Artistas doam obras para arrecadar fundos contra incêndios no Pantanal

Adriana Varejão, Vik Muniz, Daniel Senise e Di Cavalcanti estão entre os autores dos 45 trabalhos à venda. Iniciativa espera levantar R$ 2 milhões

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Foto do author Nathalia Molina

Obras de grandes nomes das artes plásticas, como Di Cavalcanti, Adriana Varejão, Vik Muniz e Daniel Senise, foram doadas para arrecadar R$ 2 milhões para o combate a incêndios no Pantanal. A verba será administrada pelo SOS Pantanal, com o intuito de criar e manter brigadas contra focos de fogo na região. Em 2020, em torno de 4 milhões de hectares foram queimados no Pantanal, o que equivale a cerca de 25% do bioma.

'Linha de Fogo', fotografia de João Farkas, está entre os trabalhos na ação para custear brigadas de incêndio Foto: João Farkas

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A campanha Artistas Pelo Pantanal começou na segunda-feira passada, com 45 obras de 42 nomes importantes, como Emiliano Di Cavalcanti (no nanquim sobre papel Mulher de Meias Pretas, por R$ 25 mil). Mas ontem só trabalhos de 23 artistas estavam no site do Festival Internacional de Arte de São Paulo (SP-Arte) na página Documenta Pantanal (sp-arte.com/galerias/documenta-pantanal) – as organizações são parceiras na iniciativa. O restante já havia sido comprado logo nos primeiros dias, caso de Vik Muniz (Nossa Senhora das Graças, R$ 33 mil) e Adriana Varejão (Tintas Polvo, R$ 82,5 mil).

“Se essa campanha bater o resultado, a gente consegue ampliar o número de brigadas atendidas de 14 para 30 e também dar apoio com estrutura de comunicação entre elas e delas com instituições públicas como os Bombeiros”, afirma Leonardo Gomes, diretor de Relações Institucionais do SOS Pantanal. “Também dá para fazer planos de proteção contra incêndios florestais. A gente nunca teve um recurso desse vulto e vai poder atuar com maior abrangência e profundidade em educação ambiental e planos de proteção de contra incêndio ambiental no Pantanal.”

Com os R$ 2 milhões provenientes da venda dos trabalhos, artistas, galerias e compradores estarão apoiando as brigadas no Pantanal por um período de três anos. Os grupos irão atuar em diferentes trechos do bioma: Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Nossa Senhora do Livramento e Barão de Melgaço, no Mato Grosso; e Poconé, Corumbá e Ladário, no Mato Grosso do Sul.

Adriana Varejão doou a caixa 'Tintas Polvo', à venda por R$ 82,5 mil para ajudar o Pantanal Foto: Vicente de Mello

No ano passado, a organização conseguiu em torno de R$ 1,4 milhão com duas campanhas. Os recursos foram usados em ações emergenciais, caso do resgate de animais no Pantanal Norte e na Serra do Amolar, no sul. As brigadas ficaram com R$ 800 mil do total para equipamentos de proteção individual e combate ao fogo, além de capacitação das equipes. Também foram distribuídas quase 80 toneladas de alimentos à população do ecossistema.

“Os artistas doaram 100% das obras. Por isso, a campanha se chama Artistas pelo Pantanal. Foi uma adesão absurda. É muita emoção olhar aquilo. As pessoas compram porque têm um gosto para a arte, mas também pela possibilidade de ajudar”, afirma Mônica Guimarães, à frente do Documenta Pantanal. Há dois anos, o projeto reúne empresários de turismo, ambientalistas e profissionais de artes visuais em ações para registrar e divulgar a cultura e a natureza da região.

Um quarto da área do Pantanal queimada em 2020

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Cerca de 4 milhões de hectares no Pantanal foram atingidos em 2020 por queimadas – o que corresponde a 26% do bioma, de acordo com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Lasa-UFRJ). O ano passado foi o pior da história do Pantanal, segundo dados de satélites registrados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O total de focos de incêndio no bioma detectados foi de 8.025 entre junho e agosto. Antes disso, o pior ano em relação a esses meses havia sido 2005, com 7.687.

Setembro e outubro de 2020, no entanto, foram os piores desde 1998, com impressionantes 8.106 e 2.856 focos de incêndio, respectivamente. Ao longo de 2020 todo, a região registrou 22.116 focos – em anos difíceis como 2002, 2005 e 2019, o total ficou em torno da metade disso.

A obra 'Movimento II' (2020), de Marcius Galan, está à venda por R$ 165 mil na plataforma da SP-Arte Foto:

O diretor do SOS Pantanal conta que vem percorrendo as áreas das brigadas nos últimos dois meses e que os relatos são de um clima já mais seco. Segundo Gomes, o bioma já começa a temporada de seca neste ano com o nível das águas abaixo. “As previsões para este ano não são muito animadoras. As vazantes já começaram a correr. Boa parte da água do Pantanal escoa para o Rio Paraguai”, conta.

