A prefeitura de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, e o Instituto Conservação Costeira (ICC) lançaram neste mês o pacote “São Sebastião Resiliente”, que inclui a criação de quatro Unidades de Conservação (UCs) em um modelo de cogestão público-privada. O objetivo é construir um cinturão verde para ampliar a resiliência do município a eventos climáticos extremos, evitando ocupações em áreas de risco e novas tragédias.
A iniciativa ainda prevê a restauração de cerca de 600 hectares de áreas degradadas, além de atividades de educação ambiental e de ecoturismo.
As UCs devem seguir o modelo da Área de Proteção Ambiental (APA) Barra do Sahy, criada em 2013 sob a pressão de 7 mil assinaturas da sociedade civil. A área de 4 km² contorna as três comunidades que estiveram no epicentro da tragédia de fevereiro de 2023, quando 64 pessoas morreram após uma chuva de 700 milímetros.
“Todas as áreas ao redor foram devastadas, enquanto na APA não caiu uma só árvore”, observa a diretora executiva do ICC, Fernanda Carbonelli.
Segundo ela, se não fosse pela unidade de conservação, o número de mortes teria sido maior, já que mais áreas de risco teriam sido ocupadas.
“A prefeitura viu na criação de UCs uma solução simples de evitar novas tragédias”, afirma Carbonelli. Em 2018, o ICC doou ao poder público municipal um mapeamento das áreas de risco, incluindo aquelas onde a tragédia de fevereiro aconteceu, mas nenhuma ação consistente foi tomada.
“Foram necessários dez anos de cogestão da APA e uma tragédia de grandes proporções para o poder público agir”, lamenta. “Precisamos aproveitar a mobilização atual para focar na prevenção e parar de enxugar gelo.”
A estimativa é de que a APA Barra do Sahy tenha impedido a construção de novas casas e empreendimentos em 70% de sua área, mantendo a vegetação intacta nessa parcela.
- A APA é uma unidade de conservação de uso sustentável, ou seja, integra conservação à ocupação regrada e ao uso de parte dos seus recursos naturais.
- Mais de 3 mil alunos já visitaram o local em atividades de educação ambiental e 25 artesãos geram renda a partir da produção de peças feitas com matéria-prima extraída de lá.
- Enquanto o ICC faz a gestão da área, a prefeitura é responsável por fiscalizar denúncias de irregularidades no local.
As novas Unidades de Conservação Barra do Una, Juquehy, Enseada e Pitangueiras/Barequeçaba devem abarcar cerca de 10 km². O plano é que a área forme um grande cinturão verde ao se conectar com porções do Parque Estadual da Serra do Mar, que abrange 70% dos 402 mil km² do município.
Outras 12 áreas vulneráveis a ocupações e desastres ambientais e que poderiam se tornar UCs foram identificadas no mapeamento aéreo feito pelo ICC a pedido da prefeitura após o desastre. Se isso acontecesse, mais 6km² seriam acrescentados ao cinturão verde, segundo o ICC.
Mas a prefeitura não tem a intenção de transformar os locais em unidades de conservação. “São áreas degradadas pós-catástrofe onde devemos fazer recuperação, tirando espécies invasoras e plantando vegetação nativa”, diz o secretário do Meio Ambiente, Flávio Queiroz.
- O plano inclui a restauração das 851 cicatrizes deixadas nos morros após o desastre. O ICC usa drones para lançar sementes nativas em cápsulas de alta fixação e reflorestar as regiões de difícil acesso.
- Até o momento, 200 kg de sementes foram lançadas em 30 hectares pela entidade em parceria com a multinacional Ambipar e a Atlântica Consultoria Ambiental.
- Segundo o secretário de Meio Ambiente, a vegetação forrageira, primeiro passo para a contenção dos morros, começa a brotar uma semana após a semeadura, mas as grandes árvores só devem se estabelecer daqui a 15 anos.
Outras entidades da sociedade civil, como associações de moradores, devem assumir a gestão das UCs após passarem por uma capacitação do ICC. Segundo a diretora, o instituto, que conta com 65 apoiadores que pagam R$ 300 mensais para manter a organização, não tem recursos para gerir as novas unidades. Apenas a gestão da APA Barra do Sahy demanda R$ 700 mil de verba privada por ano.
Para as novas UCs, a perspectiva do instituto é de que a prefeitura assuma parte do custo através de um fundo que usaria os royalties obtidos pela exploração do petróleo.
Em 2023, eles renderam mais de R$ 1 bilhão ao município, que abriga o oleoduto da maior unidade da Transpetro, subsidiária da Petrobras responsável pelo transporte de combustíveis. Parte desse valor tem sido usado em obras de reconstrução da cidade após a catástrofe.
Além de finalizar o levantamento georreferenciado das áreas a serem transformadas em UCs e daquelas que serão restauradas, o pacote ainda depende da redação de um projeto de lei a ser enviado à Câmara Municipal.
Especialistas e pessoas envolvidas na iniciativa, cujo anúncio acontece em ano eleitoral, temem que os trâmites possam se estender para além de outubro, colocando em risco a continuidade do projeto pelas próximas gestões.
Segundo Queiroz, a gestão atual deve priorizar a aprovação da lei e efetivar a criação de duas UCs ainda este ano.
As unidades Juquehy e Enseada são as mais adiantadas, com cerca de 70% do processo de desapropriação finalizado, de acordo com o secretário. “Em um prazo de 60 a 90 dias devemos ter uma dessas unidades liberadas”, afirma. Uma vez classificada como unidade de conservação, a área não pode perder o status e sua proteção se torna obrigatória.
Adaptação
O projeto é celebrado por especialistas como um avanço em direção à adaptação à mudança climática no município.
O geógrafo Jeovah Meireles, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Observatório das Metrópoles, e Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e coordenador da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano ressaltam, porém, a importância de que as comunidades locais participem de maneira efetiva da elaboração do projeto, definindo as áreas das UCs e seus tipos de uso.
“A iniciativa é valorosa. Está lastreada na ciência, em conceitos já consolidados sobre adaptação, incluindo a definição e gestão de áreas protegidas para reduzir a chance de deslizamentos de terra”, aponta Turra.
O especialista acrescenta a necessidade de uma atuação sistêmica do poder público para reduzir a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos, incluindo a realocação de moradores de áreas de risco e obras de drenagem.
Entre as demais iniciativas anunciadas pelo poder público municipal para evitar novas tragédias estão o investimento de R$ 123 milhões em obras de contenção e drenagem na Vila Sahy, comunidade que concentrou o maior número de mortes em 2023.
Desde a tragédia, foram entregues 704 unidades habitacionais pelo governo do estado e a prefeitura a moradores de áreas de risco.
A partir de maio, a gestão municipal prevê melhorar a fiscalização de ocupações irregulares com o recebimento de alertas por meio de monitoramento digital feito por três satélites e drones operados pela empresa Geopixel.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.