Dentro de apenas 20 anos, o tamanduá-bandeira poderá desaparecer do Cerrado paulista, de acordo com um estudo realizado por uma pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Estima-se que a população da espécie já tenha sofrido redução de mais de30% na região na última década.
A alteração do habitat por humanos, os atropelamentos, a caça, as queimadas, o uso de agrotóxicos e os conflitos com cães são as principais razões para o declínio do tamanduá-bandeira na região, de acordo com a autora do estudo, a bióloga Alessandra Bertassoni. Segundo ela, caso as queimadas sejam suprimidas, a espécie ainda será viável por 30 anos.
“O cerrado paulista é extremamente fragmentado e impactos da ação humana aumentam a vulnerabilidade da espécie, elevando o nível de ameaça.Temos um cenário de no máximo 30 anos para o tamanduá-bandeira na região”, disse Alessandra ao Estado.
A pesquisa foi realizada na Estação Ecológica de Santa Bárbara (EESB), na região de Avaré (SP), ao longo de dois anos para o doutorado de Alessandra, que já estuda a espécie há uma década.
Para descobrir por onde os tamanduás-bandeira se movimentam e qual a abrangência de seus territórios, a bióloga precisou capturar oito indivíduos e monitorá-los por GPS ao longo de três meses. A pesquisadora recebia o sinal do GPS por e-mail e conseguia, assim, saber onde cada um dos animais estava em intervalos de uma hora.
Com a ajuda de uma equipe que envolvia veterinários, biólogos e técnicos, Alessandra capturou os animais utilizando grandes puçás ou anestésicos. “A captura não é nada fácil. Primeiro é preciso encontrar um indivíduo, porque os tamanduás não caem em armadilhas. Para isso é preciso fazer um estudo prévio sobre a atividade do animal, para aumentar a chance de acerto”, explicou.
Além de estudar os indivíduos espacialmente, a bióloga também tinha o objetivo de descobrir se era possível identificá-los a partir da pelagem. A identificação, que foi feita com a ajuda de armadilhas fotográficas, foi o que possibilitou avaliar o grau de vulnerabilidade da população, segundo ela.
Alessandra conta que muita gente acreditava ser impossível fazer a distinção entre os indivíduos, já que eles são praticamente idênticos. Mas sua longa experiência com o tamanduá-bandeira indicava ser possível desenvolver um método para diferenciá-los. E foi o que ela fez, estabelecendo um conjunto de características relacionadas a certos padrões da pelagem.
Ela se concentrou em um conjunto de características para identificação, que se baseavam nas medidas e formato do triângulo escuro que existe na lateral do tamanduá-bandeira, a marca em forma de linha que eles possuem em torno do pulso e na marca circular que aparece no cotovelo do animal.
“Para observar todas as características, eu posicionei em trilhas da EESB pares de câmeras, uma de frente para outra. Quando o animal passava, o infravermelho acusava o movimento e fazia diversas fotos dos dois flancos.”
O trabalho foi exaustivo: a pesquisadora precisou analisar pessoalmente quase 15 mil fotos. A maior parte delas não tinha a qualidade necessária para a análise, ou eram fotos de "intrusos" como lobos-guará, quatis, porcos, capivaras, tatus e cães. Mas o resultado valeu a pena.
“Com a identificação desses nove indivíduos, e considerando as ameaças detectadas, o tamanho da área e diversas outras variáveis, usei um software que permitiu calcular o quanto essas populações estão ameaçadas.”
Incompatível com o homem. Desde sua graduação em Biologia, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Alessandra trabalha com o tamanduá-bandeira, comparando o comportamento do animal em cativeiro e na natureza, em Curitiba e na Serra da Canastra. No mestrado, ela passou a estudar o tamanho das áreas onde vive a espécie, no Pantanal, na Serra da Canastra e em Roraima.
"Até o doutorado, eu vinha trabalhando em regiões com estado de preservação melhor que o do interior paulista. Vim para São Paulo justamente porque queria investigar como essa espécie está lidando com os impactos causados por humanos, quando vivem em uma área menos preservada", explicou.
Depois de uma longa busca, Alessandra decidiu realizar a pesquisa na EESB, onde a área de Cerrado é cercada por atividades humanas como a agricultura de cana-de-açúcar, o plantio de eucalipto e pinus e pastagens.
"Essa estação ecológica é muito recortada, dividida em quatro blocos cortados por estradas. Uma das divisões é feita pela rodovia Castelo Branco e a velocidade máxima ali é de 120 quilômetros por hora. Isso tem um impacto enorme na fauna", disse.
Segundo ela, as áreas onde há monoculturas perdem qualidade ambiental, por conta do ambiente excessivamente homogêneo. Algumas espécies, como a capivara e a onça parda, adaptam-se bem a essas áreas transformadas pelo homem, mas não é o caso do tamanduá-bandeira.
"Acompanhando os animais por GPS, vimos que eles quase nunca ficavam nas áreas de monocultura ou de pasto. Eles passavam quase todo o tempo nas unidades de conservação, ou nas áreas de reserva legal. Provavelmente eles são incapazes de persistir em hábitats excessivamente alterados pelo homem", disse Alessandra.
Segundo a bióloga, as fêmeas monitoradas por GPS apresentaram um comportamento mais restrito, movendo-se por área menores que os machos. Eles, por sua vez, aventuravam-se nas áreas de cultivo e pastagens - um comportamento que traz vantagens do ponto de vista genético, mas aumenta a chance de atropelamento e conflitos com humanos e cães.
Só uma das fêmeas monitoradas saiu das áreas protegidas, mas, depois de 10 dias de acompanhamento, ela desapareceu - o que indica que foi caçada, de acordo com a pesquisadora.
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