Viviane Nicoletti estudou artes visuais e design e trabalhava como designer em uma indústria náutica. Ganhou o prêmio de design do Museu da Casa Brasileira e a pressão só aumentou. "A rotina da fábrica acabava com toda a minha energia, inclusive a criativa, essencial para o trabalho. Não me restavam forças para cuidar das minhas pessoas, nem para estudar e nem para manter minha saúde de uma forma satisfatória. As férias anuais já não resolviam esses problemas", lembra.
Caio Dib terminou o curso de jornalismo com um emprego em uma agência de marketing digital e tocando alguns projetos paralelos que envolviam comunicação, educação e tecnologia. "Gostava bastante da minha vida, mas ao mesmo tempo me sentia limitado em uma realidade bastante singular e privilegiada. Tinha boas perspectivas profissionais, já estava empregado mesmo antes de me formar e assumindo alguns projetos, mas realmente não estava vendo propósito naquilo que fazia", conta.
A necessidade de buscar uma reconexão com as pessoas e encontrar motivações que dessem novos sentidos à rotina os levou a deixar tudo de lado por um tempo e sair para ver o mundo. Ou melhor, para ver o Brasil.
Viviane decidiu usar seu ano sabático para sanar algumas inquietações. "Nesse processo, decidi retomar um sonho que estava na geladeira, fazer o mestrado sobre a apropriação de saberes populares pelo mercado mediada pelo design. Então estabeleci algumas comunidades de artesãos para visitar no Nordeste e Norte brasileiro para escrever com mais propriedade o projeto de mestrado", diz Viviane.
Caio se incomodava como os projetos de educação não eram voltados para o usuário e no meio de uma reunião importante decidiu que precisava conhecer essas pessoas. " Assim que voltei para casa peguei um Atlas e circulei as cidades que gostaria de conhecer, as que achava interessantes, importantes, ou com nomes engraçados. Mostrei a ideia para minha mãe e ela não deu muita bola - eram 74 círculos para 3 meses de viagem", explica.
A viagem da Viviane por ela mesma
"O único plano realmente era passar por algumas comunidades artesãs ao longo da viagem, algumas que eu já conhecia e outras novas. Eu parti sem planejamento mas com um norte importante. Há um poema que eu tenho rabiscado em minha mochila:
Se vens a uma terra estranha
curva-te
se este lugar é esquisito
curva-te
se o dia todo é estranheza
submete-te
és infinitamente mais estranho.
(INICIAÇÃO, Orides Fontanela)
É dessa maneira eu me coloco para receber o que cada lugar tem para oferecer e o que cada pessoa com quem cruzo durante a caminhada tem para me ensinar. Isso evita qualquer tipo de frustração. É claro que sair sem muito planejamento te deixa vulnerável a certas situações como ter que dormir em chão de rodoviária em beira de estrada ou ainda esperar carona em estradinha de terra (que no meu caso, veio de moto!).
Eu escolhi passar o período sabático no Brasil por conta da dissertação do mestrado que, por ora, só discute o cenário nacional. Mas confesso que, quando cheguei no Norte, decidi cruzar a fronteira e continuar pela Venezuela, mas um amigo muito querido me convidou para apadrinhar o casamento dele que iria ocorrer em menos de um mês. A viagem ficou para depois mas ganhei dois afilhados!
Há sem dúvida preconceito em viajar para lugares fora do eixo comum, há uma cultura do medo muito difundida em nossa sociedade que serve para manter as pessoas trancadas dentro de seus condomínios, e quando viajam, procuram por extensões desses lugares que são oferecidos nos eixos tradicionais. Pessoalmente, eu tenho dificuldades em viajar para lugares turísticos tradicionais, porque é muito trabalhoso estabelecer uma relação pessoal com o lugar já que há sempre uma proposta preestabelecida. Os acontecimentos naquele lugar acabam não sendo espontâneos, e eu fico sempre com a impressão de que as vivências são artificiais, fica parecendo televisão. Então sempre que posso fujo dos roteiros tradicionais, aí evito as músicas altas que tocam nas escunas e consigo ouvir o mar.
Assim eu me permito ver os meninozinhos que fizeram de um veleiro encalhado na beira de um rio, trampolim para seus mergulhos; ouvir muitas e muitas histórias das pessoas que penduram suas redes nos barcos que atravessam o Rio Amazonas; conhecer parteiras, essas mulheres poderosíssimas que trazem crianças aos montes nesses interiores do Brasil ou ainda observar uma paisagem seca, aos pés das carnaubeiras, florear depois de muito tempo sem chuva.
No final, eu acho que essas minhas andanças servem para me tirar do centro das minhas próprias preocupações e me fazer perceber que faço parte de algo muito maior. Que os problemas, as alegrias, as dificuldades dos outros também são meus! Aguça a tal da empatia.
Hoje eu estou entre lá e cá, mas estabelecida de volta a São Paulo, feliz escrevendo minha dissertação de mestrado e fazendo alguns projetos de design menos grandiosos mas talvez mais significantes para todos os envolvidos. Ah! E é claro, de mochila sempre pronta!"
A viagem do Caio por ele mesmo
"Minha família e eu sempre viajamos muito o Brasil, mas como turistas. Entendi que precisava conhecer as cidades para valer. Passava todo o período da visita à cidade andando pelas ruas e evitava ônibus e táxis. Ia conversando com as pessoas. Viajei por todos os Estados do Nordeste, mas peguei poucas praias. Queria conhecer as ruas, os museus, a cultura, as pessoas.
Penso que existe uma crença de que viajar o Brasil é muito caro e não é mentira, dependendo do tipo de viagem. Entretanto, um sabático-de-mochila como eu fiz é bastante barato. Fui para Jericoacoara, paraíso natural cearense, quase de graça.
Com a viagem tudo mudou. Ampliei demais a minha rede de amigos e parceiros de trabalho, ganhei uma bagagem profissional, cultural e de vida sem igual. Hoje, consigo contar várias histórias de todos os assuntos possíveis principalmente pelos lugares onde passei. Depois da viagem, tive a oportunidade de viajar muito para dar palestras em várias partes do país e conhecer ainda mais lugares e pessoas. Foram quase 100 entre julho de 2013 e fevereiro de 2016, criar meu próprio negócio, ser reconhecido na minha área de educação e até conheci minha namorada por causa do projeto.
Hoje estou morando sozinho, e talvez esta seja uma aventura maior do que viajar para 58 cidades de ônibus pelo Brasil. Ainda tenho uma rede muito ativa. Faço pelo menos 3 cafés por semana para apoiar pessoas interessadas ou atuantes na área de educação e estou tentando equilibrar um pouco mais vida pessoal e trabalho. Elas se misturam muito e sou workaholic assumido.
A viagem tinha uma página no facebook para registrar o percurso e dividir as experiências. Chamei o projeto de Caindo no Brasil e hoje isso virou um negócio com propósito. Ele tem a missão de apontar e construir caminhos para mudanças positivas na educação brasileira a partir de inspiração e ferramentas práticas e quer ser referência na área. Também me desenvolvi bastante como empreendedor e hoje em dois focos: pesquisa e consultoria e, em segundo plano, vendo os livros "Caindo no Brasil: uma viagem pela diversidade da Educação" e faço algumas palestras".
E você? Já fez alguma viagem que mudou a sua vida? Conte sua história nos comentários!
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