Os fiéis que estiverem no cortejo de Círio de Nazaré, no domingo, terão bons motivos para reverenciar, e quem sabe abençoar, o tradicional mercado Ver-o-Peso. Criado em 1688 e cravado no centro histórico de Belém, no Pará, o Ver-o-Peso passou por uma restauração e requalificação de parte de seu espaço. O projeto, cuja primeira etapa será inaugurada quarta-feira, é assinado por uma equipe de profissionais do Rio de Janeiro, que venceu um concurso realizado em todo o País pelo Instituto Arquitetos do Brasil (IAB). Os arquitetos Flavio Ferreira, Rodrigo Azevedo, Pedro Rivera e Washington Fajardo fizeram uma intervenção arrojada, que consegue, ao mesmo tempo, valorizar os lindos prédios históricos do lugar e dar um tratamento moderno para a feira de peixes, carnes, frutas, artesanato e industrializados que funciona ali. "O mais sutil desse trabalho foi conseguir conjugar o erudito com o popular e o contemporâneo com passado", observou Ferreira. Para conceber o novo visual do mais antigo entreposto comercial da Amazônia, os arquitetos passaram uma semana em Belém. Mais tarde, com a obra aprovada, Azevedo, Rivera e Fajardo moraram seis meses na cidade. "A distância criou dificuldades. Não estávamos conseguindo viabilizar o projeto por telefone", lembrou Rivera. Outros motivos também contribuíram para esta mudança de ares. "A maneira que a gente gosta de fazer arquitetura é se integrando e se entregando. É conhecendo a cultura do lugar", completou Azevedo. Fajardo, que define o trabalho como "uma imersão", considera esta oportunidade rara na vida de um profissional. "Fizemos um projeto em um centro histórico, que tem na sua frente uma baía amazônica (a Guajará) e, atrás, a mata da região", observou. Colônia - De fato, o complexo do Ver-o-Peso é de encher os olhos. Os prédios - o Mercado de Peixe, o Solar da Beira, o Mercado de Carnes, o antigo necrotério - apresentam estilos distintos, como o neo-clássico e o ferro fundido art-noveau do início do século passado. Tudo começou na época colonial, com a fundação de uma casa onde as mercadorias vindas do interior eram pesadas para cobrança de impostos pela Coroa. Era o lugar de "ver-o-peso". Desde então, o lugar cresceu e se tornou a maior feira livre da América Latina - são cerca de 2.000 barraquinhas. Cores, aromas e os sabores da região estão concentrados lá. São frutas como cupuaçu, bacuri e açaí. Centenas de ervas que, juram os habitantes da cidade, podem curar uma dor do estômago, "amansar maridos" ou atrair a pessoa amada. Para completar o cenário há ainda o porto onde chegam e saem as mercadorias da região. Muito degradado, o local recebeu obras de infra-estrutura como drenagem, rede de esgoto e nova iluminação. Passagens entre as barracas foram abertas trazendo mais luz natural para os vendedores. Todo o plano de revitalização contempla uma área de cerca de 40 mil metros quadrados. Para cada tipo de produto, a equipe carioca desenhou um tabuleiro - ao todo foram seis modelos. "A relação com os comerciantes foi muito boa. As conversas que tivemos com eles ajudaram para que conseguíssemos entender a dinâmica da feira", explicou Rivera. Uma estrutura metálica tubular, coberta por um tipo de fibra, flexível, muito resistente e dá conforto térmico, substituiu as barracas de madeira com teto de amianto. Um dos símbolos de Belém, o imponente Mercado de Peixe, todo em ferro importado da Escócia, teve a sua fachada restaurada e ganhou a cor cinza original. De traços neo-clássicos, o Solar da Beira também recebeu reforma na fachada, agora pintada de verde. O edifício está fechado e a indicação dos arquitetos é para que ele se transforme em um grande centro de artesanato. Essa primeira parte do projeto custou R$ 2 milhões e o total deverá ficar em R$ 10 milhões. As etapas restantes do plano de revitalização contemplarão a outra metade da feira, que fica no lado oposto da ala que sofreu modificações. Estão incluídos o edifício do Mercado de Carnes, a Praça do Açaí e a Praça do Relógio. Para isso, será necessária uma obra no muro de contenção, a fim de que o terreno pare de ceder.
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