A Amazônia não é um destino qualquer – é preciso estar preparado. Não me refiro a condicionamento físico ou conhecimento resultante do estudo, mas sim à disposição de se maravilhar. É uma viagem tão instigante quanto assustadora, com muitas opções de roteiro. Do Museu da Amazônia (Musa), em Manaus, a experiências imersivas na floresta, em hotéis luxuosos ou barcos que mergulham pelo interior da floresta.
É uma viagem tão instigante quanto assustadora. Que desafia a visão viciada de seres urbanos e, em igual medida, surpreende humanos olhares atentos. Tem muito verde, muita água e muito céu. Um pôr-do-sol de matizes, uma profusão de barcos de tantos tamanhos e funções.
Glamping flutuante ao longo do Rio Negro
Um deles, o Belo Shabono navega o Rio Negro com visitantes ávidos por uma imersão amazônica. A bordo da embarcação construída por artesãos locais em 2017, o glamping flutuante emociona a cada légua percorrida com o horizonte indevassado. E também a cada parada, para fazer atividades ou para dormir sob o luar estrelado.
O povo ianomâmi chama suas casas comunitárias de shabonos. O sentido de vivência em grupo é a própria essência do barco da Belo Brasil Tours, empresa com experiência superior a 20 anos no segmento de intercâmbio cultural. A embarcação costumava receber estudantes estrangeiros na Amazônia, processo interrompido em 2020, com o início da pandemia. Remodelada, a experiência foi lançada no fim de 2021 para viajantes. O conceito continua o mesmo: vivenciar a Amazônia num barco sustentável, sem plástico e, em breve, com placas solares. Já a estrutura e os serviços tiveram um significativo upgrade.
Com 26 metros de comprimento, o Belo Shabono remete ao desenho das embarcações de transporte tradicionais nos rios da Amazônia, com dois andares. No primeiro, há uma área com água, chá e café disponíveis 24 horas; pias, cabines de chuveiro e outras de vaso sanitário; uma cozinha de apoio; e um canto para as malas.
A mesa posta com bonita louça recebe fartas e deliciosas refeições preparadas por cozinheiras locais em outro barco, que acompanha a toda a navegação. Os funcionários se encarregam de não deixar faltar nada aos visitantes. Ali só não existe internet, de propósito, para a atenção se manter constante na natureza, nos animais e nas pessoas.
Subindo as escadas, o deque coberto serve de lounge de dia e se transforma em quarto à noite. Os sofás viram camas, arrumadas com lençóis de algodão egípcio 300 fios e travesseiros de pluma de ganso. Ao longo da madrugada, quando a energia do barco está desligada, os sons da Amazônia ecoam em botos, sapos e pássaros, enquanto estrelas salpicam a escuridão até a visão cair sobre o negro da floresta e do rio.
Entre as paradas e a convivência a bordo do Belo Shabono, entramos em igarapé, tomamos banho de rio, aprendemos como se sobe num açaizeiro, apreciamos a dança da comunidade indígena Cipiá, visitamos a comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, contemplamos o cair alaranjado da tarde, conhecemos um projeto de proteção dos quelônios, compramos artesanato, provamos a culinária amazônica e andamos na mata com o guia nativo João Paulo Valente, conhecedor do Amazonas como ninguém.
Um detalhe importante: a acidez da água do Negro afasta os temidos mosquitos. Então, enquanto se está sobre o rio, os animais não incomodam. Isso não vale, obviamente, para as caminhadas na mata, quando o uso de repelente é indispensável.
O que está incluído
Muitas dessas atividades na natureza estão disponíveis em viagens pela Amazônia, obviamente com nuances personalizadas em cada estilo de roteiro ou meio de hospedagem. Geralmente já estão incluídas no preço; procure saber antes de fechar a viagem a que passeios tem direito.
Nas saídas, não se esqueça de carregar sempre dinheiro para comprar o artesanato produzido por indígenas e ribeirinhos. A venda desses artefatos – muitas biojoias, cestos e objetos para casa – contribui com a renda de toda a população que vive ao redor do Rio Negro.
Outro dado para se lembrar de perguntar antes é sobre a necessidade de estar de roupa de banho por baixo, especialmente na região do Rio Negro, porque os roteiros podem incluir uma parada para banho nas águas da Amazônia. Foi assim durante a nossa navegação com o Belo Shabono e na hospedagem no Mirante do Gavião Amazon Lodge, quando conseguimos ver botos nadando perto da margem do rio e apreciar a vegetação do Parque Nacional de Anavilhanas.
É importante entender que a programação da viagem vai depender da época do ano. A região amazônica tem praticamente duas estações: a cheia (de março a agosto) e a seca (de setembro a fevereiro), quando surgem bancos de areia e praias de água doce. Entre as temporadas, há dois momentos de transição, com os rios vazando ou enchendo.
Em qualquer tempo, tome as vacinas contra a febre amarela (no mínimo 10 dias antes do embarque) e contra a covid (não é indicado viajar sem a imunização completa para qualquer lugar, pela saúde em si e também porque a apresentação do comprovante de imunização pode ser pedido em alguma atração).
Conhecer para preservar
A Amazônia como um todo, maior floresta tropical do mundo, é fatiada entre nove países, sendo a maior parte dentro do território brasileiro. Com diversas espécies endêmicas, o bioma é rico em biodiversidade de fauna e flora. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em torno de 4 mil km² se estendem por oito Estados brasileiros.
Mas o desmatamento na Amazônia entre agosto de 2020 e julho de 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o maior dos últimos 15 anos: uma área de 13.235 km². Isso equivale a um aumento de quase 22% em relação ao total registrado nos 12 meses anteriores.
Visitar a região se apresenta como uma grande oportunidade de compreender sua importância, por meio de experiências com a floresta e sua gente. Hotéis de selva, por exemplo, costumam formatar pacotes de atividades de acordo com o número de noites que o turista passa no lugar.
Embora qualquer viagem à Amazônia – ainda que se limite a Manaus – ofereça a possibilidade de interação com animais, caso da focagem de jacaré e da pesca de piranha, a magnitude da floresta não exige esse contato próximo para o viajante se convencer de como a preservação daquele ecossistema se faz necessária para o Brasil e o mundo. Basta navegar pelo labirinto de ilhas do Parque Nacional de Anavilhanas, conversar com ribeirinhos e andar entre copaíbas, castanheiras e cipós d’água.
Receptivo ao novo, com os canais sensoriais abertos a todos os estímulos, o viajante deixa a Amazônia transformado. A pessoa se verte em reflexo. De rios, igarapés, árvores, sons, indígenas, barcos, colares, animais, sol, chuva e céu. De vida.
Quanto custa
Por pessoa, a diária sai por R$ 1.604, com pensão completa a bordo, bebidas não alcoólicas nas refeições e experiências do roteiro escolhido.
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