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Opinião|Retroatividade de norma administrativa sancionadora: mais proteção a direitos, menos sanha punitiva

É evidente que os desvios e a gestão pública desonesta devem ser combatidos. Para que isso ocorra, o Estado deve atuar dentro dos limites constitucionais estabelecidos. Não podemos abdicar de direitos e garantias fundamentais em nome do combate a corrupção

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convidado
Por Guilherme Stumpf

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, entendeu que a norma administrativa sancionadora não retroage em benefício do réu. Anteriormente, o colegiado afirmava ser possível aplicar o princípio da retroatividade da norma benéfica no direito administrativo sancionador. Agora, houve uma mudança na orientação da corte, se alinhando ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.

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No julgamento do Tema 1.199 de repercussão geral, o STF assentou que o princípio da retroatividade da lei mais benéfica é uma exceção e deve permanecer restrito ao Direito Penal. Sendo o ilícito de improbidade de natureza civil, no sentido de “não penal”, deveria permanecer como regra o princípio tempus regit actum ¬– ou seja, os atos são regidos pela legislação aplicável à época em que foram praticados.

Resta analisar se o posicionamento do STF foi o juridicamente mais adequado. A problemática básica consiste em definir se a norma constitucional que estabelece a retroatividade da lei penal benéfica em favor do réu seria aplicável ao direito administrativo sancionador.

A resposta do STF foi negativa: o princípio da retroatividade da lei benéfica não seria aplicável ao direito administrativo sancionador. Para o Supremo, a aplicação retroativa só seria possível diante de expressa previsão normativa. A decisão se deu em análise da retroatividade quanto a duas questões específicas: a revogação da modalidade culposa e a prescrição.

Tal posicionamento não parece o mais adequado. Isso porque o poder punitivo estatal é uno – podendo ser considerado como uma derivação do próprio monopólio do uso da violência, definido por Max Weber. Nesta seara, embora as sanções sejam de naturezas distintas, a legitimidade para sua aplicação decorre de um poder unitário e indivisível.

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Entre as conquistas do estado liberal, temos a limitação do poder estatal, justamente a partir de parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico. As garantias individuais surgem como forma de assegurar os direitos de defesa em face do estado persecutório. A presunção de inocência, a retroatividade da lei benéfica e o devido processo legal foram alguns dos avanços responsáveis por garantir a proteção do indivíduo contra as acusações imputadas pelo Estado.

Se tais princípios balizam o processo penal, não haveria razão para não aplicação de princípios idênticos ao direito administrativo sancionador, que nada mais é que outra face do mesmo poder punitivo estatal.

Caso não consideremos a retroatividade no âmbito do direito administrativo sancionador, estaríamos diante de uma situação contraditória – quase kafkaniana, em que a ação permanecerá caracterizada como antijurídica, embora o sancionamento não possua mais previsão em virtude de norma posterior.

Ora, em um Estado Democrático de Direito, deve prevalecer a proteção dos direitos fundamentais, não a gana punitiva do poder estatal. O tempus regit actum não afasta a retroatividade da norma mais benéfica. Ao contrário: a retroatividade da norma benéfica afasta o tempus regit actum.

É evidente que os desvios e a gestão pública desonesta devem ser combatidos. Para que isso ocorra, o Estado deve atuar dentro dos limites constitucionais estabelecidos. Não podemos abdicar de direitos e garantias fundamentais em nome do combate a corrupção. Tivemos casos recentes disso e os resultados não foram dos melhores.

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Guilherme Stumpf
Advogado especialista em Direito Administrativo. Foto: Arquivo pessoal
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