Quando Yahia Sinwar, o líder do grupo terrorista Hamas, decidiu matar mais de 1,2 mil israelenses nos atentados de 7 de outubro, seu objetivo era claro. Seu plano previa estimular outros atores do chamado ‘eixo da resistência, como são conhecidos os principais aliados do Irã no Oriente Médio, e os próprios aiatolás, para lançar uma guerra em várias frentes contra Israel, com ataques vindos de Gaza, Cisjordânia, do Líbano, Iêmen, Iraque e do próprio Irã.
À época, no entanto, o Hezbollah refugou. O levante esperado na Cisjordânia também não ocorreu. Os houthis se concentraram em atacar embarcações no Mar Vermelho. O Irã, como sempre, preferiu se esconder atrás da ação desses grupos.
No mês passado, a avaliação dos serviços de segurança em Israel era a de que a maior ameaça de escalada no conflito no Oriente Médio era o Hezbollah, cada vez mais ousado nos ataques no norte de Israel, mas que a posição do Irã seguia a mesma: a de terceirizar os ataques contra Israel para esses grupos do ‘eixo da resistência’.
De lá para cá, as coisas mudaram. Israel decidiu atacar na Síria a Guarda Revolucionária Iraniana, principal responsável por esse contato com o Hezbollah e outros grupos. Ao menos sete militares morreram.
Apesar de duro, um ataque cirúrgico israelense contra alvos iranianos não é inédito. Mas a resposta iraniana, sim, foi. Contrariando a expectativa da maioria dos analistas e formuladores de política, Teerã decidiu atacar, e atacar com força.
O ataque com centenas de drones, seguido de disparo de mísseis balísticos e auxiliado por ataques menores dos houthis, do Hezbollah e de milícias xiitas no Iraque não tem precedentes na história das tensões entre os dois países. A última vez em que Israel foi atacado dessa maneira foi na Guerra do Golfo, em 1991, quando Saddam Hussein lançou mísseis Scud contra o país.
A questão é por quê? Por que os aiatolás, sempre tão ciosos de colocar o Irã num confronto aberto decidiram se expor com um ataque dessa magnitude, que certamente será retaliado por um Netanyahu cada vez mais disposto a aceitar riscos militares em troca de sua sobrevivência política?
Dizem que quando Joe Biden foi informado da decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia, ele comentou com um assessor: “Duvidava que esse cara fosse realmente fazer isso”.
Putin atacou a Ucrânia depois que os americanos saíram de uma maneira catastrófica do Afeganistão e de sentir que a União Europeia estava de certa forma enfraquecida com a aposentadoria da chanceler alemã, Angela Merkel. Antes da invasão, forjou uma aliança ‘sem limites’ com a China de Xi Jinping, que lhe deu cobertura diplomática e econômica ao longo de dois anos de guerra.
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Nesse período, o eixo Moscou-Pequim atraiu também outros dois aliados cruciais, a Coreia do Norte, que hoje fornece peças de artilharia para Putin, e o Irã, com seus drones Shahad, cruciais para o esforço de guerra russo na Ucrânia e provavelmente usados no ataque de hoje contra Israel.
Não que a aliança entre russos e iranianos seja inédita - não é - mas o ataque de hoje mostra que Teerã se sente fortalecido, no contexto da nova Guerra Fria que opõem as potências ocidentais (EUA e UE) e as orientais (China e Rússia).
Somado a esse contexto geopolítico mais amplo, o Irã também se sente pressionado pela aproximação entre Israel e os países sunitas da região, principalmente a Arábia Saudita, com quem Netanyahu negociava antes da guerra, com auxílio americano, uma normalização das relações diplomáticas.
Isso levou Ali Khamenei, um jogador muito cerebral, a apostar. As consequências dessa aposta são imprevisíveis. Uma guerra aberta entre Israel e Irã não interessa nem a chineses nem a americanos, mas uma vez em curso, a dinâmica das alianças globais podem torná-la inevitável.
As perguntas que agora estão sendo feitas da Casa Branca ao Palácio do Povo em Pequim tentam responder duas dúvidas: O Irã tentou apenas mostrar a força suficiente sem que isso provoque uma guerra? E pior, Netanyahu entenderá dessa maneira o ataque, ou será convencido disso, se for esse o caso?
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