmos nós mesmos, nosso tecido social e modelo econômico, nos reconectaremos com nossa ancestralidade, alçando o Brasil à sua vocação de potência agropecuária-florestal, energeticamente limpa e neoindustrial”, pontua.

O hino nacional também é mencionado em um trecho que busca ressaltar o que seria um protagonismo do País na agenda ambiental. “Gigante pela própria natureza, fundamentalmente criativo e diverso em sua essência, o Brasil se identifica na vanguarda”, cita. “Ao preparar, comunicar e implementar sua nova NDC, o Brasil reafirma seu compromisso com a melhor ciência disponível”, diz em outro trecho.

Além disso, indica que a definição da meta teria como base uma modelagem desenvolvida a partir de um modelo desenvolvido pela UFRJ, de modo a manter a meta de aquecimento a 1,5ºC e a caminho da neutralidade climática até 2050. “Como resultado, foram construídas trajetórias de emissões futuras para alcançar as metas climáticas nacionais já estabelecidas para 2025, 2030 e 2050, com maior custo-efetividade para a economia como um todo”, explicou. A ferramenta teria considerado projeções e sem desmatamento zero.

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Também apontou que estabelecerá um sistema nacional de transparência (DataClima+), que poderá reunir informações variadas e servir de insumo para a tomada de decisões. Além disso, aponta que os caminhos foram delineados a partir da recém-concluída Avaliação das Necessidades Tecnológicas para Implementação de Planos de Ação Climática no Brasil, a qual apontou setores prioritários e tecnologias-chave para o cumprimento das metas:

  • incorporação e desenvolvimento de tecnologias relacionadas a energia solar fotovoltaica flutuante;
  • veículos híbridos flex;
  • veículos elétricos (pilha, combustível, etanol);
  • aproveitamento de resíduos agrícolas e agroindustriais;
  • fogões solares fotovoltaicos com indução;
  • materiais inovadores para cimento;
  • agricultura de precisão;
  • melhoramento genético animal na pecuária bovina de corte;
  • silvicultura e melhoramento genético de espécies nativas;
  • silvicultura com plantios mistos para restauração; e monitoramento por satélite.

No caso de outras ações de mitigação e adaptação climática, são mencionadas a necessidade de desenvolver e transferir tecnologias. Nesse contexto, convida “atores internacionais para parcerias e investimentos no país nestas e em outras áreas”. São elas:

  • quantificação das reduções de emissões de gases de efeito estufa por cadeia produtiva;
  • fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico;
  • aprimoramento do sistema de monitoramento, reporte e verificação de emissões;
  • geração de informações por meio de modelagem climática, de trajetória de emissões de gases de efeito estufa e econômica;
  • implementação de alternativas de adaptação que não intensifiquem as desigualdades socioeconômicas estruturais existentes no país;
  • incorporação de novos modelos de infraestrutura sustentáveis; sistematização de monitoramento e análises de impactos e riscos climáticos.

Além disso, o documento observa que há “volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade no desenho de cenários futuros”. Por isso, o “Brasil pondera que a extensão da implementação de sua ambição climática dependerá de fatores imprevisíveis que poderão emergir na próxima década até 2035, tanto nacional como internacionalmente”. Dentre eles, estão os níveis de cooperação global, de investimentos e de desenvolvimento e difusão tecnológicos.

Para a execução, aponta a importância do novo Plano Clima, que está em desenvolvimento, o qual incluirá detalhamentos, tais como: a Estratégia Nacional de Adaptação, com dezesseis planos setoriais (agricultura e pecuária, cidades, indústria, energia, igualdade racial e combate ao racismo, saúde, oceanos e zonas costeiras — pela primeira vez — e outros); a Estratégia Nacional de Mitigação, com sete planos setoriais de mitigação; e a Estratégia Transversal (prevista para meados de 2025) — que incluirá transição justa, impactos socioambientais, meios de implementação, educação, capacitação, pesquisa, desenvolvimento e capacidade de inovação, e monitoramento, gestão, avaliação e transparência.

“Seu objetivo geral é orientar, promover, catalisar e monitorar ações coordenadas que visem à transição para uma economia com emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050 e à adaptação de sistemas humanos e naturais à mudança do clima, por meio de estratégias de curto, médio e longo prazo, à luz do desenvolvimento sustentável e da justiça climática”, pontua.

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Também menciona o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial para o período de 2024 a 2028, no qual reconhece a tecnologia como “capaz de alavancar o desenvolvimento social e econômico do Brasil”. Para tanto, diz que poderá acolher “colaboração internacional, de atores públicos e privados, para a construção de capacidades tecnológicas endógenas”.

