A pandemia do novo coronavírus atingiu a indústria do turismo em cheio. Já falei sobre este fato e seus desdobramentos em diversas colunas anteriores (só rolar a página) e também tem muita coisa sobre o tema reunida aqui. Mas agora, passados quatro meses da declaração de pandemia, é preciso começarmos a discutir de verdade outro efeito bem indigesto da Covid-19 no turismo: o baque na sustentabilidade da indústria turística. Como buscar um turismo verdadeiramente sustentável nestes tempos de coronavírus? Como garantir sustentabilidade em geral em uma época de tantos usos descartáveis?
Demos definitivamente um passo atrás na busca por um turismo mais sustentável nestes meses. A pandemia da Covid-19 já afeta negativamente as metas de redução do plástico de uso único na hotelaria a curto prazo, com diferentes redes que tinham anunciado previamente a eliminação do uso de plásticos descartáveis para 2021 ou 2022 já postergando suas próprias metas.
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Além dos essenciais equipamentos de segurança descartáveis dos funcionários (que obviamente têm que ser mantidos), há diversas propriedades (sobretudo no Brasil) adotando novamente a prática de entregar ao hóspede toalhas, talheres, controles remotos e até alimentos embalados em sacos de plástico para tentar aumentar a percepção de higiene e sensação de segurança sanitária aos novos hóspedes. Hotéis que já estavam adotando garrafas d'água de vidro estão retrocedendo e voltando às garrafas plásticas pelo mesmo motivo - ainda que não haja absolutamente nenhuma comprovação científica de que garrafas de plástico sejam mais seguras em relação ao novo coronavírus que as de vidro.
Isso sem entrar em outro aspecto: muitos novos "protocolos" do setor estão sendo desenvolvidos por pessoas de repertório extremamente limitado, sem conhecimento sobre sustentabilidade, e estão sendo erroneamente transformados em legislação no Brasil. Temos hotéis e restaurantes por aqui que já tinham eliminado o uso de plástico descartável e por novas leis provisórias e pressões de associações do setor estão sendo forçados a trazer os temíveis plásticos de volta. Uma prática barata para o setor, mas sem comprovação científica de sua necessidade e que terá um impacto terrível se houver uso excessivo e, principalmente, descarte irresponsável deste material.
Acredita-se (segundo dados das Nações Unidas) que cerca de 13 milhões de toneladas de plástico cheguem ao mar a cada ano. Já estamos vendo as reportagens sobre máscaras e luvas descartáveis encontradas aos montes no mar, da Europa à Ásia. Mas até agora nenhuma rede hoteleira ou propriedade que esteja adotando a prática soube dizer exatamente como fará/está fazendo o descarte de tudo isso.
É urgente que planejemos viagens de maneira mais consciente e que viajemos de maneira mais responsável. Entender corretamente os termos chaves da sustentabilidade nos ajudam a saber exatamente que predicados buscar em hotéis e demais prestadores de serviços turísticos. Para onde exatamente vai o dinheiro que investimos nos hotéis e serviços das nossas viagens? Quais são as políticas da empresa sobre energia e lixo?Comunicar ao prestador quais são nossas principais preocupações fazem com que tenham que nos ouvir - e, de repente, repensar seus modelos. Só assim poderemos continuar caminhando em direção a um turismo verdadeiramente sustentável, mesmo em tempos de coronavírus.
Empresas e propriedades do turismo que trabalham para preservar o meio ambiente, apoiar comunidades e cultivar biodiversidade merecem nosso apoio. E felizmente há empresas fazendo isso de maneira bastante séria e eficiente, como os já citados aqui Great Plains Conservation (Botsuana, Quênia, Zimbábue), Porini Camps (Quênia), The Brando (Tahiti),Anavilhanas Jungle Lodge (Amazônia) e Pousada Mata N'ativa (Trancoso), apenas para mencionar alguns. Outras iniciativas importantes, como a incrível Documenta Pantanal (que completou agora um ano de atuação em maio), desenvolvem ações multimídias para chamar a atenção da sociedade para a urgência de preservar o meio ambiente.
No caso específico da Documenta Pantanal,buscam transformar também agricultura, pecuária e o turismo no Pantanal brasileiro em algo realmente sustentável como um todo. Parte do grupo formado por estudiosos, empresários, artistas e produtores viajou no começo deste ano ao Delta do Okavango, na Botsuana, para aprender e poder gerar, enfim, um novo modelo de ecoturismo para o Pantanal - mas é preciso que hoteleiros e prestadores realmente abracem a ideia.
Urge que hotéis ao menos se preocupem com o descarte correto dos produtos descartáveis, apostem na reciclagem de tudo o que puder ser reciclado e que tenham políticas claras sobre consumo e geração de energia e lixo. E, claro, que nós, viajantes, também cobremos cada vez mais essa postura dos hotéis nos quais nos hospedaremos (quando for seguro viajar novamente), dos restaurantes e dos serviços turísticos em geral. Que priorizemos hotéis e prestadores que levam a sério a sustentabilidade ao decidirmos nossas futuras viagens. E que sejamos conscientes e coerentes também nas nossas posturas nas viagens, inclusive no que tange o turismo de massa e a maneira como nos relacionamos com destinos que visitamos em passeios bate-e-volta. Vou ainda mais longe: quantas pessoas você conhece que ainda nem sequer levam sua própria garrafinha de água reutilizável por aí? É nos pequenos hábitos que essa mudança tem que começar. E essa pausa forçada nas viagens a que todos nós fomos submetidos pode ser uma boa oportunidade de repensá-los.
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