A prisão preventiva do general Walter Braga Netto tem uma característica em comum com outras prisões decretadas no âmbito da Lava Jato e cassadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos: ao fim e ao cabo, elas estão baseadas na palavra de um delator.
O inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado em dezembro de 2022 não se apoia apenas na delação do coronel Mauro Cid. Segundo o relatório da Polícia Federal, há indícios robustos de materialidade e de autoria delitiva. No entanto, pelo que consta do despacho do ministro Alexandre de Moraes, a ordem de prisão de Braga Netto baseia-se na palavra do delator. “O novo depoimento prestado por Mauro César Barbosa Cid apresentou elementos que permitem caracterizar a existência de conduta dolosa de Walter Souza Braga Netto no sentido de impedir ou embaraçar as investigações em curso”, disse o ministro.
Sem a palavra de Mauro Cid, a acusação de obstrução à investigação não se sustenta. Citado no despacho de Alexandre de Moraes, o documento encontrado na mesa do assessor de Braga Netto, com perguntas e respostas sobre a delação de Mauro Cid, não revela rigorosamente nenhuma tentativa de obstrução das investigações. Mostra apenas, o que é compreensível e legítimo, interesse em saber o que havia sido falado na colaboração premiada.
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O entendimento do STF é pacífico: a palavra do delator não pode servir de fundamento para decretar prisões preventivas. Assim o reconheceu, em abril de 2019, a 2ª Turma da Corte ao cassar uma ordem de prisão decretada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. “Prender provisoriamente com base em delação é violador da lei e da Constituição”, afirmou o ministro Gilmar Mendes na ocasião.
Meses depois, o Congresso reafirmou o entendimento do Supremo ao aprovar o chamado Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), estabelecendo que nenhuma prisão preventiva, entre outras medidas restritivas de direitos, pode ser decretada “com fundamento apenas nas declarações do colaborador”. Era o aprendizado com a Lava Jato produzindo efeitos. Agora, sob o argumento da gravidade dos crimes investigados, estamos repetindo os mesmos erros.
* Nicolau da Rocha Cavalcanti é advogado e mestre em Direito Penal pela USP
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