I - (ARE) 959620
Observo importante processo na pauta do STF:
Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620 – Repercussão geral
Relator: ministro Edson Fachin
Ministério Público do Rio Grande do Sul x Salete Suzana Ajardo da Silva
O recurso discute a ilicitude da prova obtida a partir de revista íntima de visitante em estabelecimento prisional, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem. A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96g de maconha para seu irmão preso, com o entendimento de que, para entrar no estabelecimento, ela teria de se submeter à revista, o que torna impossível a consumação do delito. No ARE, oo Ministério Público sustenta que, a pretexto de prestigiar princípios fundamentais, a decisão criou situação de imunidade criminal e concedeu espécie de salvo-conduto a pessoas que pretendam entrar no sistema carcerário com substâncias proibidas em suas partes íntimas.
Trata-se do tema 998.
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a proibição da revista íntima de visitantes em prisões em qualquer hipótese. Seu voto foi apresentado no plenário do tribunal, no dia 28 de outubro de 2020, no julgamento que discute se esse tipo de procedimento viola direitos garantidos pela Constituição.
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Relator do caso, Fachin propôs que qualquer prova coletada durante revista íntima não pode ter validade, porque a revista íntima em si não deve ocorrer. Logo, algo que seja encontrado no corpo da pessoa não pode ser usado para condená-la.
O voto do ministro Fachin não impede, porém, a chamada busca pessoal. Isto é, os visitantes em presídios podem ser submetidos a equipamentos eletrônicos como scanners corporais, por exemplo, e se houver alguma suspeita fundamentada em elementos concretos de que eles podem estar escondendo substâncias ou objetos ilícitos ou proibidos, pode-se então fazer a busca pelo material. Mesmo nessa hipótese, porém, deve-se evitar “o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais”, de acordo com o ministro. A medida visa a garantir os direitos à intimidade, honra e imagem das pessoas, previstos na Constituição.
Em síntese, para o relator, ministro Luiz Edson Fachin, a revista íntima em presídios viola a dignidade. Consequentemente, as provas obtidas por meio dela são consideradas ilícitas.
O ministro Alexandre de Moraes concordou que a análise das “cavidades íntimas” de visitantes de presídios é degradante, mas divergiu do relator e defendeu a legalidade da medida desde que realizada em condições excepcionais. Para o ministro Moraes, se houver exame da vagina ou do ânus, a análise deve ser feita por médico.
Há scanners em todos os presídios no Brasil? Certamente, não. Haverá médicos suficientes para a realização de tais exames que poderão requerer especialização?
Tudo indica que o julgamento deve caminhar para uma tese onde haja uma modulação a que sirva a realidade brasileira, em todos os níveis da Justiça nacional.
Para ministros, revista íntima é vexatória e provas obtidas por meio dela são ilícitas.
Até o momento, esse entendimento foi acompanhado por Luís Roberto Barroso, Rosa Weber (já aposentada), Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
O ministro Alexandre de Moraes entendeu que, apesar de ser invasiva, nem toda revista íntima pode ser declarada ilegal, vexatória e degradante. Até o momento, os ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e André Mendonça acompanharam o voto divergente.
Nove ministros já votaram. Cinco deles se posicionaram de forma contrária a qualquer revista íntima, enquanto os outros quatro consideraram que nem toda revista íntima é ilegal.
II – O REsp 1.695.349.
A matéria foi discutida no REsp 1.695.349.
Discutia-se, ali, o caso em que uma acusada foi flagrada com 45,2 gramas de maconha ao tentar ingressar no presídio para visitar seu companheiro. Segundo os autos, ela foi submetida a revista íntima porque um telefonema anônimo levantou a hipótese de que poderia estar traficando drogas.
A acusada foi flagrada com 45,2 gramas de maconha ao tentar ingressar no presídio para visitar seu companheiro. Segundo os autos, ela foi submetida a revista íntima porque um telefonema anônimo levantou a hipótese de que poderia estar traficando drogas.
Relator do recurso do Ministério Público, o ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que muitas vezes o procedimento de revista íntima é feito de forma infundada, vexatória e humilhante, violando tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, além de contrariar recomendações de organismos internacionais.
Por outro lado, o relator também lembrou que o Estado tem o dever de preservar a segurança dos detentos e dos que precisam entrar nos estabelecimentos penais e, “em sentido mais amplo, o próprio direito social à segurança pública”.
