Julgue você mesmo se qualquer semelhança é ou não mera coincidência com o que se vê por aí. O ano era 1889. Os cem contos de réis que o Ministério da Viação e Obras Públicas dispunha para encaminhar ao sertão jamais chegaram ao destino. As vítimas da seca que esperassem. A monarquia tinha mais com que se preocupar. O imperador D. Pedro II assistia à insatisfação do povo diante de uma inflação de 3% ao ano e com os impostos criados pelo Ministro da Fazenda, Affonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto. O Exército conspirava nos quartéis. As repúblicas vizinhas achavam que já era hora de o Brasil caminhar sozinho. O que fazer? D. Pedro II decidiu que daria uma grande festa, com a presença de todo o governo e da nobreza, para provar que tudo estava em ordem. O Visconde de Ouro Preto achou melhor fazer chover na horta do imperador do que na aridez nordestina. Patrocinou o desvario real. Mas a situação era delicada. Se a festa fosse no Paço de São Cristóvão, próximo do quartel da Artilharia, os militares poderiam querer proclamar a República. Bastava cercar o imperador e seu séquito. O mesmo aconteceria se fosse em Petrópolis. Os revoltosos precisariam apenas explodir as pontes ferroviárias para isolar o governo. A solução seria encontrar um local isolado, talvez uma ilha. Não foi difícil. A Ilha Fiscal estava logo ali, com seu belo palácio recém-construído. A festa foi marcada para outubro, mas a morte de um tio do imperador, em Portugal, atrapalhou os planos. A nova data foi acertada: 9 de novembro, um sábado. Dois mil convites chegaram às mãos de representantes das nações vizinhas, integrantes do governo e nobres da Corte. Feriado nacional - O sábado amanheceu com ares de feriado nacional. O comércio fechou ao meio-dia. Às 18 horas, o Paço Imperial, que ironicamente ganharia o nome de Praça 15, em homenagem à proclamação da República, fervilhava. As pessoas disputavam espaço para pegar a barca que levaria à Ilha Fiscal. Houve empurra-empurra, escândalos e até quem caísse na água do cais. Um prato cheio para os fotógrafos. A família imperial, a bordo de uma carruagem, pegou um engarrafamento entre São Cristóvão e o Campo de Santana. D. Pedro II, estranhando, teria colocado a cabeça para fora e perguntado ao cocheiro a razão da demora. O serviçal, objetivo, teria respondido: "a coroa caiu". Para alívio do monarca, fora apenas a coroa de pedra de uma das torres do prédio da Câmara de Vereadores que despencara no chão. Mas os sustos não cessaram ali. Já na ilha, quando era inaugurada a iluminação do castelo e a banda executava o Hino Nacional, o imperador tropeçou num tapete e quase tombou. Reagiu com bom-humor: "O imperador pode cair, mas a monarquia continua". Mal sabia ele. Seis dias depois, em 15 de novembro, o Rio assistiu à queda da monarquia. Os republicanos articularam-se para um golpe, junto ao marechal Deodoro da Fonseca, que, embora preferisse esperar pela morte do imperador, aceitou chefiar a revolução e tornou-se o primeiro presidente do Brasil. Roedores - Criada artificialmente por aterro e ocupada por fornos usados na queima de cal, a Ilha Fiscal (batizada assim apenas em 1882), era conhecida por Ilha dos Ratos. Não se sabe se recebeu o apelido por causa do grande número de roedores ou se foi graças às pedras existentes nas cercanias, de coloração acinzentada e semelhantes a ratazanas gordas. A área foi disputada pelos Ministérios da Marinha e da Fazenda. A rapidez do engenheiro Adolpho José Del Vecchio, diretor de obras da Fazenda, fez pender a balança para o lado de sua autarquia. Em 1881, foi lançada a pedra fundamental. Em visita ao local, o imperador ficou encantado com a vista da baía e teria exclamado: "parece um delicado estojo, digno de uma jóia preciosa!". Del Vecchio, admirador do estilo gótico provençal, projetou um castelo como os franceses do século 14, dedicado à fiscalização alfandegária. Com a presença de D. Pedro II, o prédio foi inaugurado em 27 de abril de 1889. Desde 1913, o Ministério da Marinha passou a administrar a Ilha Fiscal. Restaurado em 1996, o castelo recebe hoje grupos de turistas e de estudantes, interessados nesses detalhes curiosos da história. As obras recuperaram a grandiosidade original da construção, que foi transformada em museu. Além de exibir três mostras permanentes, a Ilha Fiscal organiza festas para grupos particulares em seus belos salões. No castelo, destacam-se o trabalho em cantaria, os mosaicos do piso do torreão, com 14 espécies de madeira brasileira - como pau-brasil, peroba e imbuia -, a pintura em estilo bizantino das paredes, o relógio da torre e a magnífica coleção de vitrais, importados da Inglaterra. Em dois deles, no torreão, estão retratados D. Pedro II e a Princesa Isabel, ladeados pelos brasões genealógicos de ambos. Os móveis, hoje de jacarandá, chegaram à ilha em 1933. Os originais foram destruídos 40 anos antes, durante a Revolta da Armada. Durante a visita, também se pode observar maquetes que reproduzem cenas da festa, com bonecos vestidos a caráter, além de um belo salão, com porcelanas nacionais, lustre Baccarat e uma réplica do quadro Baile da Ilha Fiscal, pintado por Aurélio de Figueiredo. A tela retrata toda a pompa do derradeiro baile da monarquia. O original encontra-se no Museu Histórico Nacional (Praça Marechal Âncora, s/n.º). A mais famosa festa da história do Brasil também serviu de inspiração para o escritor Josué Montello, autor de O Baile da Despedida, da editora Nova Fronteira. O passeio à Ilha Fiscal parte do Espaço Cultural da Marinha (Rua Alfredo Agache, s/n.º; (21) 3870-6879), para grupos de até cem pessoas. O transporte de lancha dura 15 minutos e é feito ao largo do Arsenal de Marinha do Rio, permitindo observar navios de guerra ali atracados. Há saídas de quinta a domingo, às 13, 14h30 e 16 horas. O ingresso custa de R$ 2,00 a R$ 4,00.
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