Trabalho em rede agrega valor da floresta

Biofábricas e fortalecimento de redes começam a se espalhar

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Por Maurício Oliveira

Imagine chocolate fino sendo produzido em pequenas fábricas altamente tecnológicas instaladas em diversas comunidades do interior do Pará, o maior produtor brasileiro de cacau. Com cada máquina conectada a um computador, todo o acompanhamento é feito por especialistas a distância, para que a fórmula seja seguida à risca e não haja oscilações de qualidade e de padrão entre as diferentes unidades da rede.

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Moradores locais – especialmente mulheres e jovens – , devidamente capacitados, cuidam presencialmente do bom andamento do processo. Recebem, para isso, salários muito acima da média praticada na região. Afinal, em vez do envio do cacau para o processamento a centenas de quilômetros de distância, como ocorria até então, o produto passa a ganhar valor agregado ali mesmo, de onde o chocolate sai pronto para a venda ao consumidor final, seja pessoa física ou empresa. “O quilo do cacau vendido como commodity vale R$ 10, enquanto o quilo do chocolate fino pode chegar a R$ 200″, compara Ismael Nobre, diretor-executivo do Instituto Amazônia 4.0.

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A organização é a idealizadora do projeto descrito acima, as biofábricas, conceito que funde os princípios da bioeconomia com a Indústria 4.0 – a Quarta Revolução Industrial, que engloba a aplicação de uma série de tecnologias avançadas, como robótica, inteligência artificial, internet das coisas e big data. O princípio central, explica Nobre, é promover a manufatura local para que a Amazônia escape gradualmente do “sistema colonial” em que se encontra, como se fosse o Brasil na época em que pertencia a Portugal. “A Amazônia simplesmente extrai e envia seus produtos brutos para a ‘metrópole’, processo que resulta em remuneração injusta para a região. Se a gente trouxer essa agregação de valor para o centro produtor, consegue mudar o valor da floresta viva e produtiva.”

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Os primeiros protótipos das biofábricas serão instalados ainda este ano, como referências do modelo que o Amazônia 4.0 pretende disseminar por meio de parcerias dos mais diversos tipos, de instituições governamentais à iniciativa privada. O instituto acredita que, além da aplicação direta no processo fabril, os recursos tecnológicos devem ser utilizados para superar os gargalos estruturais da região. “Já existe solução para cada problema: energia solar, satélites para comunicação, drones para o transporte dos produtos com alto valor agregado, plataformas de comércio eletrônico para a venda”, descreve Nobre. A ideologia fortemente focada em inovação tem tudo a ver com as origens do Instituto Amazônia 4.0, que surgiu em São José dos Campos (SP), importante centro tecnológico do País, e hoje está sediado em Manaus (AM). A inspiração inicial era propor soluções que escapassem da simples oposição entre exploração e preservação – tanto que, no começo, a iniciativa foi chamada de Terceira Via Amazônica.

Projeção das biofábricas Foto: Acervo

Outros hubs que atuam na região também invocam a inteligência coletiva e o trabalho em rede para estabelecer conexões em prol da bioeconomia. É o caso do Instituto Terroá, fundado em 2015 por um grupo de cinco colegas que já trabalhavam com sustentabilidade e queriam contribuir para articular estratégias de impacto que conectassem as dimensões política, social, cultural, econômica e ambiental. O nome é inspirado no termo francês terroir, que diz respeito à especificidade das características de um lugar – ou seja, evoca a singularidade de um território.

Luiz Fernando Iozzi, um dos fundadores do Instituto Terroá Foto: Acervo

Uma das atividades do Terroá é a secretaria executiva do projeto Diálogos Pró-Açaí, fórum multissetorial que reúne mais de 80 organizações de alguma forma ligadas ao produto – desde produtores até investidores. Os objetivos são promover um debate qualificado e construir uma agenda articulada em comum. Uma das preocupações mais relevantes é a gestão de riscos.

“Recentemente o açaí entrou na lista dos Estados Unidos como cadeia em potencial para trabalho infantil”, exemplifica Luiz Fernando Iozzi, diretor de projetos e um dos fundadores do Terroá. Ele lembra que o simples fato de um produto vir da Amazônia não o transforma em sustentável e não é um apelo suficiente para que conquiste os mercados internacionais. “É preciso cumprir uma série de exigências, como condições dignas de trabalho, manejo correto, sustentabilidade, respeito à cultura e aos saberes locais, obediência ao conjunto de normas regulatórias e sanitárias”, descreve Iozzi.

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