Diante da colisão entre dois direitos fundamentais — de um lado, a intimidade, a privacidade e a dignidade; de outro, a segurança —, o relator afirmou que a solução do caso requer o uso da técnica da ponderação, aliada ao princípio da proporcionalidade.
III – O DIREITO À INTIMIDADE
Tutela o artigo 5º, inciso X, da Constituição o segredo e a liberdade da vida privada. Mas há separação entre a intimidade e outras manifestações da privacidade: vida privada, honra e imagem das pessoas.
Para René Ariel Dotti (Proteção da vida privada e liberdade de informação, São Paulo, 1980), a intimidade se caracteriza como “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”. Adriano de Cupis (Riservatezza e segretto, 1969, pág. 115) ensina que a intimidade é o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quanto se refira à pessoa mesma.
Bem disse o Professor Tércio Sampaio Ferraz que ninguém pode ser constrangido a informar sobre sua privacidade. Não estamos no âmbito puro e simples do público-político, onde o que se tem é a transparência; estamos no terreno da individualidade, onde há a privacidade que se rege pelo princípio da exclusividade.
Sabe-se que o direito à privacidade é o conjunto de informações acerca do indivíduo que ele pode decidir manter sob seu exclusivo controle , ou comunicar, decidindo a quem quando, onde e em que condições, sem isso poder ser legalmente sujeito, como disse Matos Pereira (Direito de informação, Lisboa, 1980, pág. 15).
Bem disse José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 184) que o direito à privacidade é quase sempre considerado como sinônimo de direito à privacidade.
IV - A NECESSÁRIA PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS
Para o caso fica patente a evidente colisão entre o princípio da supremacia do interesse público e o da privacidade.
Realmente entre princípios, já dizia Dworkin, não se fala em revogação, mas de ponderação, de forma que através da concordância prática, deve haver a devida conciliação entre esses dois princípios magnos, em discórdia.
Para a doutrina, na linha de Dworkin, as regras são aplicáveis por completo ou não são, de modo absoluto aplicáveis. Trata-se de um tudo ou nada.
Já os princípios jurídicos atuam de um modo diverso: mesmo aqueles que não mais se assemelham às regras não se aplicam de forma automática e necessariamente quando as condições previstas como suficientes para sua aplicação se manifestam.
Ainda para Dworkin, os princípios possuem uma dimensão de peso ou de importância. Assim quando se intercruzam vários princípios quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo a cada um deles.
Se duas regras entram em conflito uma delas não é válida.
Para Alexy o ponto decisivo para a distinção entre regras e princípios está em que estes últimos são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e materiais existentes. São mandamentos de otimização, cuja principal característica está no fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus e de a medida devida de seu cumprimento não depender exclusivamente de possibilidades materiais mas de possibilidades jurídicas.
As regras podem ser cumpridas ou não cumpridas
Ainda segundo Alexy, se há colisão dos princípios tudo se passa de modo inteiramente distinto, pois se algo é vedado por um princípio, mas permitido por outro, um deles deverá recuar.
V – O ARTIGO 249 DO CPP
Volto-me ao artigo 249 do CPP.
Dita o artigo 249 do CPP:
Art. 249. A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.
Para Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 10ª edição, pág. 569), “espelha-se, nesse caso, o preconceito existente de que a mulher é sempre objeto de molestamento sexual por parte do homem, até porque não se previa o contrário, isto é, que a busca em homem seja sempre feita por homem. Seria dispensável tal dispositivo, caso o agente da autoridade atuasse sempre com extremo profissionalismo e mantendo-se no absoluto respeito à intimidade alheia.
Entretanto, a norma destaca que, se houver impossibilidade de achar uma mulher para revistar a suspeita/acusada, a diligência pode ser feita por homem, a fim de não haver retardamento ou prejuízo. Daí por que cremos dispensável este artigo, cuidando-se de preservar sempre o abuso, de que parte for: do homem contra o homem, da mulher contra a mulher ou de pessoas de sexos diferentes.”
VI – A VISÃO NO DIREITO COMPARADO
A Corte Europeia de Direitos Humanos já tomou algumas decisões importantes sobre o tema.
