Fogo na Amazônia e no Pantanal: Ibama tem, em média, só um brigadista para 13 mil campos de futebol

Com só 7 aeronaves próprias para o País todo, órgão ambiental vê fogo avançar nos biomas e governo Lula patina no combate à crise; Ministério do Meio Ambiente diz ter aumentado em 18% o nº de agentes

PUBLICIDADE

Foto do author Paula Ferreira
Atualização:

A estrutura do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), divisão do Ibama que cuida do combate a incêndios, é mínima diante das dimensões continentais do Brasil. O órgão federal tem só 2.108 brigadistas para atuar diretamente em uma área de 30 milhões de hectares em todo o País. Ou seja: um agente do Prevfogo, na média, para cada área equivalente a 13,1 mil campos de futebol. Além disso, faltam equipamentos, como aeronaves próprias, para dar suporte.

Focos de incêndio avançam sobre o Pantanal em novembro Foto: CBMS/Divulgação

PUBLICIDADE

O Amazonas registrou em outubro recorde de queimadas, que destroem da floresta e levam nuvens de fumaça a várias cidades. Também há alta no Pantanal, onde os incêndios, fora do controle, ameaçam refúgios de onças-pintadas. A gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) patina na resposta à crise.

O Ministério do Meio Ambiente diz que há 18% mais brigadistas do que ano passado. Mas o próprio presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, admitiu ao Estadão que a estrutura é insuficiente.

Apesar de reconhecer o problema, o governo não apresentou reforços imediatos nos últimos dias. No caso da floresta, o ministério disse que pedirá mais verba do Fundo Amazônia e liberou outros R$ 405 milhões do programa para os Estados na sexta-feira.

A estiagem, intensificada pelo El Niño, já era prevista pelos cientistas para essa época do ano. No último mês, os brigadistas relatam uma rotina de precariedade. Há equipes em 20 unidades da Federação, sendo Mato Grosso, que abriga Amazônia e Pantanal, o Estado com mais agentes (301).

Brigadista do Ibama há 13 anos, Nivaldo Lima havia acabado de chegar do Xingu, na Amazônia, quando foi chamado na terça-feira, 14, para reforçar a operação no Pantanal. Ao Estadão, ele relata a rotina extenuante.

“Nosso trabalho é cansativo. É muito seco, muito sol, passamos dificuldade e fome devido à correria e ao local de acesso precário, só chega de aeronave ou de barco. Às vezes, a alimentação não chega direito. A gente trabalha virando dia e noite”, conta. A área direta de atuação dos brigadistas em terras federais, como unidades de conservação, reservas indígenas ou quilombolas.

Publicidade

Queimadas em várias regiões da Amazônia, como no Pará (foto), preocupa Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Ele diz que, muitas vezes, a sensação térmica a que os brigadistas são submetidos ultrapassa os 50ºC. Em matas de difícil acesso, os brigadistas só conseguem carregar 20 litros de água cada um para apagar as chamas, já que precisam acessar o local a pé.

Mesmo diante do risco imposto pela profissão, por lei, os brigadistas são contratados por um período de apenas seis meses. “As contratações são feitas de acordo com as realidades regionais, atendendo aos períodos mais críticos. No bioma Cerrado, por exemplo, o período mais crítico começa em junho, enquanto que no Estado de Roraima e no sul da Bahia começa em novembro”, diz o Ibama.

O prazo de trabalho de Lima termina no fim de novembro. “Nosso contrato é de seis meses. Deveria estender esse contrato para sete ou para nove meses, para que pudessem contratar antes do início das estiagens, começar a fazer trabalhos preventivos, e ficasse até dezembro para atuar. Seria um passo importante”, afirma.

Intensidade do fogo e falta de estrutura criam sobrecarga, diz líder de entidade

No Pantanal, até o início da semana, 72 mil hectares do Parque Estadual Encontro das Águas já tinham queimado. Se considerar só o interior do parque, um terço da área total já queimou. Na Reserva Particular do Patrimônio Natural Estância Dorochê, 68% do território está destruído.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

No bioma, 299 agentes federais (não só do Ibama) atuam para conter as chamas. Na terça, os ministérios do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Regional e das Relações Institucionais fizeram reunião emergencial para debater medidas contra a crise no Pantanal e o presidente do Ibama viajou para a região.

“No dia a dia, a dificuldade tem sido grande, porque a intensidade dos incêndios, somada a uma condição ainda aquém do necessário, faz com que haja sobrecarga”, diz Cleberson Binho Zavaski, da Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente. “Sempre é bom ter mais servidores concursados, qualificados, pessoas capacitadas, treinadas, contratadas para os eventos extremos cada mais recorrentes.”

O déficit, no entanto, já foi pior. No 1º ano da gestão Bolsonaro, 2019, o número de brigadistas chegou a cair em relação à gestão anterior (e baixou para 1.459). Ao longo do governo, esse total subiu para 1.791, um aumento inferior ao registrado no 1º ano desta gestão.

Publicidade

Faltam aviões para ajudar nas operações

Para auxiliar os brigadistas, o Prevfogo tem 68 viaturas próprias e outras 105 locadas. Para as atividades do órgão no Brasil inteiro, o Ibama tem apenas sete aeronaves próprias. No Pantanal, por exemplo, a operação inclui no momento quatro aeronaves - dois do Ibama, um do ICMBio, órgão federal responsável pelas unidades de conservação, e outro da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

O uso dos equipamentos é importante porque, em alguns locais remotos, só é possível chegar com o transporte aéreo. “O combate a pé, a despeito da força e da coragem dos brigadistas, é humanamente impossível”, reclamou na semana passada Angelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro.

“O Pantanal segue como segundo plano, lamentavelmente. Temos de ter uma agenda de equilíbrio dos biomas. Um não pode ser salvo em detrimento do outro”, criticou.

Para especialistas, é preciso que o governo invista mais em planejamento estratégico e tecnologia. “Entendo ser um ano de reestruturação dos órgãos ambientais, que estavam extremamente sucateados. Há uma herança maldita na área, mas havia coisas que davam para fazer”, disse a bióloga Erika Berenguer ao Estadão, também na semana passada. Ela, doutora em Ecologia pela Universidade de Oxford (Reino Unido), tem percorrido locais da Amazônia na última semana.

Entre as ações estratégicas citadas por especialistas, está o uso de informações de pesquisas e dados de monitoramento remoto para antecipar territórios mais suscetíveis a queimadas.

Ministério diz que ampliação de equipes depende de orçamento

Em 2022, o Prevfogo atuou em 22 operações de combate a incêndios - neste ano já são 28. Apesar do déficit de pessoal o Ibama ainda não tem estimativa de quantos brigadistas seriam necessários. Segundo o instituto, a quantidade necessária está atrelada a fatores “imprevisíveis”, como condições climáticas, uso de tecnologias e o suporte logístico disponível.

E não há confirmação sobre nova ampliação das brigadas. O instituto afirmou à reportagem que o aumento depende de questões orçamentárias e recursos humanos disponíveis. " Com o investimento em qualificação de pessoal, o número atual poderá ser ampliado”, disse.

Publicidade

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.