Na Palestina conheci uma americana de 63 anos que há dois morava em Istambul. Ela me contou que foi professora a vida toda na Flórida, criou dois filhos que já tinham saído de casa há alguns anos, tinha netos e poderia ter ficado em casa fazendo qualquer coisa, ou nada. Pouco mais de dois anos antes do nosso encontro, ela havia se divorciado do segundo casamento e resolveu mudar de vida. Encontrou uma vaga em um site para professores de inglês nativos em Istambul, na Turquia, e foi. Ela não falava nada de turco e também não tinha nada a perder. "Descobri que a Turquia fica a poucas horas de voo de todos os lugares que eu tinha vontade de conhecer. Estou vivendo um sonho", me contou empolgada.
O senso comum prega que a chamada terceira idade, a vida após os 60, é um tempo de quietude e diminuição do ritmo. Há textos e mais textos falando da dificuldade das pessoas mudarem de vida muito antes disso, nos 30. Parece que esses grandes ciclos de trinta anos têm um peso importante na nossa cultura. Aos 30, parece que que não há mais muito espaço para as novidades. Aos 60 parece não haver espaço algum. Mas a cultura é dinâmica e - que bom! - tudo muda. Muita gente, como a americana que conheci, tem feito escolhas e mudado o ritmo para um mais dinâmico na maturidade. Depois dos sessenta, quando tudo parece "resolvido", alguns aproveitam para arriscar e viver uma grande aventura. Ou várias.
Nicolina Smokou nasceu em São Paulo há 85 anos. Casou, trabalhou em um banco, teve três filhos, cinco netos e, recentemente, uma bisneta. Uma vida comum e boa. "Quando eu era jovem e depois com meus filhos, nunca fizemos grandes viagens em família. Primeiro porque era muito caro e depois porque a gente não pensava nisso", conta. A mãe dela era uma imigrante espanhola e tinha primos na Argentina. Um desses parentes, o Sérgio, costumava visitar o Brasil com frequência até que ficou doente e não pôde mais viajar. Nicolina, que mantinha contato com o primo, sempre prometeu visitá-lo, mas demorou até que se animou a ir. "Enquanto meus pais estavam aqui e mais velhos, meu foco era muito cuidar deles, mas quando minha mãe morreu, eu comecei a me priorizar", lembra. Sua neta havia encontrado o primo em uma viagem a trabalho e contou para a avó que ele não estava muito bem de saúde. Nicolina não teve dúvidas e, prestes a fazer 80 anos, partiu em sua primeira viagem internacional para visitar o primo espanhol-argentino.
A primeira viagem internacional aos 79 foi tão boa que Nicolina não quis mais parar. "Eu não esperava que ainda fosse conhecer outros lugares e me encantar tanto com o mundo nessa idade", diz. Logo em seguida, um ex-aluno de sua filha Marisa, que tem uma escola de balé, convidou a professora e sua mãe, Nicolina, para vê-lo dançar em Miami, onde mora atualmente. "Eu parei de trabalhar em banco quando meus filhos nasceram, mas depois que todos já estavam criados e a Marisa abriu a academia de balé, eu trabalhei com ela por algum tempo, então tenho muita amizade com os alunos mais antigos", lembra. Ela foi aos Estados Unidos com a filha. "Foi lindo. É um lugar diferente de tudo o que eu já tinha visto". Nicolina se maravilhou pela novidade, pelo fascínio de conhecer realidades novas. Repetir destinos não está em seus planos.
Um destino seguinte foi a terra dos antepassados paternos, a Rússia. Sua filha sonhava em ver uma noite de balé no Bolshoi, uma das mais importantes companhias de dança do mundo. "Eu sinto falta da comida um pouco. Aprendi a gostar mais ainda da nossa comida viajando", conta Nicolina. Na Rússia ela se surpreendeu com a conservação das construções luxuosas, restaurantes e igrejas de Moscou e São Petersburgo. Naturalmente a idade impõe alguns limites, mas nada disso fez as aventuras dela menores. Em alguns passeios que exigiam mais disposição, ela aproveitava para descansar como faz um viajante experiente que não transforma os roteiros em gincanas. Foi assim no dia em que a filha e a neta foram até a fronteira das repúblicas bálticas. A viagem ainda rendeu uns dias em Londres. "Minha neta queria ver as coisas do Harry Potter e eu também, é claro".
Antes da Rússia, Nicolina fez a sua viagem mais longa até agora. Ela passou vinte e três dias na Austrália para visitar uma de suas netas que viveu lá por um tempo. "Eu queria voltar porque fomos no inverno e queria ir no verão também, mas a Isabella voltou", lamenta bem humorada. Atualmente Nicolina se recupera de um acidente vascular e os próximos destinos já estão definidos: ela sonha em conhecer Gramado, Cádis, na Espanha, onde sua mãe nasceu e o Japão. Nicolina é natural de Mogi das Cruzes onde havia uma colônia japonesa grande e desde pequena tem o desejo de conhecer a terra do sol nascente.
Nicolina conta que as viagens transformaram sua visão de mundo, mas principalmente a auto-imagem. Ao começar a viajar para lugares distantes e realizar sonhos adormecidos, Nicolina se descobriu com uma energia que achava estar perdida. "Eu sempre fui muito ativa, e começar a viajar me deu mais ânimo, mais vontade de continuar conhecendo lugares novos", explica. Nicolina ainda afirma que conhecer outros lugares aumenta seu carinho pelo Brasil. "Eu gosto ainda mais daqui porque aqui é minha casa, é onde eu tenho as coisas e as pessoas que eu gosto. Os outros lugares são diferentes, mas têm outros problemas. Problemas diferentes", argumenta.
E você, o que está esperando para realizar os seus sonhos?
Se você acha que já é tarde para começar qualquer coisa, respire fundo. J.K.Rowling, a autora do Harry Potter só lançou seu primeiro livro aos 32 anos quando vivia a pior fase de sua vida, segundo ela mesma. Ney Matogrosso só começou sua carreira perto dos trinta e Tomie Ohtake começou a estudar pintura com quase quarenta. Abigail Disney, sobrinha-neta do fundador do criador do Mickey, fez seu primeiro filme aos 48, ganhou o primeiro Emmy aos 52 e o primeiro Tony aos 59.
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