No caso . Ciupercescu v. Romênia (2010). Application 35555/03
Em março de 2003, o Sr. Dragos Ciupercescu foi preso por suspeita de roubo de munições e explosivos e por usá-los em local público (em particular, por ter ferido cinco crianças e causado danos à propriedade). Ele foi colocado sob o regime de detenção especial para prisioneiros perigosos que envolvia, entre outras coisas, vigilância próxima por agentes mascarados e revistas corporais semanais não anunciadas previamente (com a exigência de se despir completamente), as quais também eram realizadas sempre que ele deixava a prisão ou entrava em sua cela. Ademais, sofria restrições nos direitos de exercitar-se e de receber visitas. O julgamento ocorreu em novembro de 2006 e o Sr. Dragos foi sentenciado a 18 anos de prisão por terrorismo, sendo impedido de exercer determinados direitos. II. A Corte Europeia de Direitos Humanos apontou que as revistas íntimas não eram ilegais, porém, no caso do solicitante, havia duas questões a serem observadas. Em primeiro lugar, por causa de sua natureza rotineira, as revistas não atendiam nenhuma convincente necessidade de segurança. Em segundo lugar, elas não haviam sido conduzidas de maneira apropriada. Uma vez que as regras não eram suficientemente precisas, ao serem obrigados a se despir, de acordo com a discricionariedade do pessoal prisional, deixavam nos prisioneiros a impressão de estarem sujeitos a medidas arbitrárias. A Corte observou ainda que os guardas mascarados realizaram as revistas corporais e ficaram próximos dos prisioneiros quando receberam visitas. Essa prática intimidadora, ainda que não tenha sido projetada para humilhar o detento, poderia causar-lhe ansiedade. O artigo 3 da Convenção Europeia de Direitos Humanos foi, portanto, violado no que diz respeito a este ponto.
Em resumo, entendeu-se que “Revistas corporais não são, em si, ilegais. No entanto, a forma com que são realizadas deve ter como objetivo o cumprimento de regras de segurança, e não a intimidação.”
Observo o caso Wiktorko v. Polônia (2009). Application 14612/02.
Ali se disse: A jurisprudência a respeito das revistas íntimas se aplica às situações em que pessoas são forçadas a despir-se. Dessa forma, o procedimento deve ser conduzido de maneira apropriada e justificada, com respeito à dignidade humana e a um objetivo legítimo. A conduta do pessoal do centro para sobriedade de despir uma mulher a força e, em seguida, amarrá-la com cintos por dez horas, equivale a um nível de sofrimento incompatível com os padrões da Convenção.
“Anna Wiktorko pegou um táxi e recusou-se a pagar o valor cobrado, por considerá-lo exorbitante. O motorista impediu-a de sair do táxi e a levou para um centro de sobriedade (”sobering up center”), onde ficou detida. Lá, recusou-se a passar pelo teste de bafômetro e foi registrado que ela estava em estado de “intoxicação média”. A peticionária alegou que sofreu tratamento degradante e humilhante pela equipe do referido centro, afirmando ter sido insultada, brutalmente maltratada, espancada, violentamente despida por dois homens e uma mulher e forçada a colocar um vestido descartável. Argumentou também que fora amarrada a uma cama com cintos de segurança por aproximadamente 10 horas, quando finalmente foi liberada. Apesar de apresentar queixa no sentido de que tinham sido infringidos seus direitos pessoais, sua dignidade e sua integridade física, o chefe da polícia distrital recusou-se a iniciar uma investigação. II. A Corte Europeia de Direitos Humanos asseverou que, na Polônia, a legislação interna estabelece que a detenção em centros para a sobriedade corresponde a uma privação de liberdade. A Corte ressaltou que os tribunais nacionais consideraram que o uso da força não equivaleria a um delito. Contudo, isso por si só não isenta o Estado de sua responsabilidade sob a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Na espécie, não é o grau exato de coação física usado contra a peticionária o ponto crítico para a análise do caso. O aspecto essencial é a queixa de que, durante a sua detenção, ela foi violentamente despida por uma mulher e dois homens e, posteriormente, colocada em uma cama com cintos de segurança. Embora não se trate de uma revista íntima, a Corte considera que a sua jurisprudência nesta matéria é pertinente, uma vez que se refere também a situações em que alguém é obrigado a se despir. Assim, mesmo que revistas íntimas sejam necessárias, ocasionalmente, para garantir a segurança das prisões ou impedir a desordem ou a criminalidade, estas devem ser conduzidas de forma adequada e justificada, com o devido respeito à dignidade humana e com um propósito legítimo. Para o Tribunal, as mesmas considerações se aplicam ao caso em apreço, sobretudo, pelo fato de que dois homens da equipe do centro despiram a peticionária à força, violando sua dignidade. Além disso, ela permaneceu amarrada por dez horas até ser solta na manhã seguinte. Ante as circunstâncias do caso, a Corte concluiu que a conduta das autoridades pode ser considerada equivalente a tratamento degradante, em afronta ao artigo 3 da Convenção Europeia de Direitos humanos.”
