Tamanduá, onça e lobo-guará: reservas privadas protegem 15% das áreas com animais ameaçados

Estudo assinado por brasileiros e publicado na ‘Science’ revela que áreas privadas podem ter papel crucial na proteção da biodiversidade e no controle do aumento das temperaturas

PUBLICIDADE

Foto do author Roberta Jansen

RIO - As áreas de reserva legal e proteção permanente em propriedades rurais privadas no Cerrado têm papel crucial na proteção de animais vertebrados em risco de extinção. A conclusão é de novo estudo encabeçado por pesquisadores brasileiros e publicado na revista Science nesta quinta-feira, 20. O trabalho mostra que as terras privadas representam 14,5% das áreas de distribuição de espécies ameaçadas do bioma, como tamanduá-bandeira, lobo-guará e onça-pintada. O porcentual é considerado significativo, sobretudo numa região muito degradada.

O Código Florestal Brasileiro determina a criação de áreas de reserva legal de biodiversidade dentro das propriedades privadas, mas é a primeira vez que a sua relevância para a conservação de espécies é avaliada. O estudo destaca o potencial das terras particulares para preservação da biodiversidade e para a oferta dos chamados serviços ecossistêmicos. São iniciativas como a preservação dos mananciais de água e de espécies polinizadoras, além do controle de pragas, apenas para citar três exemplos. Somente no Cerrado são 700 mil propriedades rurais.

Imagens feitas por drone da área de preservação da Fazenda Três Irmãs, em Água Boa, Mato Grosso. Foto: Universidade Federal de Goiás

“Estudar vertebrados ameaçados de extinção é um termômetro importante da biodiversidade”, explicou o pesquisador Paulo de Marco, da Universidade Federal de Goiás (UFG), principal autor do estudo. “Aproximadamente 15% da distribuição das espécies ameaçadas está nessas áreas protegidas dentro de terras privadas. Para se ter ideia, nas terras públicas, o porcentual é o mesmo. Há muito poucas terras públicas no Cerrado, há um déficit de conservação pública. As terras privadas são um complemento muito importante.”

A Irara (Eira barbara) é um dos animais monitorados. Foto: Projeto Bandeiras do Corredor

No trabalho, os pesquisadores citam a importância da adoção de estratégias complementares para preservação da biodiversidade, que se somem às redes oficiais de proteção, sobretudo pela falta de continuidade entre as áreas. Uma abordagem promissora, segundo o estudo, é, justamente, aproveitar terras economicamente ativas. No Brasil, diz o trabalho, 44% das terras ocupadas por atividades humanas são particulares.

Publicidade

Modelo

PUBLICIDADE

A equipe de pesquisa também criou um modelo para identificar as áreas degradadas em terras privadas onde investimentos em recuperação promoveriam melhores respostas para a conservação da biodiversidade.

“As áreas públicas têm um papel essencial, obviamente, em geral são maiores, idealmente existem mais unidades, e isso não pode ser substituído em nenhum momento”, afirma a diretora da ONG Aliança da Terra, Caroline Nóbrega, que também assina o trabalho. “O que estamos dizendo é que as áreas privadas estão desempenhando um papel complementar na conservação. E, mapeando as áreas degradadas nas propriedades privadas, podemos valorizar os produtores que já preservam e incentivar os demais a promover a recuperação das áreas degradadas.”

Paulo de Marco concorda com a colega. “O engajamento do produtor aumenta quando ele entende, no caso do Cerrado, que o morcego poliniza o pequi, que a produção da soja aumenta na presença de abelhas dos sistemas nativos”, exemplificou.

Veado-catingueiro (Mazama gouazoubira), com chifrinho, também é monitorado. Foto: Projeto Bandeiras do Corredor

Além disso, lembrou, as áreas de conservação nas terras privadas podem ter um papel crucial na limitação do aumento das temperaturas por conta do aquecimento global.

Publicidade

“Em um programa nacional de adaptação às mudanças climáticas, a restauração das áreas degradadas dentro das terras privadas pode ter um papel importante”, afirmou De Marco. “É um mecanismo em que todos saem ganhando.”

O trabalho levou mais de cinco anos para ser concluído. Os pesquisadores tiveram de desenvolver novas metodologias para conseguir alcançar os resultados.

O estudo é de autoria e pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), da Universidade de Brasília (UnB), da ONG Aliança da Terra, da Universidade de Alcalá, na Espanha, e da Universidade Estadual de Kansas, nos Estados Unidos.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.