São Sebastião quer desapropriar imóveis em área perto da orla: ‘Sair daqui é morrer’, diz morador

Comunidades caiçaras se mobilizam contra projeto de remoção de casos proposto pela prefeitura; gestão municipal afirma que objetivo é preservação ambiental

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

As comunidades caiçaras do litoral norte de São Paulo têm se mobilizado contra um projeto da prefeitura que prevê a retirar pescadores tradicionais da Baía do Araçá, em São Sebastião. A proposta é desapropriar as casas onde eles vivem e transferir os moradores para outro local. “Vamos para a 6ª geração de uma família que sempre viveu da pesca. Sair daqui é morrer”, diz o caiçara Humberto de Almeida, um dos pescadores da comunidade.

Objetivo é preservação ambiental, diz prefeitura Foto: Prefeitura de São Sebastião

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Já o prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), disse ao Estadão que a ocupação é irregular e as casas invadiram o manguezal, um bioma protegido. “Pescador tradicional é minoria absoluta. São casas que abrigam empresas, inclusive uma lavadora de banheiros químicos. Estão poluindo com esgoto e destruindo o mangue”, disse.

Em março, a prefeitura publicou decretos no Diário Oficial do município declarando de utilidade pública, para fins de desapropriação amigável ou judicial, 16 imóveis no bairro Varadouro, onde vive a comunidade.

A justificativa da prefeitura é de que as desapropriações são necessárias para a “requalificação da urbanização da orla marítima do Araçá e preservação ambiental do seu mangue”. Os moradores seriam indenizados pelo valor de mercado do imóvel, segundo a gestão municipal.

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Almeida contou que os caiçaras, por iniciativa e com recursos próprios, vêm preservando a baía e suas matas há décadas. “Aqui fazemos a multiplicação e o plantio das mudas de jundu (vegetação rasteira que recobre as bordas das praias, evitando a erosão), recolhemos o lixo da beira da praia e, se tem ostra ou marisco invasor de espécie exótica, avisamos os órgãos do meio ambiente. Se a baía é o que é hoje, isso se deve aos nossos cuidados”, disse.

Segundo ele, a proposta da prefeitura assusta moradores jovens e os mais antigos. “Quando se fala em desapropriar um imóvel, não é uma família só. Na minha casa moro com três filhos, mas no terreno vivem irmãos, sobrinhos e outros familiares. É tudo comunitário, é a nossa tradição. Meu filho me perguntou: ‘pai, o que vamos fazer?’ Os caiçaras mais antigos, que não têm leitura, estão com depressão, não saem de casa”, disse.

Comunidades caiçaras têm protestado contra projeto da prefeitura Foto: Prefeitura de São Sebastião

A proposta de retirada dos moradores da Baía do Araçá mobilizou a Associação de Pescadores e Comunidades Tradicionais da Baía do Araçá (Apeco) e outras comunidades da região.

O Coletivo Caiçara: São Sebastião, Ilhabela e Caraguatatuba usou sua rede social para apoiar o movimento de resistência do Araçá. Com barcos no mar e a pé pela praia, integrantes do movimento ‘Araçá Fica’ realizaram neste domingo, 21, a manifestação ‘Abraço no Araçá”.

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Antes de assinar os decretos de desapropriação, o prefeito tinha enviado projeto de lei complementar à Câmara para instituir o Programa de Incentivo à Desocupação das Orlas do Município de São Sebastião, com pedido de tramitação urgente.

O projeto propunha a desocupação de áreas consideradas sensíveis com o pagamento pelos imóveis. Os vereadores consideraram o projeto inconstitucional por não ter aval da Secretaria do Patrimônio da União, que detém a gestão das áreas de marinha (lindeiras à costa), e a proposta foi arquivada. Procurada, a secretaria não falou.

O vereador Giovani dos Santos (PP), conhecido como ‘Pixoxó’, entrou com um projeto de decreto legislativo (PDL) na Câmara para que as desapropriações sejam suspensas.

“O poder público municipal não pode desapropriar área sob proteção federal. O território de comunidades tradicionais é protegido pela Constituição. Não houve discussão com a comunidade. A vila é centenária, conserva suas tradições e o esforço do município deveria ser no sentido de preservar essa cultura.”

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O caso chegou ao Ministério Público Federal (MPF) e resultou na instauração de inquérito para apurar o assunto. “A Procuradoria já cobrou informações e esclarecimentos dos órgãos públicos envolvidos nesse projeto de desapropriação. Os próximos passos de investigação serão tomados após o MPF reunir e analisar essas informações”, disse, em nota.

‘O que menos tem ali é pescador tradicional’, diz prefeito

O prefeito afirma que a área que pretende desapropriar é de ocupação irregular e que a maioria dos imóveis está ocupada por empresas ou seus prepostos. “Não é comunidade tradicional, o que menos tem ali é pescador tradicional. São serrarias, serralherias e empresa de lavagem de banheiros químicos. Era uma baía muito bonita, mas construíram casas até em cima da água. Destruíram o manguezal que estamos tentando recuperar”, disse.

Segundo o prefeito, o município vem sendo compelido por decisões judiciais a demolir imóveis de ocupações irregulares em áreas ambientais. “Entramos com o projeto de desapropriação para pagar um valor justo, o de mercado. Mas o vereador teve a ideia de cancelar os atos da prefeitura. Assim, vamos ter a desapropriação apenas com a indenização pelas benfeitorias. O valor que cada um vai receber fica muito abaixo do que iríamos pagar”, disse.

O plano, segundo Augusto, é tirar as construções irregulares, construir um centro de estudos ambientais, uma ciclovia e quadra de esportes, e recuperar o mangue.

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“São construções sem projeto, sem ‘Habite-se’, e que jogam o esgoto no mar. Para piorar, tem um núcleo próximo, entre a baía e o porto, que está se transformando na ‘cracolândia’ de São Sebastião”, continua. A gestão municipal diz que pretende recorrer à Justiça caso os decretos sejam derrubados.

A Secretaria do Patrimônio da União (SPU) informou que mantém um projeto de gestão integrada da orla marítima que envolve a descentralização de ações de planejamento e gestão deste espaço da esfera federal para a municipal. “O projeto, que teve adesão do município de São Sebastião, foi concebido para responder às demandas do ordenamento dos espaços litorâneos, compatibilizando as politicas econômica, patrimonial, turística e ambiental.”

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