Observo o caso Wieser v. Áustria (2007). Application 2293/03.
Revistas íntimas são justificáveis se conduzidas de maneira adequada com respeito à dignidade humana e visando a um propósito legítimo. Não há justificativa para uma revista íntima se o objetivo é encontrar armas e não drogas ou outros objetos pequenos, pois meios menos invasivos podem ser usados.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem interessantes exemplos na matéria.
Observe-se o caso do Presídio Miguel Castro-Castro v. Peru (2006). Denúncias 11.015/92 e 11.769/97
As inspeções vaginais nas prisioneiras realizadas por policiais encapuzados, usando a força, e sem nenhum outro objetivo que não a intimidação, constituem violência contra as mulheres. 23BDa mesma forma, inspeções vaginais realizadas em visitantes femininas, na completa ausência de regulamentação, por policiais em vez de profissionais da saúde, e como primeira medida e não como último recurso, constituem violência contra as mulheres. Julgado em 25-11-2006.
Ainda tem-se:
X e Y (menor) v. Governo da Argentina (2006). Caso 10.506 24BOs visitantes ou membros da família do preso não devem ser automaticamente considerados suspeitos de ato ilícito, não sendo legítimo, de início, sujeitá-los à revista íntima. Esse procedimento deve seguir as seguintes condições: a) ser absolutamente necessário para alcançar o objetivo de segurança no caso específico; b) não existir qualquer outra alternativa; c) em princípio, deve ser autorizado por ordem judicial; e 4) ser realizado unicamente por profissionais da saúde. Julgado em 15-10-1996.
Trago ainda decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Clement Boodoo v. Trinidad e Tobago. Comunicado 721/1996 Revista íntimas realizadas sob ameaças e sem que sejam apresentadas justificativas violam o artigo 7 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Na Alemanha, já se decidiu:
Corte Federal Constitucional v. sem identificação nominal (2013). Caso BvR 2815/11 A revista íntima do prisioneiro deve pautar-se pela proporcionalidade adequada, sob pena de violar seu direito de personalidade.
Tem-se, em resumo:
I. Em abril de 2011, antes de ser levado para o Tribunal, o peticionário sofreu revista íntima e, conduzido algemado para a audiência, viajou sozinho com dois oficiais da prisão. Na chegada, ele foi entregue a dois guardas, que o levaram à sala de audiências. Terminada a sessão, ele seguiu na companhia dos guardas prisionais, que o levaram para a penitenciária. Lá, retiraram as algemas e submeteram-no à nova revista íntima. O peticionário solicitou uma decisão judicial contra o procedimento realizado quando de seu retorno. Os Tribunais Regional e Superior rejeitaram o pedido.
II. O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha reverteu a decisão. Segundo a Corte, as revistas íntimas constituem grave interferência no direito geral de personalidade. Isso se aplica especialmente às inspeções nos orifícios do corpo que normalmente estão cobertos. Devido ao peso que trazem consigo certos atos de interferência que afetam a esfera íntima e o sentimento de vergonha da pessoa, o prisioneiro tem direito a uma consideração especial. As revistas íntimas devem ser realizadas com certos cuidados, dentre eles, que o revistado fique fora do alcance visual de outros prisioneiros e que não tenham pessoas desnecessárias presentes na sala. Não pode ser realizada rotineiramente e independentemente de suspeitas individuais. Segundo o Tribunal, o risco de contrabando de artigos proibidos seria relativamente pequeno pois o prisioneiro estava continuamente algemado enquanto levado para fora ou perante o tribunal, sob supervisão ininterrupta de agentes penitenciários, tendo tido contato apenas com os agentes e o juiz. Assim, tal avaliação deveria ter sido levada em consideração. O Tribunal considerou que houve afronta à sua jurisprudência e a do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Destaco decisão da Justiça do Canadá, na matéria:
Cidade de Vancouver v. Alan Cameron Ward (2010). CAN-2010-2-003 Nos termos da Seção 8 da Carta Canadense de Direitos e Liberdades, os cidadãos não podem ser submetidos a revistas ou apreensões sem fundamento plausível.