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O problema se agravou, segundo o diretor do SOS Pantanal, por essa seca severa que vem atingindo a região. “Grande parte dos incêndios são iniciados por ação humana, seja ela intencional ou não. Pode ser um acidente com fiação elétrica ou uma queima de resíduo sólido. Se um incidente assim ocorria em um ano menos seco, não tinha esse resultado”, explica. “Por isso, é preciso cada vez mais atuar para prevenir com educação ambiental, manejo de resíduo sólido e queima prescrita em áreas com biomassa acumulada, mas que tenham uma umidade relativa alta e pouco ou nenhum vento. Você vai fazendo planejamento ano após ano para conseguir isolar o fogo.”

Algumas das brigadas são iniciativas de projetos de preservação da fauna e da flora, como o Onçafari, o Arara Azul e o Pantera Brasil. “Essa associação de projetos de conservação com propriedades rurais é muito importante, já que mais de 90% do Pantanal é privado”, diz o diretor do SOS Pantanal. Em relação ao turismo de natureza, ele explica que o bioma é o mais privilegiado do Brasil para a observação de biodiversidade. “O Pantanal está no imaginário do brasileiro que não vive nos dois Estados que têm o bioma como quintal. Ele figura como um estoque de natureza. É um local mais rústico e selvagem. Todo mundo quer conhecer um dia.”

Animais como a onça-pintada, neste registro de Araquém Alcântara, foram atingidos pelo fogo em 2020 Foto: Araquém Alcântara

Mônica chegou a ver sinais de um começo de melhora na natureza em fotos de integrantes do Documenta que estiveram na região no fim de 2020. “A Serra do Amolar está devastada. Se viesse a chuva que tinha de vir, a terra se recupera rapidamente. Mas já veio a seca”, lamenta. “É fundamental esse valor de R$ 2 milhões para treinar e equipar o morador de lá que está nas brigadas. Ele está ali ao lado, e ganhar tempo é muito valioso contra o fogo. E o Pantanal é um terreno difícil de transitar.”

Iniciativa pela preservação do bioma

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Para evitar que a tragédia se repita em 2021, o Documenta Pantanal buscou a solidariedade do mercado de arte. O projeto recebeu apoio da SP-Arte, com as participações voluntárias de Mari Stockler, Fernanda Feitosa, Maguy Etlin, Paula Azevedo e Susana Steinbruch. Mônica conta que a ideia surgiu numa reunião entre o SOS Pantanal, Teresa Bracher (que coordena o Documenta com ela) e Roberto Klabin (proprietário do Refúgio Ecológico Caiman, muito atuante pela preservação do bioma). “Foi uma sacada super legal. O Roberto deu a ideia ‘E se a gente fizesse um leilão de arte?’ Aí a gente juntou as pessoas que são da área”, conta Mônica.

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Em fevereiro e março, trabalharam com os artistas e escolheram o formato de venda direta em vez de leilão. “A gente está muito feliz. Quando você junta pessoas com propósito para levantar um dinheiro e vê que ele está indo direto para comprar roupas e rádios das equipes, você vê acontecendo. Cada comprador e artista vai receber uma prestação de contas, informando como o valor pago foi usado no Pantanal.”

Um bocaiuval será plantado na Escola Jatobazinho, mantida pelo Acaia Pantanal, para registrar esse movimento de solidariedade de forma verde. Com placas com nomes do doares e de todos os envolvidos na campanha, plantação ficará à beira do Rio Paraguai, perto de Corumbá. Um trabalho de educação ambiental será realizado ali com crianças ribeirinhas, que irão desenvolver atividades artística tendo como fonte de inspiração as obras doadas.

A Nossa Senhora das Graças - Pictures of Junk (2008), de Vik Muniz, foi vendida no primeiro dia da campanha Foto: Everton Ballardin

Artistas das obras doadas para a campanha

O site oferece consultoria nas vendas; informações sobre os trabalhos podem ser obtidas também pelo e-mail artistaspelopantanal@gmail.com.

Confira a lista completa: Adriana Varejão, Afonso Tostes, Alex Cerveny, Alexandre da Cunha, Ana Maria Tavares, Antônio Malta Campos, Araquém Alcântara, Artur Lescher, Caio Reisewitz, Carlito Carvalhosa, Dalton Paula, Daniel Senise, Di Cavalcanti, Elisa Bracher, Erika Verzutti, Ernesto Neto, Fabrício Lopez, Felipe Cohen, Gerben Mulder, Guga Szabzon, Jac Leirner, João Farkas, José Bento, Laura Lima, Leda Catunda, Luciano Candisani, Luiz Zerbini, Márcia Xavier, Marcius Galan, Maria Klabin, Marina Saleme, Nuno Ramos, Paloma Bosquê, Paulo Bruscky, Paulo Monteiro, Regina Silveira, Rivane Neuenschwander, Rodrigo Andrade, Santídio Pereira, Sérgio Sister, Vik Muniz e Yuli Yamagata.