BRASÍLIA- Sede da próxima Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-30), o Pará tem acumulado o maior número de incêndios florestais no País. Na última semana, Santarém, uma das mais importantes cidades da Amazônia, registrou um dos piores índices de qualidade do ar do planeta após ser encoberta por fumaça decorrente das queimadas.
Nessa quarta-feira, 27, segundo o monitor “PurpleAir”, o município atingiu índice de qualidade do ar de 361 µg/m³ (microgramas de poluição por metro cúbico), mais de 70 vezes maior do que o limite de 5 µg/m³, colocado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como desejável.
O Pará registrou 8.386 focos de incêndio de 1º a 26 de novembro, conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Isso representa 43,8% de todos os incêndios florestais do Brasil.
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Neste ano, o Brasil enfrentou a pior estiagem das últimas sete décadas, desde que começaram as medições federais. A seca motivou recordes e queimadas na Amazônia e no Pantanal, o que expôs falhas de prevenção da gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem apontado a pauta ambiental como prioridade.
Procurados, o Ministério do Meio Ambiente e o governo do Pará não comentaram. A prefeitura de Santarém disse ter reforçado a fiscalização.
“Ano passado a gente teve fumaça, mas tenho a impressão de que esse ano está muito pior, é como se estivesse queimando do nosso lado”, relata Ana Paula Viana, 31 anos, moradora de Santarém.
A estudante vive no bairro Santo André, próximo à Área de Proteção Ambiental (APA) Serra do Saubal, ela conta que o calor faz com que os moradores, que em sua maioria não têm ar condicionado, mantenham as janelas abertas, o que faz com que tenham de conviver com a fumaça o dia inteiro.
“A visibilidade é baixíssima, a gente tem o tradicional círio da cidade e as imagens ficaram horríveis, inclusive o tempo dele foi encurtado por conta da situação”, diz Ana Paula. ”Quando a situação está mais crítica, quem vai para a frente da cidade não enxerga o outro lado do rio.”
O médico Felipe Costa, que tem filhas de 1 e 2 anos de idade, afirma que está alerta em relação à saúde das crianças. “É difícil de respirar ao ar livre. Constantemente surge irritação nos olhos, garganta e nariz. Temos visto muitas pessoas com problemas respiratórios causados pela fumaça.”
No domingo, 24, cerca de 180 mil fiéis participaram do Círio de Nossa Senhora da Conceição, uma das festividades mais tradicionais da cidade. Conforme a prefeitura, durante o evento, algumas pessoas passaram mal devido ao cansaço e ao calor, agravado pela fumaça que encobria a cidade. No dia seguinte, 25, o prefeito Nélio Aguiar decretou emergência ambiental na cidade.
Escassez de água e comida
O decreto proíbe o uso do fogo para qualquer finalidade, incluindo limpeza e manejo, durante 180 dias. A determinação prevê apenas algumas exceções, como uso do fogo para subsistência por comunidades tradicionais e indígenas; práticas de combate a incêndios supervisionadas por órgãos competentes; controle de pragas em plantações com autorização ambiental; e pesquisas científicas.
Se na cidade a situação é crítica, o quadro é ainda pior nas comunidades rurais que vivem na floresta. Darlon Neres, morador do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande e membro do Coletivo Bem Viver, conta que a comunidade enfrenta cenário grave de escassez.
“Está faltando água nas comunidades, a população sofre com o desabastecimento de alimentos, doenças respiratórias”, afirma Neres, de 24 anos.
Segundo ele, as queimadas persistem no território há mais de 40 dias, sem fiscalização efetiva por parte dos órgãos públicos. “Fiz denúncia em 8 de novembro, falando de uma imensidão de queimada no meu território e nada foi feito.”
Fogo acelera degradação da floresta
Estudo feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostra que o Pará foi o Estado com maior área degradada em outubro, com 2.754 km², o que corresponde a 43% do total registrado na Amazônia. O tamanho da área degradada em outubro é 238% maior do que a área registrada no mesmo mês em 2023.
A degradação é quando há remoção parcial da vegetação - seja pelo fogo ou pela extração de madeira. No caso do desmatamento, a remoção é total. Segundo o Imazon, neste ano, “por causa das queimadas, a degradação explodiu”.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Felipe Martenexen explica que um conjunto de elementos fazem com que o Pará veja a alta de queimadas. Um dos fatores é o agravamento da seca amazônica (de julho a novembro), com as mudanças climáticas. A expansão da fronteira agrícola no Estado também contribui para o cenário.
“Outro fator importante é o desmatamento, pois essa prática de desmatar e depois queimar é bastante recorrente no Estado, pois é uma forma mais barata e rápida para abrir novas áreas, sejam para pastagem ou para agricultura”, explica.
Martenexen diz ainda que o fogo é utilizado para fazer a limpeza de áreas de pastagens, o que altera as características do clima dentro da floresta.
“Geram os incêndios florestais que se alastram por áreas protegidas e enfraquecem aquele microclima úmido que existe dentro de uma floresta e cria também um ambiente mais propenso as secas e, consequentemente, a novos incêndios”, afirma.
Omissão dos governos Estadual e Federal
Diante da gravidade da situação no Estado, na semana passada o Ministério Público Federal (MPF) cobrou medidas dos governos estadual e federal.
“A omissão se configura como grave negligência em relação à proteção ao meio ambiente e à saúde da população”, disse o órgão. O MPF mencionou ainda a propaganda sobre combate às queimadas feita pelo governo paraense na COP-29, realizada este mês no Azerbaijão. Segundo o MPF, a postura foi, “no mínimo, irresponsável”.
Nesta segunda, 25, após a situação calamitosa verificada em Santarém, o MPF voltou a cobrar providências dos governos. Entre as recomendações, está a de divulgar informação sobre a origem da fumaça, além de publicar boletins sobre a qualidade do ar, entre outras.
O MPF afirmou ao Estadão que até o momento não recebeu resposta por parte do Estado e da União.
No início do mês, após anunciar uma queda de 30,6% no desmatamento da Amazônia, a ministra Marina Silva foi questionada sobre a ocorrência de queimadas. Na ocasião, disse que o governo atuou com 3.096 brigadistas em todo o País para conter os incêndios florestais e articulou órgãos de fiscalização, como Ibama e ICMBio, a Polícia Federal para promover o combate.
“E o fator fundamental: se não tivesse essa redução de desmatamento, essa grande quantidade de incêndio seria incomparavelmente maior”, afirmou Marina na época.
A prefeitura de Santarém afirmou à reportagem que reforçou a fiscalização com agentes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), em parceria com o Corpo de Bombeiros, para combater focos de incêndio e identificar infratores.
A gestão municipal criou um canal de denúncias pelo WhatsApp através do número (93) 99209-4670 e tem orientado a população sobre cuidados com a saúde. A administração disse ainda que pediu ajuda ao Estado e à União com envio de agentes e fortalecimento da fiscalização. Não informou, no entanto, se o pedido foi respondido.
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