Na Colômbia, já se entendeu:
Sentença T-269 (2002) A razoabilidade é um dos requisitos necessários aos procedimentos de revista de visitantes de detentos. Não é razoável a revista que manipula as partes íntimas dos visitantes, pois viola a dignidade humana, além de existirem outros meios para garantir a segurança institucional.
Para a Corte Constitucional da Colômbia, o respeito à dignidade humana, pilar do ordenamento constitucional, não pode ser submetido a limitações nem mesmo quando a pessoa está presa. A Corte acredita que não somente os presos devem ser tratados de acordo com a dignidade humana, mas também quem vêm visitá-los, periodicamente ou esporadicamente, ainda mais quando não têm seus direitos restringidos por uma sentença privativa de liberdade. Ou seja, é garantido o pleno exercício de seus direitos e, portanto, os funcionários dos estabelecimentos prisionais devem agir de acordo, garantindo a efetividade destes. Destacou que o Código Prisional e Penitenciário contempla a razoabilidade como um dos componentes necessários das revistas aos visitantes dos internos. Assim, não é razoável que uma revista íntima seja realizada transgredindo o direito à dignidade humana. Embora razões de segurança justifiquem a realização de inspeções em visitantes, tais procedimentos não podem ignorar os mandatos constitucionais e legais. A Corte enfatizou que esse tipo de revista configura tratamento desumano e degradante, além de prática desnecessária, pois existem outros mecanismos para detectar armas ou narcóticos, como detectores eletrônicos, cadeiras “bop”, aparatos especialmente projetados para reconhecer a presença de metais nas partes íntimas da pessoa, além de cães treinados para descobrir substâncias narcóticas e explosivos. Ademais, a Penitenciária Nacional de Valledupar está equipada com os dois primeiros elementos, conforme relatado pelo seu diretor. Quanto aos cães, normativo autoriza que os diretores de penitenciárias solicitem o apoio necessário nesse sentido.
No entanto, não parece ser este o entendimento nos Estados Unidos:
Albert W. Florence v. Board of Chosen Freeholders of the County of Burlington. Caso 566 U.S. 318 A Quarta e a Décima Quarta Emendas Constitucionais não isentam o novo detento de submeter-se a revista íntima, ainda que não tenha sido preso por crime grave ou que envolva porte de armas ou drogas de revistas.
Ainda se tem da jurisprudência estadunidense:
Bell v. Wolfish (1979). Caso 441 U.S. 520 Não viola a Constituição exigir que os presos preventivos exponham as cavidades corporais para inspeção visual como parte da revista íntima realizada toda vez que receberem visita de pessoas de fora da instituição.
VII – A PROVA ILÍCITA E A PROVA ILEGAL
Há prova ilegal e prova ilícita. Pietro Nuvolone (Le prove vietate nei processo penal nei paesi di diritto latino) aduzia que a prova será ilegal sempre que houver violação do ordenamento como um todo, quer sejam de natureza material ou meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição for de natureza material, quando for obtida ilicitamente. A ilicitude material ocorre quando a prova deriva de um ato contrário ao direito e pelo qual se consegue um dado probatório. Por sua vez, há ilicitude formal quando a prova decorre de forma ilegítima pela qual se produz muito embora seja ilícita a sua origem. A ilicitude material diz respeito ao momento formativo da prova. A ilicitude formal ao momento introdutório da mesma.
Dir-se-á, outrossim, que há uma dicotomia entre a prova ilegal e a prova ilegítima. A última pode ser objeto de ratificação pelo juízo competente.
Vedam-se provas obtidas por meios ilícitos (principio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos), algo inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a condenação obtida pelo Estado a qualquer preço.