Ao tratar do Plano de Transformação Ecológica (PTE), novamente convida a comunidade internacional e atores não estatais a “contribuírem com o esforço brasileiro mediante recursos financeiros, tecnológicos e de capacitação”. Dentre os instrumentos financeiros previstos, estão: títulos soberanos sustentáveis, Fundo Clima, o “Imposto Seletivo” (sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, previsto na Reforma Tributária), comércio de emissões (mercado de carbono) e outros.

Combustíveis fósseis e agro

O texto aborda a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, “de maneira justa, ordenada e equitativa, com os países desenvolvidos assumindo a dianteira, com base na melhor ciência disponível e refletindo a equidade e o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e as respectivas capacidades à luz das diferentes circunstâncias nacionais, no contexto do desenvolvimento sustentável e dos esforços para erradicada”.

Nesse âmbito, defende a “substituição gradual do uso de combustíveis fósseis por soluções de eletrificação e biocombustíveis avançados, bem como a expansão da produção de biocombustíveis associados à captura e ao armazenamento de carbono para atender à demanda por emissões negativas”. “A escolha de substituir os combustíveis fósseis por biocombustíveis potencialmente permite o desenvolvimento, a médio e longo prazo, de rotas tecnológicas de biocombustíveis associadas à captura e armazenamento de carbono para produzir emissões negativas. Isso dependerá, no entanto, da viabilidade econômica e técnica dessas novas tecnologias a médio e longo prazo”, completa.

Para os próximos 10 anos, destaca a necessidade de “manutenção dos anúncios de investimentos na expansão da rede de transmissão de energia do país” e “internalização de novas soluções tecnológicas para atender aos requisitos de potência e flexibilidade do sistema (como baterias estacionárias e outras tecnologias de armazenamento) no horizonte de médio prazo”.

No setor agropecuário, o documento defende que o País pode ser um setor com atuação sustentável, a fim de garantir seguranças alimentar e energética. Para tanto, menciona duas transformações consideradas fundamentais: conversão de novas áreas (prioritariamente pastagens degradadas), “expandindo a área de cultivos em sistemas integrados como integração lavourapecuária e lavoura-pecuária-floresta”, e, também, com ganhos de produtividade por meio da migração para sistemas integrados e aumento de sistemas de alta produtividade.

Emissões mundiais continuam crescendo, diz novo estudo

O anúncio ocorre no mesmo dia em que o Global Carbon Project, feito por cerca de 120 cientistas e ligado especialmente à Universidade de Exeter (Reino Unido) divulgou que as emissões de carbono anuais vão quebrar mais uma vez o recorde mundial, em 2024. O aumento será de 0,8% em relação a 2023, totalizando 37,4 milhões de toneladas de C02, o que agrava ainda mais a crise climática.

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Esse aumento ocorre mesmo com o compromisso de afastamento gradual da exploração de combustíveis fósseis firmado na COP passada. Com a divulgação da nova estimativa na COP 29, o grupo afirmou não ter identificado nenhum sinal significativo de que se chegou ao pico de emissões de carbono a partir de combustíveis fósseis. Por isso, defendeu cortes rápidos e profundos nas emissões.

O novo recorde envolve, também, um crescimento nas emissões por “mudanças no uso da terra”, como desmatamento e queimadas. Um dos motivos atribuídos seriam as secas extremas registradas em diferentes regiões do mundo, aliadas a ondas de calor extremo, agravadas pelo El Niño e as mudanças climáticas.

Esse montante subirá de 40,6 bilhões de toneladas, em 2023, para 41,6 bilhões neste ano. Isso ocorre em um contexto no qual as emissões de fontes fósseis têm crescido, enquanto, na média, as de uso da terra tiveram uma queda de 20% na última década.

Por outro lado, os cientistas reconheceram que há um movimento global gradual de maior adoção de energias renováveis e eletrificação de veículos automotores, porém consideraram que as reduções graduais ocorrem em alguns países, enquanto continuam a crescer em muitos outros.

No caso de combustíveis fósseis, o aumento tende a ser de 2,4% em gás, 0,9% em petróleo e 0,2% em carvão. Respectivamente, isso representa uma contribuição de 21%, 32% e 41% das emissões globais desse segmento. Destacou-se, contudo, que, por se tratarem de projeções, pode-se chegar à conclusão de uma diminuição no caso específico do carvão.

Entre os países, a projeção é de aumento de emissões de 4,6% na Índia e 0,2% na China, enquanto um recuo de 0,6% nos Estados Unidos e 3,8% na União Europeia. Outro aspecto apresentado é que as emissões da aviação e do transporte marinho internacional devem aumentar 7,8%, mas seguem abaixo do nível pré-pandemia. Juntas, representam 3% do total global.

Outro ponto abordado é que o reflorestamento e a criação de novas florestas têm abatido cerca de metade das emissões provenientes do desmatamento. No contexto das emissões por incêndios, destacou-se a ligação com incêndios florestais extremos no Canadá, no ano passado e neste ano, e a seca extrema no Brasil.

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*A repórter Priscila Mengue viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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