Chef Octávio Freitas levou mais uma estrela Michelin para o arquipélago, e sua atitude irreverente mas respeitadora dos produtos locais tem atraído cada vez mais clientes para o seu restaurante, instalado no topo do Hotel The Views Baía.
Com vista para a cidade do Funchal, o Desarma tem como ponto principal a entrega. É assim que Octávio Freitas explica o nome - desarmar, entregar-se sem problemas nas mãos da equipe que o vai receber - e pede que seja encarada a refeição que está prestes a servir. Galardoado com uma estrela Michelin no ano passado, o Desarma conta com um time jovem e motivado na cozinha, o que não passa despercebido no prato.
Octávio Freitas é um chef ativo, presente e orgulhoso da sua equipa. Tem no seu staff vários elementos que começaram a estudar com ele, e que passaram os últimos anos sob o seu comando. É impressionante como, sem deixar de conversar com quem se senta à sua frente, mantém debaixo de olho todo o ritmo da cozinha, que num serviço de fazer inveja a muitos restaurantes da capital de Portugal, se mostrou irrepreensível. O chefe de sala, Alexandre Franco, é um exemplo de discrição e eficiência. Com menos de 30 anos, vai conduzindo uma sala cheia sem mostrar o mínimo sinal de ansiedade ou dúvida.
Pelo meu prato passaram ostra (sou muito fã, então direi sempre bem), texturas de funcho (que inspirou o nome do Funchal), comcaviar e manteiga de kefir, salmonete, atum corado (me apaixonei), lapas secas e ovas de peixe-espada, para além de truta, e, para mim o momento mais surpreendente de todos, uma tábua de charcutaria marítima. Ou seja, sabores que estamos acostumados a sentir vindos de carne, são apresentados a partir de produtos marítimos. Absolutamente incrível.

Outra boa surpresa foram as uvas com queijo de cabra e beterraba - o que parecia uma mistura bem insana acabou por ser revelar um momento muito saboroso - e ainda o pombo com cevadinha de cogumelos.
Os restaurantes estrelados têm, por norma, uma tendência que me deixa um pouco desconfortável, que é a tentativa de fazerm mais. Surpreenderem mais. Usarem técnicas a mais. No caso do Desarma, Octávio faz algo muito interessante: deixa que os sabores da matéria-prima, quase todas intimamente ligadas à ilha da Madeira, se destaquem. É assim como que um descanso para o palato, que ao invés de estar experimentando sabores, texturas, técnicas novos, pode simplesmente aproveitar a qualidade do que é feito.
Técnica essa que passa para os momentos da sobremesa, nas mãos do Bruno Nazário e que com Ananás dos Açores e Bolo de Mel da Madeira, termina uma refeição de forma muito elegante e saborosa.
Nota ainda para o pairing de vinhos, pensado por Igor Rodrigues que faz um bom uso das mais de uma centena de referências presentes na garrafeira do Desarma, com muito destaque para os produtores nacionais. Com exceção do Mailly, o Chamapgne servido no início da refeição, tudo o resto foi um desfile de vinhos portugueses - um destaque especial para um Porta dos Cavaleiros de 1984, que só não foi o vinho mais antigo servido, porque terminámos o jantar com um vinho Madeira Blandy's Malmse de 1981.
É claro que, como qualquer estabelecimento, há sempre espaço para melhorias. No entanto, é muito interessante ver que finalmente a simplicidade e o sabor começam a ganhar apreciadores. E chefs que arriscam fazê-lo.