A proibição da prova ilícita surgiu na Suprema Corte americana. Ao interpretar essa proibição, a Corte delimitou o sentido e o alcance da norma, para estabelecer exceções às regras de exclusão, como a da admissibilidade da prova ilicitamente obtida por particular, a da boa-fé do agente público e a da causalidade atenuada.
Na Alemanha essa proibição foi objeto de preocupação do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha. Ali fixou-se a chamada teoria das três esferas, que gradua a privacidade e qualifica juridicamente as investidas estatais contra elas para fins de produção da prova. Por ela, apenas a prova produzida com invasão das estruturas mais íntimas da vida privada, como o monólogo, seriam inaproveitáveis; as provas produzidas com invasão das camadas menos profundas da intimidade podem ser aproveitadas, se a intensidade da invasão for proporcional à gravidade do crime investigado.
No Brasil, a Constituição de 1988 prevê, entre as garantias fundamentais, que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos. Mas a inadmissibilidade da prova ilícita não exige que ela seja interpretada como garantia absoluta, nem afasta que seja submetida a testes de proporcionalidade. Aliás, a prova ilícita que favoreça o réu é admissível. A reforma processual de 2008, nessa linha de entendimento, permite o aproveitamento da prova ilicitamente obtida quando corroborada por fonte independente ou quando sua descoberta inevitavelmente ocorreria.
VIII – O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do princípio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.
Trago a lição de Willis Santiago Guerra Filho (Ensaios de teoria constitucional. Fortaleza, UFC, Imprensa Universitária, 1989, pág. 75) de feliz síntese:
¨Resumidamente, pode-se dizer que uma medida é adequada, se atinge o fim almejado, exigível, por causar o menor prejuízo possível e finalmente proporcional em sentido estrito, se as vantagens superarem as desvantagens.¨.
Nesse ponto trago à colação a lição de Gustavo Binenbojm (Uma teoria do direito administrativo, São Paulo, Renovar, 2ª edição, pág. 114. 9RT, 515:316) quando diz que as prerrogativas da Administração vistas como desequiparações entre o Poder Público e os particulares, não podem ser justificadas à luz de uma regra de prevalência apriorística e absoluta dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais.
Afigura-se como legítimo entender que as hipóteses de tratamento diferenciado conferido pelo Poder Público em relação aos particulares devem obedecer aos rígidos critérios estabelecidos pela lógica do princípio constitucional da igualdade.
Para que um privilégio estabelecido em favor da Administração Pública seja constitucionalmente legítimo, será necessário que:
a) a discriminação criada em desfavor dos particulares seja apta a viabilizar o cumprimento, pelo Estado, dos fins que lhe foram conferidos pela Constituição e pela Lei;
b) a extensão da discriminação criada em desfavor dos particulares deve observar o limite do estritamente necessário e exigível para viabilizar o compromisso que a Constituição e a Lei dão ao Estado para o caso;
c) o grau de medida de sacrifício imposto à isonomia deve ser compensado pela importância da utilidade gerada em termos de benefício para a sociedade.
IX – CONCLUSÕES
Todos esses exemplos listados, no direito comparado, somados à exegese principiológica exigida determinam que haja razoabilidade e proporcionalidade a fixar limites na busca e apreensão envolvendo a revista em vestes íntimas.
Nesses casos não prepondera a supremacia de um interesse público, em prol da segurança. Deve-se ponderar diante dele o devido respeito a dignidade da pessoa humana a exigir ponderação diante do direito à privacidade.
Disse bem o ministro Gilmar Mendes, no julgamento do RE n. 603.616/RO que é indispensável que haja fundadas razões também para a revista íntima de qualquer pessoa que tenta ingressar em estabelecimento prisional.
Há de se ater, à luz do princípio da proporcionalidade que o benefício resultante da finalidade almejada supere o sacrifício imposto a outros direitos fundamentais (relação custo-benefício da medida).
Aguardemos, por ora, o andamento de tão importante julgamento perante o STF onde se digladiam princípios magnos como a supremacia do interesse público e o da proteção à intimidade privada. Mas, ratificamos que a modulação poderá ser o norte do entendimento a traçar em sede de repercussão geral.
Fica a pergunta: Será imoral, ilegal, ilícito, a autoridade investigante achar dinheiro em peças íntimas (cueca) de um investigado? Seria tal prova ilícita?
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