WASHINGTON - Enquanto as conversas sobre o clima das Nações Unidas entram em sua última semana no Azerbaijão e os líderes do G-20 se reúnem no Brasil, diplomatas da Arábia Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo, estão trabalhando para frustrar qualquer acordo que renove o compromisso de fazer a transição dos combustíveis fósseis, disseram negociadores.
“Talvez eles tenham sido encorajados pela vitória de Trump, mas eles estão agindo descontroladamente aqui,” afirmou Alden Meyer, associado sênior da E3G, uma organização de pesquisa climática com sede em Londres, que está nas conversas no Azerbaijão. “Eles estão simplesmente sendo uma bola de demolição.”
Os negociadores dizem que tal postura faz parte de uma campanha da Arábia Saudita, que vem ocorrendo ao longo do último ano, para impedir um acordo feito em 2023 por 200 nações para começar o processo de se afastar do petróleo, gás e carvão, cuja queima está esquentando perigosamente o planeta.
A Arábia Saudita foi uma das signatárias desse acordo, mas tem trabalhado desde então para enterrar esse compromisso e garantir que ele não seja repetido em nenhum novo acordo global, de acordo com cinco diplomatas que pediram anonimato para comentar sobre o assunto.
Os os sauditas se opuseram à linguagem de transição em pelo menos cinco resoluções da ONU este ano, disseram os diplomatas: lutaram contra ela em uma conferência nuclear da ONU; em uma cúpula de pequenas nações insulares; durante discussões de um projeto da ONU para enfrentar desafios globais; em uma cúpula de biodiversidade e em uma reunião em outubro de ministros da finanças do Grupo dos 20 países ricos e em desenvolvimento em Washington.
Procurados pela reportagem, funcionários do governo saudita não responderam.
A eleição de Donald Trump lançou uma sombra sobre as negociações climáticas no Azerbaijão, conhecidas como COP-29. Trump prometeu retirar os Estados Unidos da luta global contra a mudança climática e aumentar a produção de combustíveis fósseis dos EUA, que já está em níveis recordes. Isso pode estar encorajando os oficiais sauditas nas atuais conversas climáticas, dizem analistas. No sábado,16, Yasir O. Al-Rumayyan, presidente do conselho na Saudi Aramco, a companhia estatal de petróleo, sentou na primeira fila com Trump em uma luta do UFC no Madison Square Garden em Nova York.
As regras da ONU exigem que qualquer acordo feito nas cúpulas climáticas seja endossado por todas as 198 nações participantes. Isso significa que a Arábia Saudita, ou qualquer outra nação, pode afundar um acordo.
A Arábia Saudita não é o único país resistindo à promessa de uma transição global para longe dos combustíveis fósseis ou retardando o progresso em Baku. Os países devem estabelecer novos objetivos financeiros para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar o aquecimento global, e existem divisões profundas entre nações ricas e pobres sobre como avançar.
Mas diplomatas que participam das discussões a portas fechadas em Baku disseram que a oposição atual da Arábia Saudita era diferente de tudo que eles já viram. Com objeções procedimentais, travaram quase todos os conjuntos de conversas, seja sobre mercados de carbono, descarbonização ou pesquisa científica. Diplomatas sauditas bloquearam textos de negociação, alguns dos quais levaram anos para serem feitos, de avançar e, em pelo menos um caso, recusaram categoricamente a participar das reuniões.
A Arábia Saudita lutou contra os esforços na COP-28 para concordar com a eliminação gradual dos combustíveis fósseis usando táticas como fazer longos discursos que consumiram quase todo o tempo de reunião alocado, e inserir palavras em rascunhos de acordos que foram consideradas pílulas venenosas por outros países.
Eventualmente, sob enorme pressão de pequenas nações insulares e do governo anfitrião, os Emirados Árabes Unidos, os sauditas concordaram com uma linguagem chamando as nações para contribuir para “a transição para longe dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia, de maneira justa, ordenada e equitativa”.
Quase imediatamente, a Arábia Saudita pareceu trabalhar contra a promessa.
Dias após a cúpula, o ministro da energia do reino, Príncipe Abdulaziz bin Salman, declarou que as nações tinham apenas concordado com um “menu à la carte”.
Em uma conferência de minerais em Riad, Salman disse aos participantes que a seção pedindo uma transição também pedia às nações que fizessem várias outras coisas, como triplicar a energia renovável, dobrar medidas de eficiência energética e acelerar a energia nuclear.
“O que conseguimos são escolhas que as pessoas podem escolher,” disse o príncipe.
Seu discurso deu início a um esforço saudita de um ano para garantir que a linguagem de transição não encontrasse seu caminho em qualquer outro fórum.
Quando a Agência Internacional de Energia Atômica realizou uma primeira cúpula nuclear em Bruxelas em Março, delegados sauditas buscaram bloquear qualquer linguagem sobre uma transição energética, de acordo com duas pessoas com conhecimento das discussões.
Durante o mesmo mês, Amin Nasser, o chefe da Saudi Aramco, que é o maior produtor de petróleo do mundo, disse durante um encontro da indústria de petróleo em Houston, “Devemos abandonar a fantasia de eliminar o petróleo e gás.”
A delegação saudita continuou seus esforços em maio em uma reunião da quarta Conferência Internacional sobre Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, disseram diplomatas. Eles foram amplamente bem-sucedidos: a cúpula terminou com uma declaração que referenciava a necessidade de desenvolver energia renovável, mas nada sobre uma transição para longe dos combustíveis fósseis.
Na Cúpula do Futuro 2024, um evento de alto nível da ONU, realizado em setembro em Nova York, e destinado a criar um consenso global sobre como abordar questões como mudança climática e segurança internacional, a delegação saudita foi menos eficaz. Apesar das objeções sauditas, o pacto final pediu um movimento para longe dos combustíveis fósseis.
Mas aqueles presentes disseram que a disputa foi tão acirrada que, um mês depois, quando dois países na Convenção sobre Diversidade Biológica na Colômbia tentaram inserir uma disposição ligando as emissões de combustíveis fósseis à perda de biodiversidade, poucos tinham apetite para outra luta.
Uma transição energética nunca se tornou parte do texto negociado, disse Alex Rafalowicz, diretor executivo do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, um grupo sem fins lucrativos que trabalha para persuadir países a eliminarem o petróleo, gás e carvão. Ele disse que a oposição saudita ocorreu fora da visão pública.
Finalmente, nas reuniões do G-20 realizadas em Washington em setembro, a equipe saudita inicialmente se recusou a apoiar uma força-tarefa sobre clima e finanças se tal medida incluísse linguagem sobre a transição de combustíveis fósseis.
Avinash Persaud, um consultor climático no Banco Interamericano de Desenvolvimento, disse que os delegados sauditas na reunião climática do G-20 argumentaram que certas discussões sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis tinham que ocorrer em outros contextos específicos, não nos que os diplomatas estavam negociando naquele momento.
O acordo final “lembrou” a transição de combustíveis fósseis, mas parou antes de endossá-la.
Rafalowicz disse que a repetição de acordos, como a transição para longe dos combustíveis fósseis, realmente importa. Como os acordos climáticos não são legalmente vinculativos, reforçar os acordos em outros fóruns é a única maneira de cimentar as promessas dos países, disse ele.
“Quando eles dizem algo uma vez, isso é uma indicação de direção,” Rafalowicz disse. “Quando isso é reafirmado em níveis políticos mais altos, então fica claro que esse é o padrão e não há volta.”
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