Depois de várias pessoas me perguntarem porque o iria fazer, tentei ser clara no objetivo: estamos perdendo a memória. Se por um lado criticamos longamente o Holocausto, um acontecimento que teve lugar há apenas 75 anos, por outro continuamos a fazer o mesmo em outros lugares do mundo. Basta olhar em redor e para as guerras na Síria, no Iraque, para os desacatos no Chile, no Líbano, para as mortes de migrantes à porta da Europa e dos EUA, onde as pessoas procuram uma vida melhor.

Em todos estes lugares, o denominador comum é o seguinte: alguém se acha melhor que outro. Alguém acha que tem mais direitos que outro. Alguém, algum ser humano, acredita ser superior a um outro, seu igual, e com o poder que tem na mão, decide o destino daqueles que acreditam ser inferiores a si. Exatamente como aconteceu durante a II Grande Guerra.

Quando aterrei em Cracóvia, com as cores do outono marcando o dia e um sol maravilhoso brilhando, me encantei com a arquitetura medieval, a ordem da cidade, a limpeza e a agitação de uma cidade que tem 700 mil habitantes mas que nos delicia com restaurantes, bares, lojinhas, galerias de arte, castelos, recantos, sinagogas e igrejas num cruzamento maravilhoso de culturas e influências. Apesar de os poloneses não serem as pessoas mais simpáticas do mundo, o ambiente é bem descontraído e é super legal experimentar as diferentes vodkas nos barzinhos que facilmente se encontram pela cidade.
A uma hora e pouco de caminho, de ônibus, ficam então os campos de Auschwitz-Birkenau. A viagem é super tranquila, pelo meio de paisagens lindas e verdes, ordenadas territorialmente e perfeitamente cuidadas. Quando chegamos, somos impactados pelo tamanho dos campos, pela arrumação dos edifícios, pela beleza que os envolve e nos dificulta a necessidade de imaginar o cheiro a morte, a desespero, a desrespeito que fizeram parte daquele lugar durante cerca de quatro anos. Embora não tenhamos sido surpreendidos por informação nova - todos nós, que viajámos juntos, lemos diversos relatos de sobreviventes, estudámos a História, vimos documentários - fomos atropelados pela dimensão do lugar e pela materialização daquilo que até agora só tínhamos imaginado.

Mais de 40 mil pares de sapatos, mais de 7 toneladas de cabelo humano, milhares e milhares de óculos, utensílios como pincéis e lâminas de barbear, centenas de malas de viagem e de roupa de bebês e crianças olham para nós, que desfilamos diante dos olhos de prisioneiros no campo: muitas das fotografias que foram tiradas pelos guardas dos campos estão agora expostas para que a gente possa olhar nos rostos de gente que viveu entre duas horas e quatro meses naqueles campos. Cerca de 870 mil judeus foram assassinados em uma câmara de gás logo após passarem os portões. As pessoas que não morriam logo e eram obrigadas a trabalhar e a viver em condições desumanas duravam pouco mais de três meses.
Nas largas avenidas de Auschwitz-Birkenau, a memória é a única coisa que nos pode continuar a contar a História daquelas 1,1 milhões de pessoas que ali morreram - e ela deverá ser um poderoso alerta para que a história não se repita.
Foi demasiado fácil a Adolf Hitler convencer várias nações de que os judeus deveriam ser exterminados - também foi demasiado fácil fazê-lo com muita gente ignorando o que se passava. Faz parte do nosso trabalho, enquanto cidadãos, seres humanos bons, não deixar que jamais se repita a história desse Holocausto. Seja com sírios, iraquianos, eritreus, mexicanos, chilenos, argentinos ou o que seja.
Faz parte do nosso trabalho não esquecermos de que as pessoas que estão ao nosso lado são pessoas. Como nós. Nem mais, nem menos. Iguais. E isso deveria ser o suficiente para que todos nos indignássemos com muitas coisas que estão acontecendo no mundo hoje. Tão pouco tempo depois de um desastre humano como foi o Holocausto.
