Daniel de Oliveira começa cedo. Normalmente, por volta de 5h45, ele já está no Ecoponto Berrini, local onde trabalha das 6h às 14h como ajudante de serviços diversos. “É a segunda casa que tenho, valorizo muito”, conta o morador do bairro Jardim Ângela, na zona sul paulistana, que diz se dar bem com a companheira de trabalho do turno e com os munícipes que passam pelo Ecoponto.
Funcionário há um ano e três meses de uma empresa que presta serviços para a Prefeitura de São Paulo, Daniel organiza diariamente o recolhimento de vários tipos de descarte, como entulho, móveis velhos e, desde o início deste mês, gesso. Depois, caminhões buscam esse material e haverá esforço de dar novo uso a esses objetos. A novidade foi implementada pela Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb) em 36 unidades de Ecoponto e deverá ser expandida em breve. Assim como outras iniciativas.
Na busca por um futuro mais verde, a Prefeitura formalizou em abril deste ano uma parceria estratégica com a Fundação Ellen MacArthur e se tornou a primeira cidade do mundo admitida pela rede mundial de economia circular - um grupo que já incluía empresas globais e organizações filantrópicas em ações assentadas na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. A expectativa é que, ao trabalhar ações localmente, São Paulo se consolide como um local de referência sobre economia circular no Brasil e na América Latina, inspirando outras cidades.
“É uma honra e uma grande responsabilidade para São Paulo ser a primeira cidade no mundo reconhecida como parceira estratégica da Fundação Ellen MacArthur, seguida por Nova York e Londres”, diz a ex-prefeita e atual secretária municipal de Relações Internacionais de São Paulo, Marta Suplicy. “Essa parceria ampliará a implantação da economia circular junto à administração pública, envolvendo o setor privado e a população.”
Apesar de a cooperação entre São Paulo e a Fundação Ellen MacArthur ter começado em 2019, o convite para a capital paulista integrar a rede de parceiros estratégicos ocorreu no final de 2020 e se deu a partir do trabalho direto da Secretaria Municipal de Relações Internacionais, então comandada pelo atual presidente da SP Turismo, Luiz Alvaro Aguiar. A nova fase amplia o escopo de atuação para além do setor de alimentos e passa a incluir áreas como moda, finanças e desenvolvimento urbano.
Para o professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Centro de Pesquisa em Economia Circular do Inova USP, Aldo Roberto Ometto, essa integração é 'muito positiva' - sobretudo se as ações de economia circular forem dotadas de um caráter social e assumirem a sustentabilidade como consequência.
“A economia circular não é só a visão de recuperar material, não é só uma visão de recurso físico. É lógico que isso é importante e as questões de aquecimento global também são fundamentais, mas a grande oportunidade da economia circular no Brasil é a inovação social que ela pode trazer quando atores mais vulneráveis são incluídos em cadeias circulares”, destaca Ometto. “É uma oportunidade de inclusão social.”
Ranking
O índice de circularidade da cidade de São Paulo, que diz respeito à capacidade de recuperação dos materiais coletados no município, é de 0,84%, segundo dados de 2019 compilados pela professora de Finanças da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA) da USP e pesquisadora em avaliação de impacto e políticas públicas Perla Rebehy. No recorte das cidades brasileiras que possuem mais de 1 milhão de habitantes, a capital paulista fica na 8ª colocação:
São Luís (MA): 5,57%
Goiânia (GO): 2,77%
Brasília (DF): 2,37%
Porto Alegre (RS): 2,05%
Curitiba (PR): 1,92%
Salvador (BA): 1,05%
Belo Horizonte (MG): 0,84%
São Paulo (SP): 0,84%
Campinas (SP): 0,82%
Guarulhos (SP): 0,71%
Entre as 3.712 cidades que informaram os dados ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que é uma base de dados do governo federal autodeclarada, São Paulo ficou na 1.399ª posição.
Desenvolvimento econômico
Com o acordo firmado com a Fundação Ellen MacArthur, a capital paulista poderá aumentar a formulação de projetos e políticas públicas de economia circular, o que tem potencial de promover desenvolvimento econômico e gerar trabalho e renda. Hoje, algumas iniciativas já buscam cumprir esse objetivo.
Desenvolvido dentro do conceito de economia circular, o Programa Municipal de Combate ao Desperdício e à Perda de Alimentos foi criado em 2017 pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET). A iniciativa prevê a coleta de alimentos em feiras livres e mercados municipais para doá-los a mais de 300 entidades assistenciais cadastradas no Programa Banco de Alimentos. Desde 2017, já foram arrecadadas mais de 545 toneladas de alimentos, sendo 245 entre 2020 e 2021.
Já o Ligue os Pontos, desenvolvido pela Prefeitura para promover o desenvolvimento sustentável no território rural, foi o projeto vencedor do prêmio Mayors Challenge 2016, promovido pela Bloomberg Philanthropies. O Green Sampa foi lançado em 2019 com o objetivo de apoiar o desenvolvimento verde na cidade. O programa já promoveu o mapeamento de mais de 400 stakeholders, implementou uma plataforma de mentorias online e criou uma rede de mentores especializados.
