A confirmação da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos tem repercutido com a expectativa de um “déjà-vu” em termos de resposta à crise climática. A expectativa é de que o republicano tire o país novamente do mais importante acordo climático internacional (o Acordo de Paris), da mesma forma que fez em seu primeiro mandato (2017-2021).
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Em contrapartida, o planeta tem registrado eventos extremos com cada vez mais frequência, a exemplo das chuvas e enxurradas que devastaram o Rio Grande do Sul e uma parte da Espanha. A piora é visível inclusive em território americano, como ondas de calor recorde e enchentes.
Antes mesmo de Trump voltar à Presidência, a situação gera incerteza sobre consequências nas negociações da Conferência do Clima (COP-29), que será iniciada na segunda-feira, 11, em Baku, no Azerbaijão. O evento terá como principal objetivo o alinhamento do Novo Objetivo Coletivo Quantificado sobre Financiamento Climático (NCQG), ligado ao Acordo de Paris.
Esse mecanismo consiste em direcionar recursos dos países ricos (principais responsáveis pelo aumento de emissões de gases estufa) às nações em desenvolvimento. O dinheiro será usado para adaptação, mitigação e redução da poluição atmosférica.
Especialistas divergem sobre o impacto nas negociações. No evento deste mês, a Casa Branca ainda será representada pela equipe de Joe Biden. Além disso, a busca por um consenso já vinha incerta em reuniões pré-COP que envolveram representantes de mais de 190 países envolvidos na negociação.
O impasse abrange a relutância de parte dos países ricos em arcar sozinhos com esse financiamento, dentre outros pontos, como o montante do dinheiro (estudos falam na casa de US$ 1 trilhão anual).
Em 2009, quando o democrata Barack Obama ainda presidia os Estados Unidos, os países desenvolvidos fizeram uma promessa de oferecer R$ 100 bilhões anuais, mas não cumpriram integralmente a promessa.
Além disso, nos últimos dias de campanha, Trump afirmou que vai aumentar, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis. Na COP 28, em Dubai, no ano passado, as nações haviam acordado a tomar um caminho de afastamento até a eliminação gradual da exploração de petróleo e gás.
Biden não irá à edição deste ano, segundo a imprensa americana. Outros líderes mundiais também estão entre as ausências confirmadas ou esperadas, como o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente da França, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
“Uma vitória do Trump joga contra qualquer avanço das negociações, até porque ele já afirmou que sairá do Acordo de Paris”, avalia Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “Tem esse ambiente porque os países, na grande maioria das vezes, vão nessas conferências para defender seus interesses em vez de construir interesse comum”, lamenta.
Já, para Leonardo Munhoz, professor da FGV Agro e pesquisador do Observatório da Bioeconomia, a vitória de Trump pode não impactar tanto as negociações desta COP, por serem ainda realizadas por representantes da gestão Biden. “Os Estados Unidos não vão mudar sua postura diplomática no momento.”
A questão é como ficará a política ambiental do país depois, inclusive em relação ao cumprimento de compromissos. “Essa agenda climática e ambiental dos Estados Unidos vai ser enfraquecida”, indica. “A agenda ‘trumpista’ a gente já viu nos quatro anos em que ele esteve no poder. Então, agora, deve retornar esse tipo de postura.”
Especialista do instituto de pesquisas ambientais E3G, Alden Meyer avalia que há incerteza se o resultado afetará a estratégia americana na COP. O mesmo vale para a delimitação da nova meta de redução de emissões de gases estufa do país (NDC na sigla em inglês), que precisa ser apresentada por todos os países até fevereiro.
Em coletiva de imprensa, Meyer destacou que os Estados Unidos já têm um histórico de recuos na política climática após mudanças de gestão: além do caso mais recente de Trump com o Acordo de Paris, a gestão George W. Bush rejeitou o Protocolo de Kyoto, chamando-o de “má política” à época. Em ambos os casos, porém, outros países rechaçaram a postura americana e nenhum tomou a mesma medida.
“Vai mudar a percepção sobre os Estados Unidos porque outros países saberão que essa administração não vai aplicar nos próximos quatro anos”, explica o especialista. Para ele, o momento pode ser uma oportunidade para tomarem a frente lideranças de países desenvolvidos, como da União Europeia e do Japão, e em desenvolvimento, como do Brasil, da China e de países insulares.
Na mesma coletiva de imprensa, o diretor do Instituto de Políticas Sociais da Ásia, Shuo Li, afirmou que os demais países “estão muito mais preparados para esse cenário”, após uma primeira experiência de Trump na presidência. Para ele, ainda é possível esperar bons resultados da COP 29: “Estou confiante.”
Além disso, parte dos especialistas tem ponderado que algumas ações de redução de emissões, adaptação, mitigação e até de financiamento nos Estados Unidos não dependem necessariamente do governo federal. Portanto, esperam que organizações, empresas e governos subnacionais (Estados e municípios) não mudem de postura com a posse do novo presidente.
“Não é o suficiente, mas não é nada”, avalia Meyer. “Claro, (o governo Trump) vai ter impacto, mas não necessariamente vai bloquear ações subnacionais.”
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