No dia 5 de junho, data em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, foi inaugurado o primeiro espaço com a temática na capital: o Centro de Inovação Verde Bruno Covas - Hub Green Sampa. O espaço tem como objetivo incentivar o desenvolvimento de startups que atuam no setor de tecnologias sustentáveis.
“O prefeito Ricardo Nunes (MDB) quer incentivar cada vez mais esses setores preservando o meio ambiente, garantindo uma produção agrícola sustentável, com alimentação saudável para as pessoas mais vulneráveis", diz a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo, Aline Cardoso. Ela também ressalta a importância de destinar corretamente os resíduos e incentivar soluções tecnologicamente sustentáveis para gerar emprego e renda.
A Prefeitura está construindo um plano de recuperação e impulsionamento da economia paulistana com ações de curto e médio prazo voltadas para políticas de trabalho, empreendedorismo e geração de renda focadas na inclusão, competitividade e sustentabilidade. O Plano de Retomada está previsto para começar a ser executado em outubro.
Sustentabilidade
A parceria com a Fundação Ellen MacArthur busca incentivar ainda a implementação de políticas de promoção à economia circular que contribuam para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o combate às mudanças climáticas.
Em celebração à Semana do Meio Ambiente, a Prefeitura apresentou no dia 3 de junho o Plano de Ação Climática do Município de São Paulo (PlanClima SP), projeto desenvolvido para orientar a ação do governo e incluir a questão do clima em processos decisórios. O compromisso para a criação do plano foi assumido pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em setembro de 2018 para alinhar as políticas em parceria com a rede internacional de cidades C40.
Em março de 2019, São Paulo assinou, por meio da Amlurb, o Compromisso Global por uma Nova Economia do Plástico, iniciativa da Fundação Ellen MacArthur e da ONU Meio Ambiente. Com base nas proposições do acordo, a Prefeitura instituiu leis municipais para eliminar o uso supérfluo ou dispensável de plástico descartável.
O Feiras e Jardins Sustentáveis teve início em 2015 e oferece tratamento ambientalmente correto para restos de resíduos orgânicos de cerca de 180 feiras livres da capital. Os resíduos são encaminhados para os cinco pátios de compostagem, localizados nas regiões da Lapa, Sé, Mooca, Ermelino Matarazzo e São Mateus, e transformados em composto orgânico - que é doado para pequenos agricultores e utilizado como insumo em jardins e praças públicas. Os pátios receberam 10,5 mil toneladas de resíduos orgânicos em 2020. Do total, foram produzidas 2,1 mil toneladas de composto orgânico.
Já o Programa Socioambiental de Coleta Seletiva oferece investimento social, econômico e ambiental para cerca de 940 cooperados de 25 cooperativas habilitadas. Eles recebem os materiais recicláveis provenientes do serviço de coleta domiciliar seletiva do município, que recolhe diariamente cerca de 280 toneladas de recicláveis, uma média de 7 mil por mês.
Em 2020, segundo informações da Prefeitura, o serviço de coleta seletiva recolheu cerca de 94,4 mil toneladas de materiais e atingiu o maior número já registrado desde o início do programa, com um aumento de 17,4% em relação ao ano anterior.
Economia circular
Conceitualmente, a economia circular é um modelo de soluções sistêmicas que ajuda a solucionar desafios globais - como mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição. Ela se baseia em três princípios, que são impulsionados pelo design:
Eliminar resíduos e poluição;
Manter produtos e materiais em uso;
Regenerar sistemas naturais.
Para a Fundação Ellen MacArthur, as cidades possuem um papel fundamental na transição para a economia circular por possibilitar o desenvolvimento das condições necessárias para que este modelo possa existir e prosperar.
“Economia circular é parceria, é cooperação, que se integra aos modelos que a gente tem. Ninguém consegue fazer sozinho. A administração pública, como tem esse olhar e esse escopo mais amplo, pode integrar diversos atores. Além, logicamente, de trabalhar políticas públicas de incentivo”, ressalta o professor Aldo Roberto Ometto.
“A parceria (da Prefeitura de São Paulo) com a Fundação Ellen MacArthur é um avanço porque traz soluções que são inovadoras e sistêmicas para o âmbito da administração pública”, complementa, destacando a importância que as soluções sejam pensadas para a realidade local. “A gente precisa buscar essas soluções inovadoras e sistêmicas que vão ser, consequentemente, sustentáveis.”
Fundação Ellen MacArthur
A Fundação Ellen MacArthur é uma entidade sem fins lucrativos que desenvolve e promove a ideia de uma economia circular para tratar desafios da atualidade. A Fundação conta com representantes na América Latina, América do Norte, China e Reino Unido que trabalham com empresas, acadêmicos, agentes públicos e instituições para mobilizar soluções sistêmicas em grande escala.
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